872 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 49
para mina - creio poder dizer para nós outros - já foi aula prática, bastante para realizar, como nunca de longe, algo do que as gentes da nossa terra europeia fizeram daquela África e do que esta lhes promete para continuarem.
Não mais os problemas de Angola, quando tornem a exame da Assembleia, se me oferecerão como questões desencarnacas; porque me foi dado tocar o território onde se gearam, já entreverei mais clara a natureza deles e entenderei melhor o alcance das suas soluções. A migalha de represei tacão que me cabe ser ficou a compreender mais nitidamente quanto tem a honra de representar: ficou na verdade um pouco mais útil, por mais nacional!
Quando regressei desta viagem, a vários que me perguntaram impressões de África ofereci, em síntese, uma resposta, que não construí como floreio de ocasião ou ressaibo gratuito de impressões aliciantes, antes, desde que me ocorreu, reconheci corresponder verdadeiramente ao juízo que pudera formar das possibilidades daquelas terras e da sua capacidade de recompensarem quem se lhes dedique com açor to e decisão: «Se fosse vinte anos mais novo, iria para lá.» Pois, mais do que um amigo a quem isto disse, conhecedor de Angola melhor do que eu, mas ido ali, como eu, já com a sua vida encaminhada cá na metrópole, me asseverou ter pensado do mesmo modo após a sua estada; somente que alguns, os felizardos, não carecendo de remontar tanto no tempo para se reencontrarem com as energias dos acometimentos inovadores, afirmavam que menos dez anos de apego às suas ocupações lhes teriam bastido para se decidirem a trocá-las pelas oportunidades de que se haviam apercebido. De facto, é-se ali vivamente ,ornado pela noção da largueza dos campos abertos às actividades mais diversas, e o encontro frequente de pessoas que, em diferentes níveis e ramos de trabalho, se declaram amplamente satisfeitas e de toda a evidência gozam de desafogo de acção e de resultados, basta para sem firmar, mesmo no quadro de uma visita rápida, aquela noção depressa formada.
Por minha parte, na linha dos interesses a que mais me afeiçoei, deitei-me prender especialmente pelas perspectivas do desenvolvimento agrícola, favorecidas pela circunstância de a nossa visita se ter mormente desenrolado sobre o planalto central, onde se conjugam os factores mais convenientes à lavoura ao jeito europeu. Ido do clima mediterrânico, onde a secura se conjuga com o calor, era mesmo inevitável que me agradasse, e me deixasse tocado até de uma ponta de inveja, verificar que ali as chuvas sobre ver I no tempo quente e o seco é também o mais fresco, característica certamente atenuadora de outras agruras. Impressionaram-me enormemente as possibilidades pecuárias, apreciadas sobretudo nas imediações de Nova Lisboa, onde fui encontrar adiantamentos ainda não em uso na metrópole, como a apascentação sistematizada pelo parques mento. Afigurou-se-me haver ali, como mais para o sul, um reservatório potencial de carne susceptível de suprir tocos os deficits portugueses da Europa ou, em alternativa, ,e não paralelamente, marcar lugar no mercado internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma vez que aludi à agricultura, neste fugaz apontamento, não quero deixar de me referir ao colonato da Cela, o único que pudemos visitar com alguma detença e acerca do qual eu ia carregado de reservas, alimentadas em muita reticência que de há anos vinha sentindo. Pois quero declarar a boa impressão que colhi na passagem por lá: vi não poucas fazendas bem cuidadas, notei o bom alfaiamento que lhes foi fornecido e observei convincentes indícios - como, por exemplo, a abundância, qualidade e variedade do aprovisionamento dos estabelecimentos comerciais, demonstrativas de clientela coou poder de compra - da probabilidade de vir a justificar-se finalmente, mesmo em termos de rentabilidade, este empreendimento, que poderá ter sido muito dispendioso -não discuto nem, na verdade, averiguei- mas valorizará positivamente uma vasta área, onde ainda há abundante lugar para acabar de aproveitar a estrutura criada com novas explorações.
Não compreendia o nosso programa - e foi grande pena para mim! - a visita a qualquer das estações, agrária e pecuária, por cujas vizinhanças passámos, más os institutos veterinário e de investigação agronómica, em Nova Lisboa, proporcionaram-nos algumas horas de satisfação no exame de sérios e intensos programas de trabalho, a que instalações verdadeiramente surpreendentes, pelos meios que as apetrecham, como pela qualidade funcional dos edifícios onde se alojam, concedem o ambiente digno da qualidade dos técnicos que ali encontrámos - e dessa qualidade souberam em pouco tempo dar-nos ampla prova pela natureza dos trabalhos que nos expuseram e pela solidez de conhecimentos transparente nas suas elucidações, tão claras como altas de nível. Soubemos com gosto que numerosas dependências de assistência a agricultores e experimentação especializada completam a acção desses institutos, ou com eles colaboram, o que nos perfez a segurança de haver na esfera do seu domínio quem saberá bem aproveitar as potencialidades da província. Assim não lhes continuem a faltar os elementos humanos de desenvolvimento dessa acção estudiosa e directiva, que lá também escasseiam: mas logo no nosso grupo houve quem cobiçasse para filhos seus a oportunidade de se aperfeiçoarem ali, tão aliciante de eficácia e seriedade se nos mostrou a obra em curso.
Mas de análogas sensações de capacidade e potencialidades nos certificou noutros planos a observação de muitos aspectos diversos da vida e do crescimento de Angola. Sobre comoventes relíquias de um passado duríssimo resplandecem as realidades do presente - na formação de espíritos, na exploração deus dons naturais, na instalação das gentes -, mas a recordação dominadora que me, ficou foi a dos imensos horizontes abertos à conquista do futuro, que a devoção ao trabalho, universalmente encontrada e decerto filha da mesma certeza, a cada momento descobre e amplia. As próprias cidades e vilas, de belas ruas tão floridas, esplendidamente iluminadas e pavimentadas, entre as soberbas moles dos colégios, dos .serviços públicos, das empresas, e as airosas residências onde logo apetece ficar, na serenidade laboriosa dos centros provincianos ou na movimentação já intensa das capitais, apresentam-se-nos vastas de espaços a preencher por novos edifícios e seus moradores, atirando-nos por seu modo à cara de europeus comprimidos na densidade de velhas terras a confrontação de larguezas atractivas e refrescantes.
Nem por isto, todavia, nos apareceram diluídos os sentimentos de comunicabilidade e cordialidade que hão-de ter ido apegados às mesmas almas, entretecidos na própria maneira de ser daqueles nossos patrícios, porque são intrínsecos à feição lusitana, no chão de África sublimada pelo laço comum do amor da Pátria, que será amparo nas provações e luz perene no apartamento. Em muitos lugares, quando a nossa passagem era conhecida, encontrámos desvanecedoras recepções e apurada hospitalidade, carinhosas e quentes, decerto porque, como recordações da distante terra natal, seríamos para os idos da Europa uma refiguração dela, e para todos, enraizados em Angola