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20 DE MARÇO DE 1969
Contra esta realidade fundamental, os argumentos humanos esboroam-se à luz de uma justa análise, como o calor do sol e o ímpeto dos ventos fazem desmoronar as neves das alturas.
Perante a grandeza do sentido da invocação, que significa pensar que não devemos associar o nome de Deus com as realidades sociais e políticas deste mundo sombrio e pecador?
Recordarei que, se Deus é transcendente, é igualmente imanente à história e que, pela Encarnação, Cristo assumiu a criação inteira para iniciar o Eeino de Deus nas realidades deste mundo, na misteriosa medida em que a vontade de Deus, através da colaboração humana, se insere nas estruturas terrenas.
O grande mistério de amor, que é a paixão e morte de Cristo, repete-se ao infinito na morte dos mártires e santos . ou na aceitação heróica da morte de cada homem que também sabe morrer amando. E este oceano para onde convergem todos os fios dispersos da vida de cada um de nós é o oceano infinito de um Deus que é caridade.
Assim, os dois reinos estão profundamente enlaçados no amor e nada, a não ser a deliberada rebelião espiritual, os poderá separar licitamente.
E se Cristo disse a Pilatos: «o meu reino não é deste mundo», foi no sentido temporal e político, pois que pelas parábolas do grão de mostarda e do fermento marcou bem que o reino se inaugura e cresce, na ordem do espírito e da caridade, nas próprias estruturas terrestres.
Na realidade, tudo se ordena para a transformação progressiva do reino deste mundo no reino dos céus, para além da morte dos homens e do desaparecimento dos povos sorvidos no turbilhão do tempo.
E se a vida das pátrias e nações é transitória e vale como sementeira de almas imortais, porque excluir da própria estrutura jurídica das nações a explícita dependência de Deus, como pólo último e supremo de todos os caminhos e destinos?
Como diz S. Paulo: «Todo o poder vem de Deus».
E porque somos representantes de uma nação que sempre aceitou essa verdade, ao ser revista a sua lei fundamental julgamos perfeitamente justo e adequado que, no seu pórtico, se invoque o nome de Deus como fonte de toda a ordem e paz. E essa atitude ó exigida inteiramente pela lógica do nosso passado e até pela doutrina informadora do Estado Português.
A diversidade de crenças, relacionada com a nossa condição multirracial, também se não opõe, porque as numerosas correntes ascensionais de religiosidade humana, desde o animismo às religiões superiores, se movem para o mesmo oceano divino, seja qual for o seu modo de conhecimento e de expressão. Todos os homens que assumem uma atitude religiosa naturalmente reconhecem e aceitam os direitos de Deus sobre as pessoas e sobre as sociedades.
Também a América do Norte possui diversas raças e crenças e, entretanto, não se "deteve em promulgar o Dia Nacional da Oração. E a Inglaterra, enquanto os possuiu, não se coibiu igualmente de fazer entoar em todos os seus Domínios o conhecido hino Deus salve a Rainha, durante as cerimónias oficiais e públicas.
Ora a afirmação de fé religiosa, a ser incluída, como tantos portugueses desejariam, no preâmbulo da Constituição, é uma afirmação de largo sentido teísta, sem envolver carácter confessional, pelo que em nada pode ferir a liberdade dos milhões de crentes das outras religiões, sendo mesmo muito menos restrita do que as disposições contidas nos artigos 45.° e 43.°, § 3.°, da Constituição, em que se aceita a religião católica como a religião da Nação Portuguesa. Se considerarmos os textos referidos, temos de concluir que a invocação do nome de Deus já se encontra implicitamente contida na Constituição, e agora somente uma exigência de lógica requer a sua objectiva proclamação. A omissão tem o significado de um movimento inacabado, ou de um caminho que existe mas a nada conduz.
Como vagas ao assalto da falésia, rolaram gerações sobre gerações, lutando para criar um destino histórico de inspiração cristã.
Debruçado, um dia, sobre as vetustas muralhas de um esquecido e solitário castelo, erguido sobre vasta panorâmica — um dos muitos que jazem como cansadas e inúteis sentinelas adormecidas sobre os dorsos de majestosas serranias —, senti o marulhar distante da torrente fecunda e heróica de vidas já vividas e que se deram ao imenso esforço de construir uma nação cristã.
A sombra da cruz se moveram velas, lanças e arados, e a nós, herdeiros de uma fecunda corrente histórica, pertence a inadiável imposição de realizar o acabamento lógico de tão funda e viva tradição, sem o que a nossa história ficará truncada e espiritualmente inacabada.
Ê que nós representamos, no dramático clima de pânico e catástrofe do mundo actual, os responsáveis depositários de uma maravilhosa tradição que exige um acabamento coerente e perfeito. E o fecho de abóbada desta catedral viva, que é o destino de um povo gerado desde as origens em Cristo, somente poderá ser realizado pela invocação do nome de Deus na Constituição pela qual se regem os destinos de um povo consciente do sentido espiritual da sua missão histórica.
De relance, olhemos as cumeadas espirituais da nossa história.
Desde os aureolados e misteriosos acontecimentos de Cárquere e Ourique, no dealbar da Nação, com o seu nimbo de sonho e de ideal, toda a nossa maravilhosa história tem sido uma longa tessitura de iniciativas de inspiração cristã, de que o erguer dos padrões, por desvendados e remotos horizontes, foi o símbolo vivo e criador. E esse mergulhar de proas e arados no mundo longínquo e ignoto arrastou consigo um irrecusável compromisso e empenhamento.
Sempre a Nação Portuguesa acreditou em Deus e confessou a sua Fé como seiva dinamizadora e fecundo impulso espiritual dos seus empreendimentos.
D. Afonso Henriques acolheu-se à protecção de Roma, proclamando assim as raízes cristãs do Estado Português.
D. João IV, depois de Portugal ter recuperado a sua soberania, consagrou o reino à Virgem, que proclamou sua Padroeira para sempre.
D. João V obteve, por sua vez, de Roma, para Portugal, o título de Nação Fidelíssima, o que implica incondicional adesão às exigências da Fé.
Se consultarmos a Colecção da Legislação antiga e moderna do Reino de Portugal encontramos várias vezes, nas Ordenações régias, a invocação do Nome de Deus.
Múltiplas são as referências desde as primeiras Ordenações até à Constituição Política da Monarquia decretada pelas Cortes Gerais em 1821.
A nossa primeira Constituição Política, promulgada por D. João VI, em 1822, inicia-se não com a invocação genérica do Nome de Deus, mas sim da Santíssima Trindade.
O próprio movimento das Descobertas envolvia na origem, segundo o cronista Gomes Eanes de Azurara, uma razão que transcendia o condicionalismo económico e político da época. Segundo ele o Infante foi impelido pelo