O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3566
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 195
Se as potências do mundo dessacralizado e puramente terreno erguem a bandeira do ateísmo materialista e autónomo contra a mensagem de eternidade do cristianismo, proclamando a terra como único e efémero teatro do impotente destino dos homens, às nações crentes cabe a afirmação oposta, da absoluta transcendência de Deus e a plena dependência do destino histórico e temporal das pátrias como matrizes do eterno reino dos céus.
Vozes:—Muito bem!
O Orador: — Com estas palavras quero chamar a atenção desta Assembleia para a grave responsabilidade que sobre ela pesa de assumir uma atitude coerente com a geratriz espiritual da nossa história.
Em 1951, pela primeira vez, e mais tarde em 1959, foi proposta a esta Assembleia a inclusão do Santo Nome de Deus no proémio da Constituição Portuguesa.
Em face do alto sentido desse compromisso espiritual não satisfeito, e na possibilidade de uma próxima revisão da Constituição, sinto o premente dever, perante a minha própria consciência e a alma profundamente crente de um povo sempre guiado pela Fé, de fazer ecoar mais um vigoroso apelo para que tão definitivo e transcendente motivo de empenhamento histórico seja de novo considerado e aceite.
Vozes:—Muito bem!
O Orador: — Não somos um povo qualquer, sem história e sem missão. Todos estamos vinculados a uma história com as suas implicações e exigências singulares.
Por trás de nós ergue-se uma imensa e gloriosa epopeia espiritual a que devemos fidelidade sem rotura, pois toda a nossa história ó um fundo sulco rasgado no mundo das realidades espirituais, como trajectória de um astro arrastado na órbita de Deus. E a resposta humana desta dialéctica existencial das relações humano-divinas não ó indiferente para o encadeamento da história.
Vozes:— Muito bem!
O Orador: — Na batalha com os Amalacitas, quando Moisés erguia os braços para Deus a vitória pendia para os soldados de Israel, e quando, por momentos, seus braços cansados repousavam a vitória deslocava-se para as forças inimigas (Êxodo, XVII).
Esta narração bíblica significa, objectivamente, o poder misterioso, mas autêntico, da resposta de Deus à invocação humana.
E na já longa caminhada. histórica que se dilatou por terras ignotas e temerosos oceanos, o Nome de Deus sempre pairou, sobre os santos, guerreiros e heróis que forjaram a Pátria, como misterioso e dinamizador pólo de atracção.
E não representará para nós esse compromisso existencial uma imperiosa obrigação de empenhamento total nos difíceis e perigosos dias que vivemos?
Na origem da criação e do universo não se encontram as forças cegas do acaso conduzindo a humanidade, através de todas as contradições, carências e conflitos, a um fim inútil e sem sentido. Essa é a visão de uma humanidade sem esperança para além dos frágeis horizontes da história temporal.
Pelo contrário, Cristo pela Encarnação veio viver o amor de Deus entre nós e dizer-nos que Deus é, essencialmente, amor e santidade e que na origem do imenso acto evolutivo se encontra uma bondade suprema, uma caridade viva, difusiva e transcendente, que nos comunica o seu próprio ser e a sua vida, para ser por nós, homens, plenamente partilhada.
Criado primeiro em natureza, o homem é chamado a realizar-se, pela liberdade, em vida espiritual e à imagem de Deus, enquanto constrói o mundo em que se situa o seu destino.
E desse movimento fecundo e criador resulta a história, num entrecruzamento de livres decisões e do destino.
A história ó o caminho rasgado pelas livres decisões do homem em resposta às resistências e desafios do universo.
E como diz Paul Ricoeur, em Histoire et Véríté, «... os próprios povos têm uma personalidade que pode também perder-se ou salvar-se». E relevamos esta afirmação como essencial, porque nos recorda que os povos também têm o seu destino, pois, como diz o Apocalipse, as próprias nações serão julgadas à luz de Deus (XXI, 24).
Tudo na criação converge para a afirmação do espírito; tudo na ordem do espírito se orienta para a consciência e para a vida moral, de que o grande foco no mundo é a Igreja, como corpo da humanidade unida a Cristo, em renovada criação espiritual, e «abrigo e matriz do novo universo», em gestação.
Assim se compreende, como diz o filósofo Le Senne, que «a razão da história não está tanto nos acontecimentos que a constituem diante da análise como no 'valor com que gera a eternidade». Por isso todo o progresso e a evolução valem na medida em que criam autênticos valores morais e espirituais, que convergem para Cristo como seu acabamento último, Ele, que ó o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ómega (Apocalipse, XXII, 13) da vida das almas e do destino dos povos e nações.
Como diz ainda o historiador H. Butterfield, em Cristianismo e História:
Os temas que interessam na história são os que conduzem à formação de pessoas humanas..., os valores mais altos que conhecemos na terra... A finalidade da história humana ó essencialmente criar e plasmar as almas, formar personalidades, ainda que tenham de passar pelo fogo... E se queremos colocar a história na sua verdadeira luz, ó preciso dizer que cada geração — na realidade, cada indivíduo — não existe senão para glorificar Deus, e que um dos mais graves perigos desta vida é subordinar a pessoa humana à produção, ao Estado, à própria civilização, a tudo, excepto à glória divina.
Toda a filosofia e teologia da história convergem para mostrar que a história vale, e deve ser julgada, não pelos seus resultados técnicos, mas pela capacidade de' criar personalidades autênticas e um universo de realidades espirituais e morais. Numa palavra, a verdadeira história é aquela pela qual Deus forma neste mundo almas eternas destinadas ao seu Reino, e os laços profundos devem ser os da adesão e do amor, ousado e criador, entre Deus e os homens.
Ora a nossa história singular, densa de sentido cristão e sempre polarizada por ideais superiores, embora pecadora num mundo inacabado e imaturo, obriga-nos a conduzir, até um acabamento lógico e perfeito, a longa gesta da sua tradição cristã.
E o perfeito acabamento e acordo implica uma total consagração e adesão, não só dos homens como das próprias nações, a Deus, fonte primeira e suprema do ser e do agir e raiz de todo o poder e de toda a autoridade na terra.