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19 DE MARÇO DE 1969
O confronto que resulta desta experiência vivida e das perspectivas abertas por orientações expressas na proposta em discussão sugerem-me também alguns comentários.
Não creio que o dinamismo interno dos nossos meios rurais seja sempre suficiente para dispensar os impulsos exteriores, ou, pelo menos, um apoio atento e esclarecido, quanto à criação de novos organismos.
Penso, por outro lado, que a divisão administrativa do território revela muitos desajustamentos, mesmo em relação às freguesias, não proporcionando sempre ambiente para, nessa base, garantir um funcionamento eficaz das instituições.
Deste modo, uma maleabilidade quanto à iniciativa da constituição (mesmo para lá das simples razões da viabilidade dos esquemas de previdência e à área territorial das Casas do Povo filia-se em criterioso realismo.
Não raro assistimos a conflitos positivos ou negativos de competências e atribuições entre as instituições básicas da vida local. Os municípios, as Misericórdias, as Casas do Povo, as juntas de freguesia, etc., concorrem em alguns domínios ou, o que talvez seja mais triste, furtam-se a iniciativas ou colaborações que lhes pertencem. Resultará tudo isto, algumas vezes, da insuficiência das leis; será fruto, na maioria dos casos, da acção imponderada ou do imobilismo dos homens. Quando nos detemos nas largas perspectivas oferecidas, em nome da cooperação social, às Casas do Povo, não será despropositado recordar tais dificuldades. Tenho, de resto, para mim que a futura definição e execução de planos de desenvolvimento regional fará apelo às instituições já hoje tidas por tradicionais. As Casas do Povo não poderão furtar-se a esta integração no esforço conjunto, não devendo, por outro lado, o seu papel ser aí minimizado.
Atentemos nas modernas fórmulas de cooperação social e nos meios humanos e técnicos capazes de lhes dar expressão., A promoção cultural dos trabalhadores não pode hoje fazer-se com a leitura ingénua dos nossos autores românticos, tal como a formação social não deve esquecer que a educação tende para a liberdade, assegurando a participação consciente e activa de todos no agregado de que fazem parte.
Quanto às carências nos domínios da formação profissional e, nomeadamente, ao primitivismo em que decorrem certas actividades agrícolas, insisto na profunda revolução que se deveria operar no País com a valorização, para as tarefas da agricultura, das populações dos nossos campos. Se tal esforço não se deverá pedir exclusivamente às Casas do Povo, estas poderão constituir o cenário onde se concretize uma colaboração dos serviços dos vários Ministérios, organismos corporativos ou outras instituições chamadas a dar o seu contributo a um grande esforço de valorização do homem rural... Acentue-se que a riqueza das expressões de solidariedade local, postas actualmente em relevo através de fórmulas conhecidas por «desenvolvimento comunitário», deverá ser objecto de um aproveitamento mais intenso e eficaz. Surgirão, ainda aqui, os momentosos problemas da carência de pessoal especializado, desde técnicos de bom nível até aos indispensáveis animadores locais. As dificuldades não se resolvem desconhecendo-as ou fugindo a elas. Se não prepararmos pessoal, se continuarmos entregues ao amadorismo, ou reduzidos ao esforço solitário de uns tantos devotados, esta esperançosa via da renovação local, pela participação activa e solidária de todos, continuará a frutificar modestamente.
Creio no alto alcance de duas modalidades previstas entre as fórmulas de cooperação social: o recurso às soluções cooperativas e o pequeno crédito.
O sucesso das cooperativas esta, ao menos em parte, dependente de toda uma legislação adequada, que não se pode dizer existir no ordenamento positivo português. Não me ficará mal desejar que o Governo se debruce sobre este ponto e dote o País com os instrumentos jurídicos definidores das estruturas cooperativas e protectoras das respectivas instituições.
Quem vive as dificuldades dos homens do nosso campo sabe como uma pequena ajuda pecuniária tem para ele bem mais importância do que a conquista da Lua ou a construção da ponte sobre o Tejo. O pequeno empréstimo que surge na hora do infortúnio ou da ousada, embora modesta, iniciativa transforma todo o seu mundo.
As Casas do Povo prestigiar-se-ão na própria razão directa das facilidades desta natureza que possam prodigalizar. Penso mesmo que em ambientes desprovidos de recursos, como os rurais, estes pequenos empréstimos deveriam beneficiar todos os que, nas condições de fortuna, se equiparam aos trabalhadores agrícolas. As próprias actividades artesanais — que importa em tantos casos defender ou ressuscitar — poderiam encontrar aqui apoio.
Não creio, de resto, que seja fácil esgotar as fórmulas de cooperação social. Renovam-se com as necessidades, a evolução dos tempos, o próprio engenho dos homens.
Embora incidentalmente, volto a uma questão que se me afigura de grande importância e não será de todo descabido referir: a das remessas dos nossos emigrantes.
As estatísticas revelam que o saldo das «transferências privadas», da balança de pagamentos da metrópole com o estrangeiro, ultrapassou, em 1966, os quatro milhões e meio de contos e atingiu, em 1967, os seis milhões de' contos. Mesmo se aceitarmos que o que se tem contabilizado na rubrica de «turismo» (mais de cinco milhões de contos de -saldo em qualquer dos anos referidos) não se acha empolado com remessas de emigrantes, podemos, sem qualquer dificuldade, concluir que só em dois anos (1966 e 1967) tais remessas rondaram os onze milhões de contos. E a pergunta que nos ocorre é esta: se os trezentos mil portugueses que estão em França são, na quase totalidade, oriundos dos meios rurais, qual a percentagem das suas remessas que serão gastas nas terras de origem, onde permanecem os seus familiares?
Não deveriam as' divisas enviadas pelos nossos emigrantes, em vez de servirem de apoio a incompreensíveis políticas de importações ou a consumos sumptuários, ter utilização numa indispensável reestruturação da agricultura ou fomento da indústria?
As realidades da emigração portuguesa, como já aqui afirmei noutra oportunidade, deveriam fundamentar a definição e execução de uma política económica tendente a tirar da situação actual todo o possível proveito para construir o futuro.
Para assegurar às economias dos emigrantes um destino reprodutivo, as autoridades turcas tomaram já em 1964 medidas especiais. Foi instituído um Fundo destinado à colocação de tais economias. Os depósitos darão aos retornados direito a empréstimos, em condições favoráveis, que lhes permitirão criar pequenas indústrias ou melhorar as suas habitações. Vai-se mesmo mais longe. Criam-se sociedades de economia mista, em cujas actividades se absorverão os retornados, e instituem-se cooperativas agrícolas, apoiadas igualmente pelo Estado, que, promovendo o desenvolvimento do sector primário, contrariarão novos êxodos.
Será heresia perguntar se, definida uma política de atracção e orientação, entre nós, das remessas dos emigrantes, as Casas do Povo não poderiam também colaborar