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28 DE NOVEMBRO DE 1966 775

A primeira nota que importa tocar, para prevenir comentários despropositados, é que não está posta em equação neste caso a questão da igualdade jurídica entre o homem e a mulher. Fora da sociedade conjugal, não se encontra em princípio, dentro, do Código Civil, nenhuma limitação de direitos fundada no sexo.
As tais diferenças resultantes da natureza da mulher, a que avisadamente se refere o texto constitucional, têm o seu lugar próprio mais no direito público que no comércio privado (*).
Dentro da própria sociedade familiar, se o marido falta, está impedido ou se encontra ausente, a mulher ocupa imediatamente o lugar de chefia; investida nos direitos que ele usufruía e sujeita aos deveres que sobre ele recaíam.
O que está por conseguinte em causa, para os civilistas, é a posição relativa da mulher e do marido na estrutura e funcionamento da comunidade familiar.
A segunda advertência prévia que importa fazer é que o problema se não situa no domínio ético da moral, nem é posto no campo religioso da teologia, mas apenas no terreno prático da realidade jurídica.
Já hoje ninguém contesta nas sociedades civilizadas o princípio da igual dignidade do homem e da mulher à luz dos preceitos morais, nem discute a sua igual responsabilidade no plano da criação divina. O que os autores podem, no entanto, perguntar, sem infringir nenhum desses conceitos, é se dentro da família as leis devem atribuir aos cônjuges posições idênticas, ou antes posições complementares, embora igualmente dignas no plano do direito ou da moral, visto serem complementares, e não idênticas, as funções que a natureza assina a marido e mulher na comunhão de vidas que é a essência da sociedade conjugal.
Tendo presente a distinção que acaba de ser assinalada, fácil se torna verificar que os textos sagrados e os documentos pontifícios referentes à situação da mulher dentro do lar, ou não tratam da questão jurídica, ou, quando dela curam directamente, em lugar de negarem, só confirmam o princípio da chefia natural do marido e a tese da diversidade da posição legal pertencente a cada um dos cônjuges.
Ora, uma vez posta a questão nos seus termos exactos, nada custa reconhecer que o código poderia, em determinados pontos, adoptar soluções diversas das que perfilhou, ser mais avançado que já foi na senda do pensamento igualitário, modificando, ou ampliando de modo directo, a esfera dos direitos conferidos à mulher casada.
Em lugar, por exemplo, de prescrever que a mulher deve adoptar a residência do marido, com todas as ressalvas que a imposição comporta, poderia admitir como regra que cada um dos cônjuges mantivesse o direito a uma residência própria; em vez de conceder ao marido a administração geral dos bens, poderia confiá-la, em princípio, à mulher.
E, se o legislador quisesse evadir-se mais ainda do círculo das realidades sociológicas nacionais, assim como poderia investir o marido no governo doméstico do lar, nada impediria que fosse este a tomar o nome da mulher, e não ela, como agora, embora só facultativamente, quem adopta os apelidos do varão (a).
Todavia, quando o código entrega ao marido a chefia da família, em termos, aliás, muito mais comedidos que o código italiano vigente (a) ou que o nosso Código de 67, ele não cura tanto das questões dessa índole, como cuida dos assuntos de interesse comum da família, os quais respeitam por via de regra à pessoa ou ao património dos filhos e aos bens comuns do casal.
Admitamos - para ilustrar a doutrina com alguns exemplos práticos - que o marido quer que o filho siga o ensino liceal, enquanto a mulher vota pelo ensino técnico; o marido, que é protestante, pretende internar a filha num colégio evangélico, ao passo que a mulher, católica convicta, prefere a educação em estabelecimento diferente. O marido decide levar os filhos para a praia; a mulher opta pelos ares da serra. O marido dispõe-se a arrendar certos bens comuns a A; a mulher está de acordo com o arrendamento, mas insiste em que o arrendatário seja B.
É para casos desta natureza, e para muitos outros facilmente imagináveis, que na teoria e na prática se levanta com toda a acuidade a questão da chefia familiar.
Quem decide em tais hipóteses: o marido ou a mulher? Quem pontifica nos assuntos de interesse comum: a autoridade do varão ou o sentimento da sua consorte?
Os moralistas que esgrimem contra o princípio tradicional da chefia do marido com o florete demagógico da igualdade jurídica dos cônjuges só encontram uma escapatória, coerente com a crítica de que arrancam, para a resolução da dificuldade: a do recurso ao Estado, através dos tribunais, sempre que haja discordância entre os cônjuges (3).
Simplesmente, essa orientação teria os mais perniciosos efeitos na harmonia da vida conjugal e poria em grave risco a estabilidade do agregado familiar.
Sentimental e impulsiva como é o comum da gente meridional, os cônjuges haveriam de recorrer a cada passo aos tribunais, por simples amor-próprio, desperdiçando tempo, gastando dinheiro e desbaratando energias em demandas inglórias, por questões de mera lana-caprina. Arrepender-se-iam possivelmente de o ter feito, mas demasiado tarde muitas vezes, por terem as devassas das testemunhas, a luta dos advogados e a inquirição dos juizes contribuído involuntária, mas seriamente, para desatar os laços que uniam os desavindos e para exacerbar as paixões que o orgulho ferido é capaz de alimentar.
E escusado será realçar ainda a ameaça de paralisação da vida familiar que lançaria sobre pais e filhos o es-
(*) Há matérias, como o serviço militar, a protecção da maternidade, os crimes sexuais e outras, em que as diferenças biológicas e funcionais dos dois sexos impõem uma diversidade de regime. Outras vezes, são os interesses do Estado que legitimam a diversidade, interditando o acesso da mulher a certas funções públicas, não por uma razão genérica de incapacidade, mas por virtude da normal inaptidão das características femininas para as exigências específicas do cargo.
1) A legislação soviética (Decreto de 19 de Novembro de 1926), por exemplo, concede aos cônjuges a faculdade de adoptarem como nome de família o de qualquer dos cônjuges, se não E referirem manter o nome de solteiros. Vide a colectânea de iis intitulada Familiengesetze Sozialistischer Lander, Berlim, 1959, p. 39.
(2) «O marido», diz o artigo 145.º do código italiano, numa linguagem já muito distanciada do projecto português, «tem o dever de proteger a mulher, de tê-la junto de si e de lhe proporcionar, na medida das suas possibilidades, tudo quanto for essencial à satisfação das necessidades da vida.»
O artigo 1185.º do nosso Código de 1867 também se exprimia em termos muito semelhantes, quando afirmava que «ao marido incumbe, especialmente, a obrigação de proteger e defender a pessoa e os bens da mulher; e a esta, a de prestar obediência ao marido».
(3) E a solução abertamente consagrada, na Checoslováquia, pelo § 16, n.º l, da Lei n.º 265, de 7 de Dezembro de 1949, sobre o direito de família. Cf. Colectânea, cit., p. 171.