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778 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 43

uma caminhada mais lenta para o divórcio, em lugar de divulgá-los, com todo o cortejo de escândalos ligados à publicidade de caso, para alcançarem a mais rápida dissolução do casamento.
E como, além disso, entre o requerimento da separação, por onde os cônjuges são forçados a principiar, e a decretação do divórcio definitivo, que põe termo ao vínculo conjugal, medeiam necessariamente vários anos, não há grande perigo das experiências matrimoniais, e a lei garante o lapso de tempo suficiente para que a ponderação própria e a intervenção alheia curem as mazelas conjugais que sejam na verdade sanáveis.
O projecto fixava em cinco anos o período mínimo de duração de casamento para aos cônjuges ser lícito requerer a separação por mútuo consentimento, e em outros cinco o tempo necessário para que a separação seja conversível em divórcio.
O código reduziu ambos os prazos para três anos, por se ter entendido que a redução permite acudir com maior brevidade a algumas situações irreversíveis, sem quebra sensível dos essenciais a que aponta o dispositivo legal.
Outra alteração importante consistiu em identificar os fundamentos do divórcio e da separação litigiosa, mediante o alargamento dos primeiros e a redução dos segundos. O primeiro termo da composição não colide com a ideia essencial da lei, que é a de não estender o divórcio aos casos em que não haja procedimento culposo de algum dos cônjuges; a redução das causas da separação pouco ou nenhum interesse prático reveste, perante a amplitude a cláusula geral de separação que foi mantida no código [artigo 1778.º, g)].
Em contrapartida, a equiparação dos fundamentos do divórcio e da separação torna mais compreensível a faculdade excepcional que a lei confere ao juiz de decretar apenas a separação quando o cônjuge ofendido tenha requerido o divórcio e feito prova dos respectivos fundamentos, mas o tribunal disponha de razões especiais para considerar seriamente desaconselhada a dissolução do casamento.
A matéria em que o código pôde consagrar inovações mais significativas é, sem dúvida, a filiação ilegítima.
Dentro do vasto capítulo da filiação que não se prende com os laços do matrimónio, dois aspectos importantes convém destinguir: um refere-se ao reconhecimento da filiação; o outro, aos efeitos do reconhecimento, à posição jurídica do filho ilegítimo.
Quanto ao primeiro aspecto, como o Prof. Gomes da Silva salientou, a legislação vigente mostra-se ainda muito embaraçada com as peias que o liberalismo individualista foi buscar às restrições impostas pela vontade do progenitor. O projecto reagiu francamente contra semelhantes limitações, não se contentando com admitir a indagação oficiosa da maternidade e paternidade ilegítimas, mas impondo a averiguação oficiosa de uma e outra como regra.
O anúncio das medidas propostas mereceu o aplauso geral do País pois elas devem contribuir de forma eficaz para o saneamento moral de muitas situações que até aqui se deterioravam sem salvação possível, perante a inércia agnóstica da lei.
A revisão final dos textos acabou por consagrar ainda uma outra em ovação, cujos efeitos práticos correm parelhas com as providências já contidas no projecto.
Trata-se de perfilhação dos filhos adulterinos.
São em grande número, infelizmente, os filhos nascidos da infidelidade de um dos cônjuges, não só em Portugal, mas também nos restantes países (1). E uma chaga moral no corpo da colectividade que aos políticos e moralistas cumprirá combater nas suas causas, mas que o legislador não pode ignorar nos seus efeitos, como realidade social carecida de tutela jurídica.
Segundo a legislação vigente, os filhos nascidos em tais condições não podem ser perfilhados publicamente pelos seus progenitores. Se o cônjuge adúltero é a mãe, e a maternidade é declarada no registo, consideram-se como filhos legítimos do casal, enquanto a paternidade legítima não for eficazmente impugnada. Sendo o cônjuge adúltero o pai, este só pode perfilhar secretamente, a menos que o outro cônjuge consinta na perfilhação - assentimento que, como é de supor, poucas vezes se manifesta. O resultado prático do sistema não é brilhante. Grande parte dos filhos adulterinos, porque nem os progenitores verdadeiros, nem o pai presuntivo, se importem grandemente com a fixação exacta da filiação, nascem, vivem e morrem como se filhos legítimos fossem, só porque a lei se divorcia por completo das realidades ia vida.
Noutro grande contingente de casos, como a mãe adúltera sinta algum pejo de atribuir o filho ao marido que o casamento lhe deu e a lei não permita que no registo figure o nome do verdadeiro pai, a criança aparece registada como filha de pais incógnitos.
Num último núcleo de situações, quando o cônjuge adúltero é o pai, e a mãe não é inábil, a perfilhação paterna ou não se faz, ou apenas se faz secretamente, porque o cônjuge do perfilhante se recusa por via de regra a dar o consentimento necessário à perfilhação pública; e como a perfilhação, enquanto se não levanta o carácter secreto que a rodeia, nenhuns efeitos produz na vida prática, aí tem a sociedade um contingente mais, bastante numeroso, de filhos cuja situação real não encontra expressão adequada nas tábuas do sistema jurídico.
Eis em traços muito breves, mas creio que bastante expressivos, a descrição de um panorama que, não sendo porventura muito agradável à vista do observador, é todavia um quadro da vida real, que carece de revisão, para prestígio da verdade e autoridade da lei, e ainda para protecção dos que, sendo as principais vítimas da situação, nenhuma culpa têm na sua origem.
O projecto dera já alguns passos, importantes sem dúvida, na resolução do problema, quando admitiu a impugnação da paternidade legítima em acção proposta pelo Ministério Público, a requerimento de quem se considera o verdadeiro progenitor, e quando deixou de considerar a inabilidade do pretenso pai como obstáculo decisivo à investigação da paternidade ilegítima.
O código leva agora mais longe a incursão efectuada em terrenos considerados defesos pela actual legislação, ao permitir a perfilhação por parte do pai adúltero, sem necessidade do consentimento do outro cônjuge. Os inconvenientes que a solução possa ter, mais teóricos que reais, são em larga proporção excedidos pelas vantagens que permite alcançar, não só no plano da verdade dos factos ou da autenticidade das soluções, mas também quanto à oportunidade da protecção que todos os pais devem aos filhos.
Não pareceu conveniente ir mais longe, especialmente no que se refere à impugnação da paternidade legítima, porque a solução de admiti-la sem dependência de requerimento do pai presuntivo ou daquele que se arroga a verdadeira paternidade, ou seus herdeiros, além de se
1) No opúsculo da Fortuna, Jorio, Pandini, p. 34, calcula-se em 30 000 o número de filhos adulterinos nascidos por ano em Itália.