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19 DE MARÇO DE 1969
aguentem. O mito universal do progresso funda-se em muito na enorme ilusão de que é possível obter alguma coisa a troco de nada, e quando se fala em pagar o preço todos se furtam, esquecidos de que ele acaba por deparar-se-lhes acrescido, sob alguma forma inesperada onde nem se descortina a origem.
Também a previdência social tem seu preço, um preço que parece sumir-se detrás dos benefícios mas acaba sempre por reaparecer, feito na volta sob os múltiplos disfarces em que os mecanismos económicos diluem os custos; reaparece, talvez um pouco melhor repartido — e aqui o objectivo —, mas sempre inteiro.
Tem a previdência o seu preço, e pesado; para ajudar a levar a carga parece legítimo e próprio que também os beneficiários tomem para si um pouco dela, participando no seguro de si mesmos. Uma parte para o trabalhador, três para o patrão, é o regime geral da previdência, aplicado no comércio e na indústria; no caso rural não ó de propor tanto, que nem se entende serem só o trabalhador e o seu patrão a custeá-la, mas não estará certo, numa revisão que marca novos rumos e se abre às mais amplas perspectivas, continuarem as quotizações dos sócios efectivos das Casas do Povo contidas nos míseros limites actuais.
Estas quotizações foram fixadas entre o mínimo de 1$50 e o máximo de 3$, mensalmente, pelo legislador de há trinta anos, quando as Casas do Povo não eram ainda vistas como instrumentos de previdência; e só em 1967 o limite legal foi elevado para 5$, depois de três décadas de estiolamento à míngua de rendimentos.
Ninguém que conheça a vida de um só que seja destes organismos deixa de atribuir à mesquinhez em que as quotizações foram mantidas primacial influência na modéstia da acção desenvolvida.
E para mim foi sempre intrigante que se restringisse tão baixo a contribuição do trabalhador rural para o seu próprio seguro, quando se lhe impunha, de cada vez que ia ganhar algumas semanas num armazém ou numa fábrica, pagar dez vezes mais para o seguro dos outros, pois como temporário escassamente vinha a aproveitar daquilo para que descontava.
O parecer da Camara Corporativa, sempre o nosso único guia para perscrutarmos números, e que aliás também considera «extremamente reduzido» o presente nível delas, faz contas sobre quotizações elevadas para níveis mensais de 12$ ou 16$, insinuando por aqui um critério da actualização.
Entendo que deverá haver o máximo cuidado também nesta matéria, para não ficar a meio caminho do que as realidades justificam. A nova previdência desservir-se-á a si mesma, desservirá pois os que quer servir, se não aproveitar a oportunidade para uma consciencialização geral do seu valor, que inclui a do seu custo; se desprezar o importante contributo da razoável participação dos beneficiários; se se limitar a dar à timidez antiga apenas nova aparência.
E convém ser realista neste como nos demais pontos conexos; importará consignar critérios de actualização evolutiva, para não cair de novo na cristalização da inércia, tanto mais custosa de vencer quanto mais as circunstâncias externas se lhe forem adiantando.
Uma coisa é de ter como certa: qualquer elevação substancial de quotas afugentará sócios efectivos das Casas do Povo, embora para voltarem quando meçam as vantagens; sendo assim, a fazer alguma revisão., ao menos faça-se que valha a pena.
Além e acima da previdência gerida pelas Casas do Povo. entrará nos campos, oficialmente, pela obra desta lei, a forma mais evoluída o mais prestante — também mais cara — do regime geral das caixas de previdência e de abono de família e da Caixa Nacional de Pensões, o regime dos trabalhadores do comércio e da indústria. Alguns supõem-no muito invejado dos camponeses, e como tal, e por si só, capaz de os aquietar nos desejos de mudança de situação: atenuará certamente uma diferença, mas não a única que clama por correcção.
Entra com pés de lã, mas para ficar. E espalhar-se. Eu aceito-o e aprovo-o, embora bastante lhe tema o custo, porque creio que a meta a procurar é a igualização de todos os trabalhadores em vantagens sociais, como nas outras. E uma questão de justiça, e será também o modo de evitar as inúmeras complicações de regimes que se sobrepõem ou confundem.
Mas trará consigo não poucos problemas, obstáculos à melhor aceitação e, por aqui, aos mais satisfatórios resultados.
Em primeiro lugar, acontecerá que alguns trabalhadores, como os seus patrões, ficarão presos tanto às Casas do Povo, pela obrigatoriedade ou conveniência de associação, como a este regime de previdência; presos, entre outros laços, pelos deveres de quotização ou contribuição.
E se os trabalhadores podem, pràticamente, embora não devam por atenção aos outros fins delas, esquivar-se de sócios efectivos das Casas do Povo, os patrões, esses, não podem furtar-se' por igual, que para eles as cominações são mais imperativas.
Verificar-se-ão -assim condições de dupla contribuição, que deve ser evitada. A Câmara Corporativa bem o aponta, recomendando a questão ao cuidado dos regulamentadores. Eu insistirei em que a sua importância pode ser tal que não deverá a lei dispensar-se de determinar de modo expresso, com toda a sua força, providências que evitem duplicações desta natureza.
Do facto de a inserção dos trabalhadores num ou noutro regime de previdência depender do patrão que tornem e do seu contrato com ele — o regime geral será sómente para certos tipos ou dimensões de empresa, e dentro destas sómente para os trabalhadores permanentes, como ressalta da proposta — surgirão não poucos problemas.
Duas ordens deles se podem ab initio figurar.
Uma virá da possibilidade de os próprios trabalhadores se não interessarem pelo regime geral. Cabe considerar que os benefícios mais apreciados, porque de mais imediata percepção, são em regra os da assistência médica e medicamentosa e o do abono de família. Outros são a haver no futuro, em que nem toda a gente se demora a pensar; estes estão certos, são os pássaros na mão. Ora os dois regimes de previdência, o geral e o das Casas do Povo, assegurá-los-ão quase equivalentes, e o segundo com menor contribuição do beneficiário, se podemos julgar pelo que transpira.
Não virá, pois, a acontecer que o tiro do regime geral de previdência saia de vez em quando pela culatra?
Segunda e mais complexa ordem de problemas poderão encontrar os trabalhadores que as circunstâncias forcem a mudar de patrão, e com este de regime de previdência. Não vejo na lei qual a lei que os regule. No regime geral haverá uma inscrição, uma escrita, um sistema, e direitos ganhos com o correr do tempo — o direito à reforma, em particular; no regime das Casas do Povo haverá outra inscrição, outra escrita, outro sistema, e nada a ganhar com a antiguidade. Como passar de um para o outro, e voltar do segundo ao primeiro, se tais forem as contingências?
Numa terceira circunstância pode o próprio beneficiário encontrar contraproducente a vantagem que com as me-