3366 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
Nessas declarações, que conheci pelos jornais, refere-se que o pessoal da Inspecção-Geral das Actividades Económicas iria exercer uma vigilância rigorosa sobre todas as actividades económicas, com objectivos diversos, entre os quais o de «reprimir, inexoràvelmente, todas e quaisquer elevações de preços descabidas ou processadas de má fé».
Acentua-se mais adiante ainda que «certo número de brigadas iria prestar especial atenção à formação de preços de artigos ou produtos não tabelados, de forma a não permitir percentagens que excedam os limites razoáveis».
Noutro passo das declarações, transcritas por um jornal, li ainda que, «no tocante ao comércio retalhista, se obrigará a cumprir as percentagens de lucro legal, mais a de encargos gerais, esta nos termos da lei, sempre passível de ser ilidida pelo comerciante mediante prova conveniente a submeter ao prudente arbítrio do julgador».
Ainda pela imprensa tomei conhecimento de que as brigadas iniciaram logo a sua acção fiscalizadora e repressiva e instauraram, em cerca de duas semanas, 564 processos, sendo 202 por especulação, 83 por comércio irregular, 257 por falta de afixação de preços, 1 por matança clandestina, 14 por existência para venda de produtos impróprios para consumo e 7 por faltas de higiene, abrangendo um numerosíssimo sector de actividades, desde o pão, a batata, os ovos, o peixe e a carne, às mercearias, salsicharias, supermercados e hotéis, desde o material escolar e de escritório aos electro-domésticos e à óptica, desde as linhas e os botões aos tecidos, vestuário e calçado, etc.
Detive-me algum tempo a ponderar esta iniciativa, a forma como me pareceu estar sendo executada, a sua necessidade e oportunidade, a diversidade de sectores abrangidos, a variedade de tipos de estabelecimentos comerciais existentes em determinados sectores, a sua implicação em alguns circuitos económicos e o regime legal vigente.
Pude, entretanto, conhecer a posição do comércio e de alguns responsáveis pela orientação do sector, quer através de declarações publicas, quer por troca de impressões pessoais.
Pude, sobretudo, sentir a angústia da maioria dos comerciantes, que ficaram perplexos perante a invocação de um decreto-lei que alguns ainda ignoravam e outros já tinham esquecido.
Fiquei também preocupado com a imprecisão de algumas expressões usadas, tais como «elevações de preços descabidas» e «percentagens que excedem limites razoáveis».
Por outro lado, também sentia que era necessário fazer alguma coisa pira «sustar a corrente altista que se tem verificado ùltimamente», o que foi comunicado ao País pela palavra esclarecida e respeitada de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, na notável palestra que proferiu em 9 de Janeiro último aos microfones da rádio e da televisão.
Haverá casos em que a produção não acompanha as tendências do consumo, criando-se assim um ambiente propício a uma subida de preços, que pode ser aproveitada pelos oportunistas ansiosos de obterem lucros provenientes da anormalidade de qualquer situação, enquanto se não restabelece o equilíbrio entre a oferta e a procura.
Também todos estaremos certamente de acordo quando se procura reprimir crimes contra a saúde pública, ou a comercialização de produtos sem as características legais, ou a fraude nos pesos líquidos, ou, mesmo, a existência de intermediários ilegítimos, quando se demonstre que o sejam.
A Inspecção-Geral das Actividades Económicas pode e deve exercer, nestes casos, uma profunda e extensa acção, e terá certamente um aplauso verdadeiramente nacional.
Estes casos estuo regulamentados no Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957.
Mas este mesmo decreto-lei define o crime de especulação no seu artigo 24.º e nos seguintes termos:
Constitui crime de especulação a venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta de tabelamento, com margem de lucro líquido superior a 10 por cento nas vendas por grosso e de 15 por cento nas vendas a retalho.
E ainda:
É tido como lucro líquido para o comerciante aquele que se obtiver depois de abatidos o preço da aquisição, ou o de reposição, quando for superior àquele em mais de 10 por cento, o custo do transporte e quaisquer outros encargos proporcionalmente inerentes ao comércio dos artigos vendidos. Estes encargos serão fixados segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá para o efeito à natureza e às circunstâncias especiais do comércio do arguido, presumindo-se que não excedem, na falta de outro critério especialmente fixado pelo Governo, 7 por cento da soma do preço de aquisição ou de reposição e do custo do transporte.
Este artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 41 204, que acabo de ler, constitui o fundamento legal da actuação em curso dos fiscais da Inspecção-Geral das Actividades Económicas; e porque algumas disposições nele contidas, quando não respeitadas, implicam sanções graves, que incluem multas e penas de prisão, torna-se necessário ponderar devidamente se essas disposições se podem considerar actualizadas e se elas se poderão aplicar genèricamente a todos os sectores comerciais e aos diferentes tipos de estabelecimentos abrangidos ou se, ao contrário, tais disposições não são passíveis de uma aplicação genérica e carecem, assim, de revisão.
Não deve deixar de referir-se em primeiro lugar a circunstância de esta regulamentação legal, datada de 1957, não ter tido uma aplicação generalizada, quanto à caracterização de crimes de especulação, durante os doze anos já quase decorridos, o que certamente resultou da impossibilidade, logo verificada após a sua publicação, de conter dentro das margens previstas todas as despesas inerentes ao exercício regular do comércio na generalidade dos estabelecimentos comerciais então existentes no País.
Logo na altura, entidades responsáveis fizeram sentir ao Governo a impossibilidade de pôr em prática os princípios consignados na lei; e foi certamente a veracidade da argumentação então produzida que induziu o Governo a deixar cair esta legislação - pelo menos parte dela - no esquecimento em que se manteve até há poucas semanas.
E não darei por certo qualquer novidade a ninguém ao referir o grande aumento que se tem verificado nos últimos anos quanto aos encargos normais das empresas - aumentos de toda ordem, desde o preço das remunerações e dos arrendamentos, aos encargos sociais, financeiros, fiscais e parafiscais -, todos se reflectindo nos encargos definidos na lei, que continua a estabelecer, como há doze anos, a presunção de que estes não excedem 7 por cento da soma do preço de aquisição, ou de reposição, e do custo do transporte.
Mas pergunto:
Como podem conter-se em 7 por cento sobre a base referida os encargos de muitos armazenistas, por exemplo, que só em comissões e despesas de venda são obrigados a