4538 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188
Quando se encara a problemática da Universidade é comum acentuar o acordo que tem existido relativamente à enumeração dos seus fins formação cultural, transmissão do saber e investigação científica. As questões surgem ao indagar do peso relativo de cada um deles - Universidade formativa, Universidade técnica ou Universidade científica ou, ainda, ao determinai, no plano qualitativo, a formação cultural que à Universidade cumpre ministrar, os ramos de saber que cumpre transmitir (e de que modo), a natureza da investigação que cumpre promover. A história revela que a Universidade como instituição, foi grande enquanto soube dar resposta equilibrada a estas questões, deixou de o ser quando neles se perdeu, obliterando ao mesmo tempo a consciência da sua missão (cf. o notável ensaio do Prof. Braga da Cruz O Problema da Universidade).
O magnífico reitor da Universidade de Coimbra, Prof Andrade de Gouveia, escreveu expressivamente no relatório relativo ao ano académico de 1963-1964.
Para não se atraiçoar, a Universidade tem de manter a perene linha de conduta que a notabilizou e tantos serviços prestou à Pátria e à humanidade e, assim, tem também de dirigir, com a sua suprema autoridade, inteligência e saber, a evolução vertiginosa dos conhecimentos, particularmente no campo da ciência e da tecnologia, com toda a sua influência na modificação da vida contemporânea e do futuro próximo.
Reconheço a oportunidade em abordar ainda aqui uma questão que sempre se me afigurou essencial a da autonomia universitária.
Importa reconduzir a Universidade à sua estrutura corporativa, a uma autonomia institucional que se harmonize com as realidades dos nossos tempos. Esta conquista seria, de resto, o primeiro grande passo para a criação entre nós das corporações de actividade espiritual.
Nem se me levará a mal que recorde as palavras proferidas há anos pelo Prof. Galvão Teles.
A Universidade vai perdendo a sua alma A consciência universitária vai-se diluindo e com ela a capacidade de determinação, o sentimento de responsabilidade, a diligente coragem de encarar e resolver os próprios problemas, sem cómoda devolução a uma instância superior
órgãos universitários vão mirrando, na esterilidade que traz a falta de exercício da função, muitas vezes inferior de longe ao que pomposamente consta do papel da lei, mas que se não pratica.
D. Dinis, ao criar a Universidade portuguesa, inspirou-se principalmente no modelo bolonhês Assim a instituição ganhou marcado cunho estudantil.
Esta evocação fundamenta ainda o justificado realce a dai aos problemas dos estudantes.
A multiplicidade dos fenómenos psicológicos, históricos e sociológicos que se projectam na vida e no comportamento da juventude, tudo exige dos adultos uma capacidade de magistério actual e eficaz.
A diversidade nos métodos de pensamento e de acção, o domínio das técnicas, a evolução das ciências e das artes, o envelhecimento da população, a aceleração da história, a democratização do ensino, não serão estranhos a um desenvolvimento do espírito crítico, a uma pressão sobre o imobilismo, a uma tensão entre as gerações (cf. por exemplo, La Montée dês Jeunes dans la Communauté des Générations, 48.ª a Semana Social Francesa).
Quantas vezes este nosso mundo, pletórico de cambiantes e de apelos, não terá feito mergulhar os jovens nos riscos da dispersão, originando uma carência de liberdade psicológica que inibe uma doação ao primado do espiritual Mais abrindo-se o mundo a mensagens tão contraditórias é natural que muitos jovens, na pureza da sua sinceridade, tenham caído no cepticismo.
Reli há dias uma notável conferência que o Prof Marcelo Caetano proferiu, vai para 25 anos no C A D C de Coimbra - Universidade Nova (O problema das relações entre professores e estudantes).
A actualidade dos temas aí abordados parece-me ser a mesma, se não mesmo mais evidente.
Quem poderá minimizai o mundo de problemas que complicam a vida dos nossos rapazes universitários? Crise intelectual, crise moral, crise sentimental, utilização dos excessos de energias físicas. A estas questões juntam-se as de carácter económico alimentação, alojamento, livros e propinas Acresce que nestas encruzilhadas se encontram amiudadas vezes sozinhos, amparados apenas por um ou outro preconceito, pela camaradagem de amigos de recente data ou até por algum improvisado orientador. «Assim como há uma pedagogia nos outros graus de ensino que se não limita às regras de bem ensinar mas se preocupa com a integração da aprendizagem escolar no desenvolvimento total da personalidade do aluno, também existe uma pedagogia universitária em que largamente se tem de atender à vida extra-escolar. Só assim a Universidade passa a desempenhar cabalmente o seu papel formativo, e não meramente informativo, só assim a vida universitária, em que sucessivas camadas de jovens se esforçam na conquista do saber, toma feição cooperativa, pela contínua colaboração entre mestres e discípulos no mesmo espírito e com um só fim».
Quando há anos o Prof. Braga da Cruz relatou o parecer da Câmara Corporativa sobre as actividades circum-escolares, enumerou, detalhadamente, realidades e problemas respeitantes à alimentação, ao alojamento, à educação física e desportos, à saúde, ias bolsas de estudo, isenção e redução de propinas, à cultura geral, ao emprego e escolha de carreira e, até ao seguro escolar (cf. também, por exemplo. L'Enseignement, Problema Social, 45.ª Semana Social Francesa)
Os relatórios anuais dos magníficos reitores, ao cuidarem ainda desces aspectos, denunciam, além de algumas conquistas, a importância que tais problemas continuam a ter para a vida universitária. Urge, pois, resolvê-los em toda a sua extensão e magnitude.
No que respeita a Coimbra desejo fazer uma referência especial às residências para estudantes.
O Senado Universitário, considerando a importância das residências para o ensino e para a formação cultural dos estudantes, resolveu mesmo estudar o problema da sua construção e funcionamento e enviar ao Governo os resultados desses estudos, solicitando que o assunto fosse encarado com o interesse, a urgência e a amplitude que merece.
Eis como o Senado Universitário situou historicamente tal pretensão a experiência sobre residências escolares que melhor resultado deu, durante muitos séculos, tanto pelo que diz respeito à Universidade de Coimbra como a outros grandes centros culturais europeus, foi a dos colégios universitários Tradição que entre nós remonta à época dionisiana, a instituição dos colégios junto da Universidade foi um dos mais importantes aspectos da grande reforma de D. João III.
A sua escassez durante largo período, na época medieval, constituíra já uma das razões que levara D. Fernando a transferir a Universidade para Lisboa. Quando a Universidade regressou a Coimbra, na época joanina, os colégios conheceram grande expansão, chegando, mais tarde,