1092 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 53
Ministro do Ultramar na sua também recente visita a Moçambique.
Aqui mesmo, na tribuno desta Casa, ainda há pouco, o Presidente do Conselho quis dar-nos, com a sua habitual elevação, concisão e precisão, uma ideia clara de algumas das questões que teremos de encarar e solucionar, sem dúvida da mais alta importância, sem dúvida da maior projecção na vida nacional, numa evidente demonstração do espírito em que devem trabalhar e actuar os órgãos superiores do Estado, em que todos devemos trabalhar e actuar: colaboração, colaboração e sempre colaboração, deixando paro as alfurjas dos bastidores o execrável recurso às violências e as intrigas que tudo podem comprometer e nada resolvem.
Os ecos dessa memorável exposição com acento tónico no projecto de revisão da lei constitucional repercutiram-se por esse Mundo fora, tendo ficado perfeitamente esclarecido, interna e externamente, que as linhas mestras do edifício institucional português se mantêm praticamente inalteráveis.
Quanto ao mais, desenvolveu-se toda uma teoria de normas tendentes a aperfeiçoar o nosso sistema constitucional por forma a ajustá-lo às exigências de uma gerência governativa cada vez mais complexa e a permitir acompanhar os anseios da comunidade nacional e as suas aspirações de progresso e de paz cívica.
A autonomia das províncias ultramarinas, já consagrada na Constituição vigente e que de alguma maneira mergulha as suas raízes em passado distante, destina-se a assegurar-lhes a marcha corrente da administração publica em crescente e explosivo desenvolvimento, impondo por isso mesmo soluções apropriadas, sem que de nenhum modo tivesse ficado afectada a unidade da Nação e a plena soberania do Estado, conforme expressamente se estabeleceu.
Como outras pessoas colectivas de direito publico, as províncias ultramarinas carecem, de possuir um aparelho político, administrativo e financeiro capaz de responder às tarefas que têm de desempenhar no concerto do Estado unitário em que se integram, Estado unitário dividido, no nosso caso, em províncias, que, pela sua situação geográfica e meio social (expressões da actual Constituição), são dotadas de organização político-administrativa adequada a essas circunstâncias, como acontece também, por exemplo, na União Sul-Africana, na Itália, na Espanha e noutros Estados.
Os poderes políticos exercidos por essas regiões autónomas são delegados ou atribuídos pela Constituição do Estado de que façam parte ou até, nos termos por esta permitidos, pelos órgãos da soberania. Não possuem, portanto, poder político próprio, característica dominante dos Estados federais, que elaboram as suas próprias constituições.
Estamos assim, segundo o definem os tratadistas, como já estávamos, perante um Estado unitário descentralizado, cobertos pela mesma bandeira, pelos mesmos órgãos da soberania e intransigentemente dispostos, como foi dito pelo Presidente do Conselho, a não desistir da nossa política de fraternidade racial, a não renunciar ao intento de prosseguir na formação de sociedades multirraciais a manter um estatuto único para os portugueses de qualquer raça ou credo, princípios que traduzem a nossa maneira de estar no Mundo e moldam as nossas instituições político-administrativas.
Eis um aspecto concreto que ajudará também a dar entendimento correcto á «renovação na continuidade»: renova-se o que não resiste à inelutável erosão do tempo, o que não corresponda às prementes necessidades da evolução económica e social, e continuam-se os rumos do passado, próximo ou longínquo, chegados até nós e dirigidos ao futuro, naquelas zonas de pensamento e da acção marcadas pelos traços mais profundos da história portuguesa.
Ora, dentro destes propósitos, poderemos encarar confiadamente o porvir.
Pena é que, para além das tarefas de fundo em que o Governo está empenhado, em que o País está empenhado, haja ainda de se perder precioso tempo na luta contra a mentira e contra o boato, contra a subversão e a desordem, contra as meias verdades e as sugestões mais ou menos tendenciosas, provocadas pelo afã de deteriorar as energias de um povo que afinal luta no campo das ideias, como no campo de batalha, pelos valores mais caros à Humanidade.
E triste, mas é um facto.
Estou a lembrar-me da recente boataria sobre a desvalorização do escudo, da tendenciosa e malévola campanha levantada acerca da grande obra de Cabora Bassa, do que há pouco se passou na XXV Assembleia Geral das Nações Unidas, que um grande diário da República Federal da Alemanha comentou em termos alarmantes para a paz ao considerar a O. N. U. parcial e transformada pela sua numerosa maioria de Estados afro-asiáticos e comunistas num instrumento da 3.ª Guerra Mundial. E quanto às decisões tomadas sobre o «colonialismo», o mesmo diário chega à conclusão a que nós já chegáramos há muito e para a qual vínhamos reclamando as atenções gerais: o direito de os movimentos de libertação se servirem de todos os meios para o combater, clara e abertamente violador da letra e do espírito da Carta daquela Organização, só funciona contra o branco e ocidental, numa evidente e manifesta nova modalidade de discriminação racial.
Estou a lembrar-me das injustas, absurdas e criminosas atoardas sobre as intenções da nossa permanência em África, a despeito de também recentemente um antigo ministro britânico ter declarado que nenhum país conseguirá efectuar ali obra unais profícua do que Portugal e de um considerado órgão da imprensa diária italiana ter igualmente exaltado as nossas realizações africanas.
Estou a lembrar-me de tudo quanto seria bom esquecer, se não fora a premente e imperiosa necessidade de lutar contra todas as odiosas formas de ataque às instituições e às pessoas, para que não deixemos, como dizia a nota oficiosa publicada pela Presidência do Conselho a respeito da desvalorização do escudo, «que a boa fé de uns se iluda nem que a traição de outros tripudie».
Sr. Presidente: Pelo que respeita à política, externa, desejaria antes de mais sublinhar que os seus objectivos não se limitarão apenas á tomada de posição quando estejam em jogo interesses, refugiando-se em «piláticas» atitudes sempre que surgem problemas onde pareçam não estar envolvidos, ainda que relevantes pairai o bom entendimento entre os povos.
Ficou célebre o conceito expresso por um estadista europeu, ao afirmar que a sua pátria não tinha amigos nem inimigos, mas interesses a defender.
Ora, mesmo em sentido puramente realista, um sistema de relações, na ordem individual ou colectiva, interna ou externa, não visará somente interesses materiais, mas também a persecução de finalidades que tornem a convivência humana desejável, agradável e útil, baseada na equidade, na confiança e na amizade, até porque, em última análise, os interesses stricio scnsu, são apenas meios, entre outros, de Realizar os fins do homem.
Um qualquer sistema de convivência pacifica e colaborante terá de assentar necessariamente, em negras jurídicas ao abrigo das quais se sinta a confiança no direito mais do que na força. Todos os Estados serão tributários