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10 DE DEZEMBRO DE 1970 1093

dessas regias e todos lhes deverão obediência, condições sine qua non para o estabelecimento ide unia paz duradoura. Na esfera dos princípios será assim, mas, na prática, a vida de relação sobre os povos decorre, infelizmente, como já acentuei, em termos bem diversos.
Os conflitos ou são resolvidos pelo poderio dos mais fortes ou pela lei do número e, num caso ou noutro, só por mera coincidência se observam as normas justas que lhes deveriam ser aplicadas e, quando o são, não se acatam. Temos disso dolorosa experiência.
Povo amante da paz, Portugal tem, evidentemente, o maior respeito pela Organização encarregada de velar pela solução pacífica dos conflitos internacionais.
Mas é em absoluto inaceitável que, contra a letra e espírito da Carta que a instituiu, funcione como partido político, dispondo de uma maioria, a que já não é estranha a cor da pele, sempre pronta a usar os postos que ocupa como tribuna de propaganda ideológica e, quantas vezes, de agitação social.
Ora, nós reagiremos energicamente contra a tentação de nos pretenderem utilizar como bode expiatório ou moeda de troca para saldar dívidas que não contraímos. E também nos desagrada e ofende servir de pretexto para se desviarem as atenções de problemas susceptíveis efectivamente de conduzir à guerra, ou tendentes a resolver dificuldades internas em países, alguns dos quais são santuários do terrorismo que assola os vizinhos com a sua ajuda.
Estou a recordar os acontecimentos ultimamente ocorridos na República da Guiné, de que se pretendeu imputar-nos a responsabilidade e que, provavelmente, como na fábula do cordeiro e do lobo, nos hão-de ainda atribuir, de qualquer maneira, imaginárias culpas.
Estranhos critérios estes que zelam e defendem com grande fervor a disciplina social e o modo de ser e de viver em certas latitudes e provocam abertamente a indisciplina e a revolta noutras, sem curar de saber onde está a razão e muito menos o que pensam a tal respeito as populações interessadas.
Nações poderosas ou grupos de nações pretendem impor, com efeito, os seus conceitos doutrinários, levando no lastro zonas de influência económica e política.
Viver segundo as crenças, os sentimentos, as concepções que informam a civilização, ou, se quiserem, certo tipo de civilização, todavia, a mais universal, está-se tornando contingente e difícil perante os padrões de vida que essas potências se julgam predestinadas a exportar «paternalmente» para todo o mundo na bagagem de um imperialismo ideológico intimamente ligado aos seus interesses de expansão noutros domínios.
E tudo isto se defende e se pratica em nome da paz e da felicidade dos povos. E, uma vez conseguidos os fins, o paternalismo sai pela janela e entram pela porta os pesados encargos materiais, morais e espirituais de tão estranhas e extravagantes intervenções. E então há que pagar e voltar a refazer uma pátria, quantas vezes feita em frangalhos, se para tanto restar ainda alguma coragem.
Pois bem, num mundo assim são difíceis e instáveis as relações entre os povos, pois que a própria noção e a natureza do interesse são também instáveis e variáveis como o vento.
Mais difíceis ainda para aqueles que não tendo poderio militar pouco contam na balança que não oscila ao peso de outros valores. Mas ainda mais difíceis para os que durante a sua existência lutaram desesperadamente por outros estilos de vida.
Não raro estes povos parecem ficar isolados no meio da avalancha de um feroz e desumano utilitarismo, de
doentias liberdades de erotismo alucinantes, de novidades pseudo-inteflectuais, incapazes de pactuar com o que é novo, só porque é novo, de vestir farpelas de cordeiro para esconder a pele do lobo, de despir, hábitos de moderação e de temperança, só porque não estão na moda.
Crises agudas daquilo que, esperemos em Deus, sejam passageiras metamorfoses.
Temos, entretanto, atravessado uma época tormentosa, porque nos recusamos a mudar de figurino quando não represente mais do que o deletério manto com que se esconde a realidade do corpo social da Nação, sofrendo, por isso, estòicamente as violentas contestações que desabam sobre os princípios que defendemos e cuja perenidade não discutimos.
Pareceria que nos encontrávamos isolados do exterior, não por culpa nossa, mas por circunstâncias bem alheias à nossa vontade.
Mas as aparências passam e as realidades acabam por se impor. E foi assim que Marcelo Caetano abriu de par em par as portas da velha casa lusitana à alta hierarquia da diplomacia mundial.
Abriu-lhes as portas, porque abertos estavam já os corações desde os alvores da nacionalidade para o trato amistoso com povos e nações de toda a Terra. Por Lisboa passaram chefes de governo, ministros de algumas e poderosas nações, uma vizinhas, outras irmãs pelo sangue e pela cultura, longínquas outras, mas próximas de nós pela compreensão dos problemas mundiais e daqueles que mais de perto nos tocam. E só não nos quererá visitar quem nega aos outros o que exige para si: a integridade territorial da nação e a plena independência do Estado, limitada embora pelo direito e pela moral.
Por seu lado, o Presidente do Conselho tinha-se deslocado já à América do Norte, ao Brasil e à Espanha, traduzindo ali brilhantemente as esperanças de todos os portugueses para que sejam cada vez mais profícuas as relações de amizade que nos animam.
E o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Rui Patrício, voou até à América, ao Luxemburgo, Japão e Tailândia, reavivando convívios que nestas remotas paragens iniciámos em meados do século XVI. E outros membros do Governo têm ido a vários países com a mesma mensagem de paz e amizade, mas também procurando imprimir uma orientação prática às relações bilaterais sem nunca esquecer os conceitos superiores que presidem ou devem presidir à convivência entre os Estados, pessoas e bens.
Entretanto, o Sr. Presidente da República oferecia mais uma vez, urbi et orbi, o exemplo flagrante da nossa indestrutível unidade política, passeando por entre as populações de S. Tomé e Príncipe com a mesma segurança e recebendo as mesmas manifestações de carinho e entusiasmo com que é recebido em qualquer outra província do continente ou do ultramar.
Não fora a profunda mágoa que nos deixou a atitude do Vaticano a propósito da audiência concedida aos fautores das guerrilhas da Guiné, Angola e Moçambique, poderíamos marcar só com pedras brancas este período da nossa actividade diplomática. E se é certo que nenhuma incompreensão chegou a existir entre a igreja católica e Portugal, se nos sensibilizaram as palavras do Santo Padre quando em Agosto findo recebeu a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, invocando nessa altura «o sempre querido Portugal, de nobre tradição cristã e de fidelidade à Sé Apostólica», por mais que exijamos da nossa credibilidade de nação fidelíssima, é-nos difícil deixar de sentir grande desgosto perante o estranho e inaudito facto de no Vaticano terem sido acolhidos autores de crimes comuns, traidores de lesa-