20 DE JANEIRO DE 1967 1061
tal, dele lhe ficando armazenadas no seu íntimo com todos os seus contemos as mais leves impressões e, sobretudo aquelas em que houve falta de amor e ternura, de que as suas almas em embrião se mostram particularmente ávidas.
A criança é um ser que necessita de ternura e carinho, mas é também um permanente ninho de amor. Gosta de receber, mas também necessita de dar. Por isso, se uma inteligente orientação do espírito favorece o seu desenvolvimento mental, a ternura facilita o desenvolvimento da alma. A criança que não recebe carinhos nem os dá sofre indiscutivelmente um recalcamento e empobrecimento doloroso do seu íntimo que há-de fatalmente reflectir-se na eclosão do seu carácter.
A criança necessita de ser amada, mas com um amor benevolente, não com um amor sufocante ou por simples amor por dever. Na época em que vivemos, nesta era tecnicista em que o egoísmo é pedra de toque de toda a vida social, onde pára o amor? Será ousado dizer que até naquelas pessoas que se dizem cristãs, sequazes de uma doutrina que tem no amor o seu fundamento, o conceito do amor anda confundido com o do prazer?
O amor só será verdadeiramente amor quando corresponda a uma dádiva total.
Será o panorama que atrás deixámos levemente esboçado uma amostra de amor?
Como lógica consequência do estado em que vive hoje a maioria das nossas crianças, criadas e educadas sem amor e privadas do mínimo de condições necessárias ao seu natural desenvolvimento físico e intelectual, o que vemos nós? Crianças tristes, apáticas, aborrecidas e implicativas sempre à procura de coisas novas pelas quais, logo a seguir, perdem todo o interesse. Crianças excessivamente irrequietas, barulhentas, excitadas e agressivas, gastando as suas energias em correrias, gritos e conflitos comprazendo-se em agredir os objectos, as coisas, os animais e as outras crianças, quando não os próprios adultos,
Crianças viciadas, fechadas, incapazes de se abrirem em múltiplos aspectos de tal trama que, no ano lectivo passado, de 40 crianças que iniciaram a 1.ª classe da instrução primária, em determinado estabelecimento de ensino, 18 tiveram de passar ao ensino individual,
Crianças descrentes nos adultos e por isso, incapazes de aceitarem os seus conselhos e exemplos, crianças que trazem em si já morta a curiosidade, que é timbre da infância, e mortas também para o estudo, e assim chegam à juventude também mortas para o trabalho, de tal modo que só lhes interessa passar de classe ou no exame, considerando o seu melhor triunfo passar sem saber.
Como lógica consequência destas situações, o que vemos nós normalmente na terceira infância, na juventude e na idade adulta?
Jovens e adultos que trazem dentro de si a distracção e o barulho indiferentes ao que devem a si próprios e à sociedade, incapazes de um trabalho profundo, sempre apressados e carregados de preocupações e problemas inúteis ou prejudiciais, em estado de constante tensão interior,
Jovens e adultos inibidos hermèticamente fechados para os outros, dominados apenas pelo espírito de concorrência e por mútua desconfiança.
Jovens e adultos distantes de Deus.
As causas determinantes deste estado de coisas residem principalmente
Nas actuais condições de vida em que o egoísmo, a pressa, a ânsia de subir, seja por que forma for, são o sentido e o querer da maioria,
Nas dificuldades da mesma vida a que estão sujeitas ainda as classes sociais menos favorecidas,
Na falta de jardins-escolas modelos,
Na escassez de educadoras de infância devidamente preparadas para o exercício desta sublime missão,
Na ignorância, indiferença e desinteresse de muitos pais, que, não estando preparados para julgarem o trabalho que naqueles jardins modelos se realiza, facilmente se satisfazem com as instituições destinadas à segunda infância, e que na sua maioria como já dissemos, funcionam como meros depósitos de crianças.
Na falta de conhecimentos dos próprios directores dos colégios, a quem muitas vezes só os move o desejo imoderado de satisfazer os pais das crianças, sem a mínima preocupação de os mentalizar,
Na dispersão de subsídios e fundos de assistência, particulares ou oficiais tantas vezes despendidos ingloriamente numa assistência meramente paliativa e que poderiam ser canalizados para obras de maior projecção como os jardins infantis.
É do conhecimento geral que não possuímos hoje o ensino infantil oficial. Não vamos analisar as causas que determinaram o encerramento das poucas escolas infantis que noutro tempo existiram e que certamente se revelaram inúteis ou até prejudiciais. Somos dos que crêem que a instrução deve iniciar-se, tal como está legalmente estabelecido só aos 7 anos ou em casos muito especiais, aos 7 incompletos. O mesmo não podemos dizer da educação infantil, que deve como já dissemos iniciar-se o mais cedo possível, e por isso se tornam absolutamente indispensáveis os jardins infantis, que como também todos sabemos, são entre nós de carência confrangedora. Os poucos que existem devem-se à benemérita Associação dos Jardins-Escolas de João de Deus, sob a égide do egrégio lírico autor da Cartilha Maternal, às escolas de educadoras, ao zelo de alguns párocos e de alguns centros sociais e à feliz iniciativa de alguns generosos empresários.
Pelo que respeita a educadoras de infância, também, como é obvio, não possuímos ainda hoje escolas oficiais que lhes dêem a necessária preparação.
Segundo apurámos, existem, graças à iniciativa particular ao todo, na metrópole pois ignoramos o que se passa nas nossas províncias ultramarinas cinco escolas de educadoras, três na capital, uma em Coimbra e uma no Porto - a Escola de Educadoras de Paula Frassinetti, sob a sábia e zelosa orientação das irmãs Doroteias.
Sem desprimor para outras, e porque temos acompanhado de perto a sua actuação, podemos afirmar que este estabelecimento de ensino é uma instituição que merece o respeito, a admiração e a gratidão de todos os nortenhos, pois, apesar da sua curta existência, o trabalho ali realizado na formação das jovens educadoras é deveras notável, como notáveis são também os preciosos frutos que se vão já verificando da inteligente e carinhosa dedicação destas mesmas jovens nos locais por onde vão passando, quer durante o estágio, quer no exercício da sua espinhosa mas nobilitante missão.
O Ministério da Educação Nacional, crente da necessidade e utilidade destas profissionais, não tem posto dúvidas em oficializar-lhes os diplomas mas estamos em crer que não tardará o dia em que o ensino terá de ser também oficializado e alargado o número de escolas para satisfazer as necessidades que hão-de vir a sentir-se com a criação, que reputamos urgente, de novos jardins-escolas e a sua instalação junto dos colégios de escolas, hospitais, centros sociais e paroquiais e grandes empresas