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28 DE NOVEMBRO DE 1966 771

Houve, no entanto, quem levantasse o problema da inconstitucionalidade da inovação, estribado no facto de a Constituição não mencionar a adopção entre as fontes das relações familiares.
Para quem conteste a necessidade do preceito segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, este entendimento dado ao artigo 13.º da Constituição representa um verdadeiro achado na ilustração da doutrina prescrita pelo código.
Perante a simples letra da Constituição, que nenhuma referência faz à adopção, a conclusão a tirar pelo intérprete talvez não pudesse ser outra, de facto, senão a da inconstitucionalidade do novo instituto.
Se, porém, nos socorrermos do espírito da lei, como recomendam os princípios mais elementares da boa hermenêutica, a conclusão será precisamente a oposta.
Como nenhuns indícios se levantam na história do preceito, nem no contexto da lei, que de longe ou de perto mostrem que o legislador cogitou no problema da adopção, o intérprete é forçado a aceitar, em nome da lógica, do bom senso, e até das simples máximas da experiência, as duas conclusões seguintes:
1.a No corpo do artigo 13.º, a Constituição limita-se a falar na filiação legítima, omitindo a própria filiação ilegítima, por pretender apenas assinalar as bases em que assenta, regular ou usualmente, a constituição da família merecedora da tutela do Estado;
2.a Se não cita os filhos adoptivos no parágrafo em que alude à situação dos filhos ilegítimos, é porque a adopção não era conhecida no sistema jurídico-português à data em que o texto foi redigido, nunca porque a Constituição, depois de haver ponderado as vantagens e os inconvenientes do instituto, haja querido impedir o seu reconhecimento na lei civil.
Quando, por conseguinte, a legislação ordinária cria a nova figura jurídica, não comete a mais leve inconstitucionalidade, pela simples razão de que não encontra pela sua frente, a tolher o passo do legislador, nenhuma regra que perceptivelmente interdite a adopção, mas um simples vazio que, como é evidente, nenhum obstáculo constitui à inovação.
Dentro da adopção, o código distingue, na sequência do projecto e um pouco à semelhança dos direitos inglês e francês, entre a adopção plena e a adopção restrita (*).
Houve o intuito de limitar bastante o domínio da adopção plena, por duas razões. A primeira é que, sendo a adopção plena equiparada em regra à filiação legítima, com plena supressão dos laços que prendem o adoptado à família natural, a constituição dela só se justifica quando, por ser a família natural prática ou legalmente desconhecida, não haja probabilidade de competição desta com a família adoptiva. A segunda é que a adopção restrita serve capazmente os interesses fundamentais, do adoptado, ao mesmo tempo que permite ao adoptante conceder-lhe toda a protecção que não lese as legítimas expectativas da descendência legítima.
Apesar disto, e não obstante a prudência que se requer com um instituto novo, de características tão melindrosas como este da filiação fora dos vínculos do sangue, alargou-se o âmbito da adopção plena, de modo a incluir nele, ao lado dos filhos de pais incógnitos, os filhos de pais falecidos.
1) O direito inglês distingue, do facto, entre a adoption e a simples guardianship: P. M. Bromlev, Family Law, 3.a edição, 1966, p. l, 369 e seguinte, 401 e seguinte.
Quanto ao regime desta modalidade da adopção, reconheceu-se a necessidade de corrigir a equiparação dela à filiação legítima, num caso especial.
Quando são chamados à herança paterna filhos legítimos em concorrência com filhos ilegítimos, estes recebem, como de todos é sabido, uma quota inferior à dos primeiros.
Se, porém, a competição se estabelecer entre filhos adoptivos e filhos ilegítimos do falecido, já se não afigura justo que o mesmo critério de preferência reverta em prejuízo dos descendentes de sangue, ainda que os outros hajam sido integrados na família por meio da adopção plena. A diferenciação dos quinhões atribuídos aos filhos representa uma forma de tutela da família legítima em face da prole ilegítima, que carece inteiramente de sentido em relação à prole adoptiva.
Por isso, concorrendo à sucessão filhos adoptivos e filhos ilegítimos, ou descendentes com direito de representação, a lei prescreve que sejam iguais as quotas de uns e outros. Quando a concorrência abranja simultaneamente filhos legítimos, adoptivos e ilegítimos, entendeu-se, porém, que a igualação entre os dois primeiros grupos deve prevalecer sobre a ideia de igualar a prole ilegítima com os filhos adoptivos.
Seguindo a ordem do próprio articulado, vamos entrar agora na apreciação dos temas mais delicados de toda a exposição, começando pela matéria dos impedimentos matrimoniais, na qual cabem tanto os que respeitam ao casamento concordatário como os que obstam à celebração do casamento civil.
As observações mais importantes que no capítulo dos impedimentos cumpre examinar resumem-se a duas: uma delas, relativa ao casamento católico, condena o facto de se manterem as exigências da lei civil quanto à capacidade matrimonial dos nubentes, nos casos em que o acto é celebrado com dispensa legal do processo preliminar; a outra parte dos que com maior ou menor veemência se insurgiram contra a inclusão das ordens maiores ou dos votos solenes entre os impedimentos do casamento civil.
Em lugar, porém, de encetarmos a análise pelos dois pontos atingidos, nenhum inconveniente haverá em envolvermos o seu exame na resposta a uma insinuação que a coberto da última crítica se deixou cair sobre a nova codificação, alargando assim os horizontes da exposição e facilitando a exacta compreensão das posições que a lei perfilhou.
Falou-se, com efeito, a propósito do livro da famlia, em cesarismo e clericalismo, como atitudes condenáveis em toda a actividade legislativa, em termos de o público ser induzido a crer que por uma ou outra via o projecto se afastara da linha divisória que assinala as fronteiras da jurisdição da Igreja, por um lado, e da legítima soberania do Estado, por outro.
Convém, naturalmente, saber se a insinuação tem algum fundamento.
Não valerá decerto a pena lembrar que, contra a doutrina do direito canónico, o código reconhece a validade do casamento civil, permite a livre celebração dele a todos os católicos, sem necessidade de prévia abjuração da sua fé (como sucede noutras legislações estrangeiras) e admite a dissolução desse casamento por meio do divórcio, ao contrário do que ocorre nos países que maiores afinidades têm connosco, onde, como adiante se verá, o divórcio não é admitido em caso algum.
Podemos, sem grande inconveniente, pôr de parte todos esses argumentos e limitar o campo da apreciação crítica do novo direito ao casamento católico e ao impedimento das ordens e dos votos, por serem as matérias mais postas