19 DE JANEIRO DE 2967 1039
direitos inatos da pessoa humana, contara o progresso e divulgação da própria cultura, contra o convívio pacífico dos cidadãos e contra o pluralismo que vigora em muitíssimas sociedades de hoje.
Sr. Presidente, Srs Deputados. Além da Família e da Escola, intervêm também na obra educativa o Estado e a Igreja, porém em âmbito mais dilatado e num plano mais elevado, operando cada um na sua esfera própria.
O ilustre Deputado avisante e os ilustres oradores que me precederam no uso da palavra neste debate abordaram já os aspectos mais relevantes deste capítulo do aviso prévio sobre a educação da juventude. Escuso-me, por isso, de nele intervir, para não repetir, deslustrando, o que tão autorizadamente foi aqui dito nos últimos dias.
Permita-se-me passar agora a discutir ou apenas a expor alguns aspectos da problemática do aviso prévio no ultramar, quais sejam a importância da educação da juventude ultramarina, a característica cristã e portuguesa dessa educação e o aproveitamento dos valores culturais locais, livros ou a sua adaptação a cada província, formação da mulher, difusão do ensino mais elementar, mediante a própria família. A série de assuntos parece prometer uma fastidiosa exposição. Mas serei breve, apesar de tudo.
Meus senhores, todos nós temos plena consciência da importância e até da urgência de uma conveniente educação da nossa juventude do ultramar Crepita em nós um pressentimento quase profético de um Portugal rejuvenescido e grande naqueles territórios imensos, onde vivem três quintos de toda a nossa população, onde se ocultam enormes potencialidades de ordem económica, política e religiosa. Não foi por isso que o Conselho. Ultramarino dedicou no ano transacto oito sessões de trabalho, desde 31 de Março até 10 de Maio, aos problemas da educação no ultramar, com a intervenção de perto de 3O oradores nos debates?
Também o demonstra eloquentemente todo o interesse que o Ministério do Ultramar e os governos provinciais têm dedicado ao ensino e educação, através da revisão e adaptação da legislação que se lhes refere, da atribuição de importantes verbas, de instituições fundadas ou restauradas, desde os Estudos Gerais e liceus e escolas técnicas até às escolas primárias, através da instituição de bolsas de estudo para formação não só nas próprias províncias, mas ainda na metrópole, e outras providências oportunas que seria prolixo enumerar.
Mas quais deverão ser as características predominantes da educação a dar aos nossos jovens ultramarinos? Outras não poderão ser senão aquelas mesmas que se identificam com a nossa fé e as nossas tradições nacionais, tudo conjugado com o respeito que sempre tivemos pelos valores culturais das terras e das gentes que, através da nossa história, fomos conhecendo e acabaram por formar um povo connosco.
A educação no ultramar deve ser profundamente religiosa, sob o signo cristão, uma vez que a razão de ser da nossa presença histórica nos territórios de além-mar não foi, desde o início, outra senão a missão que a Providência nos cometeu de civilizar e cristianizar os povos desses territórios. Uma boa formação cristã nas camadas jovens do ultramar é sólida garantia de estabilidade, até política Prova-o a lealdade, cheia de fé cristã, dos nativos de Larantuca, na ilha das Flores, os quais se sentiram profundamente desolados e até traídos, quando, em 1851, se viram de repente, por assim dizer, debaixo da soberania holandesa, porque havíamos vendido a ilha por 80 000 florins. Quem lhes incutira tanta beleza moral e tão alto patriotismo? Tinham sido os missionários dominicanos portugueses que, através da cruz, haviam conseguido fazer de povos rudes tão bons cristãos e tão leais portugueses. É que, no decálogo, há um preceito divino que a educação cristã não pode ignorar. O quarto mandamento, que nos ensina a respeitar e a obedecer aos pais e a amá-los, também nos impõe as mesmas obrigações em relação à autoridade legitimamente constituída e nos fala da necessidade ou dever de amar a Pátria, como consequência natural da nossa fixação num território e do nosso enquadramento numa sociedade viva, que, por sua vez, se prende às gerações passadas, às tradições e ao património que nos legaram. E tudo isto é tão importante na sua insignificância catequética!
Não se pode, no entanto, daqui inferir que a religião seja instrumento da política.
Outro motivo para se atribuir relevo ao factor religioso na obra educativa no ultramar é a circunstância de que a maior parte dos poros autóctones ultramarinos herdou e vive ainda, em certa escala, uma estrutura social de base fortemente religiosa, embora imbuída de magia e de superstição. Não se poderia simplesmente destruir, nesses povos simples, todo um sistema religioso, reconhecido como falso, sem, por outro lado, lhes oferecei uma outra religião que melhor responda aos grandes problemas da vida, da morte, do bem, do mal, do além. Tão relevante pareceu ao Conselho Ultramarino o factor religioso que, de acordo com os princípios de liberdade religiosa proclamados no Concílio Vaticano II, foi ali proposto que até se fizessem versões do Corão em português para as comunidades islamitas dos territórios de África, embora o motivo preponderante tivesse sido a preocupação pela difusão do português nos referidos territórios.
O cunho português da formação a dar à juventude ultramarina flui tão naturalmente de tudo o que ela vê, ela ouve, ela sente, quando tudo se processa ao nosso jeito tradicional, espontaneamente, fraternalmente, sem exibicionismos, sem cálculos! Não é assim que as coisas se processam numa família?
Para quê recorrer a complexidades que nada mais logram do que impressionar o jovem por breves instantes, para logo se lhe cavar à volta uma solidão humana que ele não compreende?!
A característica nacional da educação sugere-me uma observação que reputo pertinente. É que na educação cívica e patriótica, sob a designação de «Portugalidade», não falta quem vá descobrir uma espécie de obsessão que muito se afasta daquela verdadeira formação patriótica, cheia de equilíbrio, de majestosa serenidade de alma que aguarda impávida os acontecimentos. Pelo contrário, se presta a induzir a mocidade numa quase estatolatria, em que Deus está abaixo de Portugal. Vou citar apenas um exemplo há dois anos, aproximadamente, foi pela Direcção dos Serviços de Instrução em Timor distribuído aos monitores de postos escolares daquela província o seguinte decálogo, intitulado Decálogo do Bom Monitor.
Para bem honrares a missão que o Estado te confiou tens de sentir dentro de ti próprio a fé, a vontade e o entusiasmo para realizares, na tua escola e na terra onde vives, estes princípios que de ti farão um verdadeiro homem 1.º O bom monitor ama Portugal, que é a sua pátria imortal, 2.º O bom monitor sabe obedecer, para a Pátria enaltecer, 3.º O bom monitor faz da escola, com ardor, um templo de alegria, trabalho e amor, 4.º O bom monitor põe em Deus a esperança ao educar a criança, 5.º O bom monitor só disciplina quando com amor ensina, 6.º O bom monitor considera a sua função muito para além da profissão, 7.º O bom monitor estuda para