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772 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 43

em relevo no capítulo das relações entre o direito canónico e a lei civil portuguesa quanto ao instituto da família.
No que respeita ao casamento católico, a parte fundamental da sua disciplina foi o código buscá-la às disposições da Concordata de 1940. E, quanto à Concordata, já por algumas vozes, autorizadas pelo saber e insuspeitas pela formação, foi reconhecido que esse instrumento diplomático representa uma solução equilibrada de compromisso entre o Estado Português e a Santa Sé, que fizeram concessões recíprocas na resolução dos problemas, que mutuamente transigiram em vários pontos para acautelar o melhor possível os altos interesses morais e espirituais que a cada uma das potências contratantes incumbe defender.
O Estado Português transigiu, quando, de acordo, aliás, com o sentimento geral da Nação, reconheceu a eficácia civil do casamento católico e quando, por força da lógica e em nome dos bons princípios, aceitou a competência dos tribunais eclesiásticos nas questões relativas à nulidade do casamento canónico e à dispensa do casamento rato e não consumado.
A Santa Sé cedeu, por seu turno, em dois aspectos importantes: na exigência da capacidade matrimonial dos nubentes em face da lei civil, certificada pelas repartições do registo; e na remessa obrigatória do duplicado dos assentos a estas repartições, como processo de garantir o monopólio do Estado em matéria de informação sobre o estado civil dos cidadãos portugueses.
A necessidade do certificado de capacidade matrimonial dos nubentes visa garantir a observância, não só dos impedimentos dirimentes consagrados na lei civil, mas dos próprios impedimentos impedientes, através dos quais o Estado procura defender certos valores que interessam ao governo temporal da comunidade portuguesa, mas que pouco ou nada contam para o espírito universalista e a vocação ecuménica do direito canónico.
Os casos mais delicados que a Concordata teve de encarar foram aqueles em que circunstâncias ponderosas exigem a celebração imediata do casamento, sem possibilidade de o celebrante aguardar a conclusão do processo preliminar nas conservatórias do registo civil.
Nessas hipóteses excepcionais, depois de rigorosamente circunscritas no acordo, o Estado Português anuiu à celebração imediata do casamento, como não deveria deixar de o fizer; mas não prescindiu da instrução subsequente do processo destinado, a averiguar da capacidade matrimonial dos consortes em face da lei civil, e, a despeito de o matrimónio já nessa altura constituir em regra facto consultado, a sua transcrição no registo civil não se fará quando o processo revele a existência de qualquer dos dois impedimentos dirimentes em que há maior divergência de doutrina entre as prescrições do direito canónico e o sistema da lei portuguesa.

Não direi que o engenho dos canonistas e o talento dos civilistas fossem incapazes de encontrar, nesta complexa matéria do casamento, outras fórmulas de recta composição entre os diversos interesses em jogo; do que duvido é da possibilidade de encontrarem soluções mais equilibradas, critérios mais justos, princípios mais acertados, na alteração de um regime que, afrontando os direitos da Igreja, violentava a consciência da maior parte da população.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Ministro da Justiça: - Não será um membro do Governo a pessoa mais qualificada para emitir o juízo que acaba de ser proferido?
Mas, entre vencer o pejo do louvor em boca própria para desnudar a verdade e consentir por incúria no triunfo dos erros alheios, ainda que encobertos sob o disfarce da insinuação sem compromisso, a moral não consente hesitações.
Mas passemos entretanto da. Concordata de 1940 para o projecto do Código Civil.
As inovações mais salientes deste diploma, no confronto com os textos concordatários, são duas. A primeira, importada do Código do Registo Civil de 1958, mas concebida no círculo dos trabalhos preparatórios do novo direito civil, refere-se aos casamentos católicos celebrados no estrangeiro entre dois portugueses ou entre português e estrangeiro; a segunda, que certas apreciações críticas estranhamente passam em claro, mantém expressis verbis todas as exigências da lei civil quanto à capacidade matrimonial dos nubentes, nos casamentos celebrados com dispensa do processo preliminar de publicações.
Quanto aos casamentos católicos celebrados em país estrangeiro, que não cabem de facto no âmbito da Concordata, uma solução deveria ser imediatamente posta de lado: a de subordinar a transcrição no registo civil ao facto de o casamento católico ser reconhecido como válido no Estado onde foi celebrado. A intervenção da lex loci, além das prescrições do direito canónico, pode convir à defesa dos fins especialmente tutelados pelo Estado estrangeiro, mas nada importa à protecção jurídica dos interesses próprios do Estado Português.
Nestes termos, o legislador teria apenas de optar entre a tese da irrelevância sistemática do casamento e o princípio do seu reconhecimento subordinado a certos requisitos, fosse qual fosse a posição ditada pela lex loci.
Ora, se o contrato é precedido do processo das publicações, como em regra deve ser, nenhuma razão se vislumbra para não considerarmos válido o casamento, nem qualquer argumento sério impedirá que lhe seja aplicável o regime próprio dos casamentos católicos celebrados em Portugal, sobretudo quando sejam portugueses ambos os nubentes. Convém lembrar, a propósito, que à forma legal da declaração negocial manda o código aplicar, em princípio, a lei reguladora da substância do negócio, e que a substância do negócio matrimonial, expressa de modo especial nas relações entre os cônjuges, é regulada em primeira linha pela lei nacional comum.
Se não tiver havido processo preliminar, nada impede que as publicações corram posteriormente. O processo posterior pode revelar a existência de fundamentos que devam obstar à transcrição; porém, se o casamento vier a ser transcrito, nenhuma razão séria existe para que ele não seja havido como católico.
O traço essencial do regime próprio do casamento católico é, como todos sabem, a sua indissolubilidade. E qualquer cidadão português, seja qual for o Estado onde se case, deve saber, e normalmente não ignora, que a indissolubilidade não é apenas uma característica do casamento concordatário celebrado em Portugal, mas um dos caracteres desde há séculos reconhecido pelo direito canónico quanto ao sacramento matrimonial.
Vejamos o que, em contrapartida, se passou quanto aos casamentos católicos celebrados com dispensa do processo preliminar.
Publicada a Concordata, posto em vigor o decreto-lei que lhe deu execução no foro do direito interno, começou pouco a pouco a generalizar-se nos meios eclesiásticos a convicção de que nos casamentos in articulo mortis, na iminência de parto, ou cuja celebração imediata fosse autorizada pelo ordinário próprio por grave motivo de ordem moral, abstraindo dos impedimentos próprios do