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20 DE JANEIRO DE 1967 1063

família. A amizade, a solidariedade, o respeito mútuo, as atenções recíprocas manifestadas nos actos mais simples da vida, desde as tradicionais saudações nos encontros quotidianos e a toda a hora (Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo - Venha com Deus), que tantas vezes pronunciámos ou a que respondíamos e que constituíram cadeias admiráveis para uma convivência fraterna, foram-se destroçando pressurosamente e o espírito comunitário deu lugar ao isolamento e ao egoísmo, que são já também traço característico do ambiente rural. As crianças das escolas não podiam ficar imunes à enfermidade que se foi gerando. São, por isso, menos educadas do que eram no nosso tempo de criança e de jovem, e infelizmente os vícios vão-se acumulando de forma assustadora. Estas crianças mostram-se, como as da segunda infância, fortemente inibidas, mas com uma inibição consciente. São por via de regra mais fechadas, preguiçosas, grosseiras, atrevidas, desconfiadas, rebeldes, egoístas e velhacas. Começam já a usar como arma defensiva a mentira e a dissimulação, que hão-de constituir um dos vícios mais perniciosos e constantes da juventude.
O que mais fere à primeira vista é a sua ausência de limpeza e de asseio, o quase horror à higiene, a descompostura, a falta de cortesia, a incivilidade manifestada nos mais simples gestos e atitudes, nas brincadeiras de mau gosto, nos atropelos e destemperos de linguagem, nas brigas violentas com que, com desmedida frequência, terminam os seus folguedos. Para tudo isto se nota uma indiferença geral, quando não uma palavra de desculpa - coisas próprias da idade -, a começar quase sempre pelos pais. Para ilustrar este descritivo, que fica muito longe da realidade, citaremos dois factos que há poucos dias nos foram relatados: um senhor de toda a respeitabilidade, homem de fino.trato e de rara delicadeza de maneiras, impressionado pela conduta das crianças da escola, de classes, aliás, já avançadas,, com as quais diariamente se cruzava e que, conhecendo-o perfeitamente, não esboçavam sequer à, sua passagem um gesto de cumprimento, resolveu tomar a iniciativa de as saudar com os bons-dias.
Tanto bastou para que aquele a quem mais directamente se dirigiu o fitasse com olhar espantado e desconfiado e dasatasse a fugir, no que foi seguido pelos restantes, como se aquela saudação constituísse uma afronta ou ameaça.
Uma professora de reconhecidos méritos, directora de uma escola, foi procurada pelas restantes colegas em serviço no mesmo edifício que se queixavam que as alunas dela, que as conheciam perfeitamente, as não cumprimentavam nos seus encontros fora da escola. Chamadas à ordem e aconselhadas a serem corteses e delicadas para aquelas professoras, como, aliás, para toda a gente, resolveram pura e simplesmente limitar os cumprimentos à sua professora à entrada e saída da aula, mas fugiram daí em diante de a cumprimentar na rua, como costumavam, escondendo-se de qualquer forma à sua passagem.
O travão da escola não tem tido, e terá cada vez menos, se o não afinarmos melhor, aquele efeito que seria para desejar, para diminuir os malefícios que o descuido da familia, quando não o seu mau exemplo, e a exposição ao ambiente social, de que facilmente se impregnam, hão-de fatalmente produzir na sua formação.
Recordamos com imensa saudade os tempos já distantes da nossa meninice e a figura, gentil do nosso professor primário, jovem idealista, saído há pouco da Escola Normal, designação que tinha então a Escola do Magistério Primário, e que, imbuído das ideias demo-liberais da época, trazia consigo um programa de renovação de doutrinas e métodos a que devotadamente se consagrava. Era sua preocupação trazer o ateísmo ao ensino, contrapondo à Igreja a sua escola, instalada no edifício da antiga residência paroquial, em estado de decadente ruína, cujo tecto esburacado resvestíamos de papel de seda por altura das festas escolares, aliás frequentes, das quais a mais solene era, sem dúvida, a da árvore, a cujo culto procurava discretamente enfeudar as nossas almas moças, embora nesse tempo não lhe compreendêssemos a intenção, de que só mais tarde nos viríamos a aperceber, e com o qual pretendia substituir o culto de Deus.
Mau grado a sua descrença religiosa, de que felizmente veio a recompor-se, era o nosso professor um homem honesto e digno, que procurava educar-nos clvicamente, proporcionando-nos ampla abertura para a vida social do nosso meio, tornando-se um camarada e um amigo, não só nos tempos lectivos, mas nas horas de recreio, compartilhando dos nossos brinquedos, em parcerando, com vista a um equilibrado desenvolvimento físico, nos nossos jogos, dos quais o eixo Hoje, apesar de os programas do ensino primário, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 42 994, serem necessariamente mais perfeitos e completos e visarem uma acção formativa mais necessária do que a informativa, a escola não pode desempenhar a sua missão preventiva e repressiva contra os vícios já apontados da educação infantil. Falta-lhe o apoio da educação familiar. A Igreja luta também com aquela mesma falta, e é ponto assente que só os esforços conjugados da Família, da Escola e da Igreja podem produzir obra útil e fecunda.
O Estado e a Igreja desde há muito se vinham apercebendo da necessidade de promover uma melhor educação moral das nossas crianças e jovens, e assim, em 7 de Maio de 1940, ao celebrar-se a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, ficou estabelecido que o ensino ministrado pelo Estado nas escolas públicas seria orientado pelos princípios da moral cristã, e que consequentemente ministrar-se-ia o ensino da religião e moral católicas nas escolas públicas elementares, complementares e médias aos alunos cujos pais ou quem suas vezes fizesse não tivessem feito pedido de isenção. Mais ficou acordado que para o ensino da religião católica o texto deveria ser aprovado pela autoridade eclesiástica e os professores nomeados pelo Estado de acordo com ela,