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776 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 43

pectro do recurso frequente aos tribunais para dirimir as contendas entre os cônjuges 1).
E que o princípio da chefia do marido não se impõe só porque corresponde a uma das tradições sociais milenárias que a necessária estabilidade e fortaleza das instituições familiares manda salvaguardar; ele exprime ainda uma regra salutar de boa psicologia, assente no perfeito conhecimento da natureza humana, e ditada pelo bem da família, no dizer feliz da Constituição, ou seja pelo interesse superior da paz conjugal e da boa educação dos filhos (2).
Não esqueçamos nunca que o Estado, seja ele representado pelo:5 juizes, seja pelo curador de menores, é sempre um terceiro, e que a intervenção regular ou sistemática de um terceiro, estranho à sociedade matrimonial, incumbido de solucionar os dissídios entre marido e mulher, destrói o que a família tem de mais precioso, que é a intimidade do lar, ao mesmo tempo que lança dentro da sociedade familiar um factor grave de perturbação conjugal.
Vozes: - !Muito bem!
O Sr. Ministro da Justiça: - Para evitar a intromissão perturbadora de terceiros na vida familiar, nenhum outro princípio se oferece à inteligência do jurista que não seja a regra da chefia: a chefia do marido, nos países de tradição cristã; a chefia da mulher, nos povos ou nas tribos primitivas sujeitas ao regime matriarcal.
Para concluir a análise deste ponto, resta só acrescentar, em obediência à verdade dos factos, que a revisão final dos textos alguma coisa lucrou ainda com a livre discussão da matéria. Foram eliminados do código os anacrónicos aberrantes institutos do depósito e da entrega judicial da mulher casada, que quase só por mera inadvertência escaparam na redacção do projecto.
Outro tema muito debatido em determinados círculos de opinião, com um calor nem sempre isento de alguma virulência, foi o da dissolução do casamento pelo divórcio.
Como o projecto tentasse reprimir os excessos manifestos da legislação vigente, logo acudiram os comentadores a proclamar com todas as letras, ou a insinuar veladamente por meias palavras, que as novas disposições marcavam um franco retrocesso na regulamentação da matéria, só explicável pelo espírito reaccionário com que foi apreciado o carácter liberal do sistema em vigor.
O mais curioso de tudo é que, passando por Lisboa na altura era que a discussão ia mais acesa entre os contendores, um jurisconsulto estrangeiro insuspeito não hesitou em tecer os maiores louvores aos aspectos progressivos do projecto que estava em discussão pública. Regressado ao seu país, em comentário pitoresco feito a
(1) No mesmo sentido: F. Scardulla, La Separazíone Personale dei Conjugi, Milão, 1066, pp. 18-19.
(2) A propila educação da prole, escreve Scardulla (ob. e loc. cits.), tem necessidade da autoridade predominante de um dos pais e sofreria gravemente com as disputas entre os cônjuges, que decerto se viam frequentes quando a lei afirmasse o princípio da direcção conjunta, ou quando a decisão do marido, sujeita a apreciação jurisdicional, tivesse carácter provisório.
Cf. ainda, no mesmo sentido, as certeiras e veementes reflexões de Henri Mazeaud. no artigo intitulado Une famille sans chef, Recueil Dalloz, 1951, pp. 141 e segs., onde se refere a importância que o princípio da autoridade (marital) tem na coesão e unidade da família e se levanta um pouco do véu que cobre a estranha simpatia dos países comunistas, partidários da autoridade absoluta do Estado, pela regra da igualdade jurídica entre os cônjuges, que é causa e fonte de fraqueza da sociedade familiar.
instâncias dos jornalistas, ele teria depois afirmado que os Portugueses, depois de haverem dado ao mundo uma lição ... nos domínios da competição física, se aprontavam agora para lhe dar uma outra no campo superior da actividade legislativa.
É fácil compreender o sentido da declaração, e não parece difícil medir o seu alcance com o compasso nas próprias reivindicações políticas.
Mesmo sem os excessos com que tenha sido emoldurado, o projecto português trazido à luz pública, na largueza com que admite o divórcio para o casamento civil, ao mesmo tempo que a todos faculta a opção por esta espécie de casamento, constituiria para várias legislações estrangeiras a mais preciosa das conquistas a que certas correntes extremistas poderiam aspirar (]).
Se não há razão plausível para extrair do facto qualquer motivo de . orgulho especial, nem qualquer causa justificada de desapontamento, o que nele pode alicerçar-se decerto é a confiança bastante para se deixar cair sem resposta a acusação político-jurídica lançada em rosto do projecto e para, com toda a serenidade, ensaiarmos algumas reflexões em torno do momentoso problema.
O direito comparado fornece, de facto, ao estudioso interessado na análise da questão uma lista suculenta de orientações possíveis, com soluções para todos os gostos e com variantes para todos os paladares. Desde os sistemas que admitem o repúdio unilateral da mulher, como sucede em larga medida nos países muçulmanos, até às legislações que, por inspiração do direito canónico, só admitem a dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges, encontra-se no direito constituído das várias nações a maior variedade que é possível conceber no enxerto da dissolução por meio de divórcio com a mera separação de pessoas e bens, que não destrói o vínculo conjugal (a).
Se, porém, o termo de comparação da legislação portuguesa se circunscrever às leis dos países que têm maiores afinidades históricas e culturais com -Portugal como sejam a Espanha, o Brasil, a França e a Itália -, forçoso é reconhecer que nenhuma delas é tão pródiga como o direito português vigente em admitir a dissolução do casamento civil. A Espanha, o Brasil e a Itália (3) não conhecem mesmo o instituto do divórcio, e a legislação espanhola nem sequer permite a separação por mútuo consentimento. A França (tal como a Alemanha, aliás) afasta o divórcio por mútuo consenso, e também repudia a separação amigável.
(1) A afirmação procede quanto ao próprio projecto do Deputado socialista Fortuna, que tanta agitação desencadeou na opinião pública italiana, pois, se é certo que as suas disposições visam também o casamento concordatário, menos certo não é que os fundamentos nele propostos para a dissolução se podem, de um modo geral, considerar bastante menos amplos que os admitidos no nosso projecto, relativamente ao casamento civil. Cf. Fortuna, Jorio e Pandini, Rapporto sul divorzio in Itália, Milão, 1966, p. 131.
(2) Há países que admitem tanto o divórcio litigioso como o divorcio por mútuo consentimento, enquanto outros só aceitam a primeira modalidade. Entre estes últimos, há ainda que distinguir entre os que restringem a dissolução às causas culposas e aqueles que, ao lado delas, incluem as causas que são independentes da culpa de qualquer dos cônjuges. Cf. as sínteses de direito comparado feitas por Fortuna, Jorio, Pandini, ob. c t í., p. 152; Hans Dõllej 06. ctí., pp. 480 e seguintes; e, para maia ampla informação, o Juris-classeur de droit compare, dirigido por 8. Goldman, Paris.
(3) Em Itália, entre 1873 e 1965, foram já apresentados doze projectos de lei tendentes a instituir o divórcio, sem que até agora nenhum deles tenha conseguido alcançar o seu objectivo. Cf. Fortuna, Jorio, Pandini, op. ctí., p. 10, nota 7.