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780 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 43

guem decide do liberalismo individualista e do raciona-lismo naturalista para uma concepção orgânica da sociedade civil, que, respeitando os direitos inumeráveis da pessoa humana, afirma deliberadamente a supremacia do bem comum sobre os puros interesses dos indivíduos ou sobre as meras conveniências dos grupos. O antigo esplendor de postulados como a autonomia da vontade e a liberdade (negociai, em grande parte artificialmente criado pela filosofia do individualismo, esbate-se agora perante a luz forte dos princípios morais de uma ordem jurídica que. não confiando já no equilíbrio espontâneo das forças da natureza em plena liberdade, se funda nos vínculos de solidariedade que unem os homens entre si e na justiça que fortalece a coesão das sociedades humanas.
E a réplica dada pelo direito, com todas as exigências da boa fé, da justiça e da própria equidade, apoiadas na autoridade superior do Estado, a uma economia que foi sucessivamente evoluindo do livre-cambismo para o domínio dos sistemas intervencionistas; é a resposta da legislação civil a uma sociedade na qual os vínculos paternalistas dos pequenos meios rurais se desagregam, pouco a pouco, à proporção que as novas estruturas industriais engrossam cada vez mais as grandes concentrações urbanas.
Tanto, porém, como símbolo representativo de uma época, nas coordenadas temporais do espírito, o código pode ser considerado, nas dimensões espaciais da humanidade, a imagem fiel de um povo.
Haverá, sem dúvida, em múltiplos lugares do sistema, especialmente na parte geral das obrigações, numerosos ensinamento; que os autores foram beber nas fontes da doutrina estrangeira, a par de muitas soluções que a lei importou directamente da legislação de outras nações.
Mas acima de toda a contribuição recebida através da ciência pelo influxo do direito comparado, numa assimilação que reflecte já a formação específica do nosso meio, o que avulta dentro do código, na disciplina dos contratos, na organização da propriedade, na constituição e defesa da família, na repartição das heranças, nas próprias relações com os cidadãos estrangeiros, são as estruturas nacionais, os usos das nossas terras, os critérios de justiça, e até a sabedoria e a intuição prática da nossa gente, a nossa terminologia jurídica, as tradições ancestrais da comunidade lusitana numa palavra, a imagem típica que a história foi modelando com a mão segura do tempo sobre o carácter do povo português.
O Código Civil será assim o espelho intelectual de uma geração na literatura jurídica nacional; mas a nova ordem jurídica, no retrato moral que as próprias leis nos transmitem das pátrias suas destinatárias, é acima de tudo como um pedaço do corpo e da alma de Portugal, no depoimento que lega aos vindouros sobre a inteligência e a sensibilidade dos Portugueses espalhados pelo Mundo.
Obra de grandes proporções, estudada e laboriosamente preparada, com excepcional afinco, por um escol qualificado cê investigadores, os Portugueses não teriam possibilidades de concluí-la, muito menos de vê-la frutificar no campo das realidades jurídicas, senão num período de paz interna e numa época de estabilidade política como aquela que vimos usufruindo há boas dezenas de anos.
Erro grave seria não reconhecer esta verdade elementar, e feia ingratidão seria a dos juristas que, no termo da empreitada que adjudicaram, não tivessem nos lábios uma palavra de simpatia como tributo de reconhecimento ao governante a quem todos devemos a tranquilidade de espírito essencial a tarefas desta natureza e a empreendimentos de tamanha extensão.
Vozes: -Muito bem, muito bem l
O Sr. Ministro da Justiça: - Não são, aliás, as condições de trabalho proporcionadas aos colaboradores do código, no ambiente calmo das instituições nacionais, o único vínculo espiritual que liga o nascimento do diploma à obra governativa do Doutor Salazar.
O código representa um marco miliário no movimento de reacção que dentro do direito privado se foi paulatinamente processando contra o primado filosófico do liberalismo individualista. Pois cumpre lembrar que o Doutor Salazar foi, tanto no pensamento como na acção, o pioneiro doutrinário mais lúcido e o dirigente mais operoso na luta contra a influência ruinosa que o individualismo, desde o período agitado das lutas liberais, exerceu na vida política da comunidade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Ministro da Justiça: - O País ficou a dever-lhe, ninguém ousará contestá-lo, a iniciativa e a própria direcção de um combate sério, persistente, sem tréguas nem quartel, contra processos, ideias e hábitos que, a despeito de se terem enraizado no terreno das instituições, não floresciam, nem frutificavam, em termos de satisfazer os superiores interesses da colectividade. Mas, no comando activo desta profunda transformação social, o Chefe do Governo, como político e como pensador, tornou-se ainda credor do nosso reconhecimento por um outro serviço, complementar do primeiro, mas não menos grato do que este ao espírito dos homens de pensamento e ao coração das pessoas de recta consciência. É que a reacção contra os malefícios do individualismo, graças à sua intervenção firme e à sua sólida formação doutrinária, nunca arrastou às nossas instituições políticas, económicas ou sociais para os excessos totalitários de que outros povos acabaram por ser vítimas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Ministro da Justiça: - A moderação cristã do colectivismo nacionalista português, verdadeiro título de glória do sistema, permitiu que a consciência pública se não transviasse, no mar revolto dos acontecimentos, durante o período de maior desorientação ideológica que a Europa viveu, antes de nela grassar a febre do anticolo-nialismo; mas valeu ainda aos próprios adversários e detractores do Regime, a muitos dos quais salvou a vida durante os anos sombrios da guerra, e continuou depois a garantir a segurança e a prosperidade de que desfrutaram.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Ministro da Justiça: - Também desse personalismo cristão muitos vestígios podereis encontrar nas in-junções normativas do novo código.
Perante os textos constitucionais em vigor, nenhum obstáculo se levantaria à publicação do Código Civil fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia, subtraindo desse modo o diploma à expectativa de uma apreciação parlamentar; entendeu, porém, o Governo que por óbvias razões o não deveria fazer.
Se a Assembleia ratificar o decreto-lei que o aprova, o Código Civil converter-se-á em direito vigente no próximo dia 1 de Junho e, ingressando desde já no corpo de leis da Nação, passará a constituir parte integrante do património legislativo do Estado. Será então caso de