1928 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
Para os homens de boa vontade casa perspectiva não poderá deixar de se caracterizar por um acréscimo de liberdade, igualdade e solidariedade entre bodos os cidadãos. Se esse objectivo for conseguido ninguém se queixará de trabalhar um pouco zoais ou mão ter ainda atingido determinado grau de suficiência 'material. O crescimento económico representa, sem dúvida, uma ferramenta importante pára a construção desse mundo melhor; mas está longe de ser a única.
O que está em causa não é a grandeza das benesses a obter, mas o estado de espírito com que cada cidadão as recebe; o que está em causa não é tanto o esforço a desenvolver, mas a adesão que cada qual imprime à sua actividade; o que está em causa, na verdade, é a construção de cidades onde se possa Tiver sem sacrifício e a manutenção de um ambiente curai que «permita aos homens fatigados pelo trabalho reencontrar o seu equilíbrio psicológico e nervoso.
O maior problema dos povos, hoje em dia, não é tanto o de conseguirem mais riquezas quanto o de explorarem melhor as que possuem. Para que isto seja possível há que fazer ura balanço entre as potencialidades disponíveis e os objectivos a alcançar, à custa de opções e dos riscos que elas necessariamente envolvem.
É evidente que um programa a longo prazo não pode entoar no pormenor das acções que sugere; mias pode, e deve, fixar os princípios que interditam a persistência no erro. É no quadro de um planeamento maleável, imperativo para os serviços públicos, obrigatório em certo grau para as empresas apoiadas pelo Estado e indicativo para os restantes sectores, que se devem situar todas os iniciativas, para que, pela sua coordenação, se tornem mais eficazes. Com o planeamento pretende-se tomar ia decisão política mais segura através da analise cientifica de todas as informações necessárias e do estudo das diversas soluções possíveis.
Não está em causa apenas a produção, mas uma repartição que permita reservar ao progresso social - ao alojamento, à saúde e a cultura- uma parte cada vez maior dos recursos que a expansão económica não deixa constantemente de ampliar.
No fundo, planear mais não é do que reflectir sobre uma previsão; e porque essa previsão não pode deixar de ter em conta o futuro da Nação, então importa que n reflexão se transforme num acto colectivo, participado, consciente.
Ao efectivar este aviso prévio não tenho outra pretensão que não seja levar os responsáveis pêlos diversos sectores da Administração a meditarem sobre .o sentido e o rumo das acções em que se empenham e, se for possível, interessar esta Câmara numa apreciação desapaixonada das perspectivas que se nos abrem, alargando o âmbito das suas preocupações, no espaço e no tempo.
Srs. Deputados: Por que não havemos de iniciar imediatamente esse verdadeiro exame de consciência que a gravidade do momento impõe e sem o qual não poderemos entrar devidamente informados nos debates de tão alta responsabilidade que nos esperam? Por que não nos havemos de sentir legítimos- representantes deste povo bom de que nos orgulhamos, desta massa anónima de gente que trabalha nas cidades, circula nas estradas, estuda nas escolas, sofre nos hospitais, luta na guerra, se esquece nos sítios ermos mas, em qualquer circunstancia, se sente sempre solidária no mesmo destino?
E isso, é essa solidariedade que eu invoco neste momento como justificação maior para esta iniciativa. Não me sinto preocupado, como haveis de notar, com o atraso em que nos situamos em relação a outros povo»; Situações idênticas têm sido vencidas em todos os tempos e latitudes, ainda que a recuperação se torne cada vez mais difícil. Não creio que nos devamos sentir antecipadamente vencidos.
O que me preocupa, na verdade, é a apatia, o desinteresse, a alienação das responsabilidades, por parte de muitos; é a defesa intransigente de privilégios e honrarias, a permanente subordinação do interesse geral ao particular, pelo lado de alguns. E este estado de espirito, afecto a maior parte da nossa gente, que me preocupa, porque é incompatível com o arranque para um. desenvolvimento participado, um desenvolvimento preparado e querido por todos aqueles a quem se dirige. Até hoje os planos de desenvolvimento elaborados entre nós têm surgido como obra de magia; raros são os eleitos que os conhecem em pormenor, geralmente por obrigação do cargo. As populações ou as instituições que as representam não têm sido solicitadas para o efeito, talvez porque se considerasse que careciam da preparação mínima indispensável a uma intervenção útil.
Esta situação não podia subsistir e o III Plano de Fomento, ao introduzir a óptica regional, apontou na realidade um caminho com interesse, pela sensibilidade demonstrada em face dos desequilíbrios de desenvolvimento que não cessam de aumentar. A dimensão que lhe foi introduzida implicou também uma crescente preocupação com a sorte das populações, os seus problemas específicos, as suas aspirações. O Plano humanizou-se. E desta sorte tomou-se mais acessível ao homem comum.
Com a definição das regiões ganhou nova consistência a teoria das acções integradas; as intervenções sectoriais são entendidas como um meio que pode deixar de ter em conta o objectivo global traduzido por um plano de base regional.
Apercebemo-nos facilmente do significado e implicações desta nova óptica de trabalho; cada Ministério, como interferência no desenvolvimento económico, tem, necessariamente, de subordinar a sua acção aos programas definidos em conjunto, de forma a evitar estrangulamentos e a conseguir os melhores resultados. E portanto no escalão mais elevado da Administração, responsável pela elaboração do Plano e pela sua aprovação (neste aspecto a interferência da Assembleia Nacional tem tido escasso significado), que se deve verificar a adesão mais completa às orientações definidas. A esse nível não podem surgir duvides sobre a validade e a importância do seu cumprimento.
É lamentável, porém, que nem todos os responsáveis assim o entendam, continuando a olhar o Plano como um entrave ao seu livre arbítrio, e o órgão que vela pela sua execução como um intruso que interfere abusivamente nas teias da burocracia administrativa.
Rebelam-se esses responsáveis contra tudo o que implique transformação, adaptação a novas necessidades, cedência de atribuições, colaboração com outros interessados nos objectivos comuns. Tudo isto, que é o mínimo que se lhes pode pedir, assume e seus olhos a feição intolerável de um ataque à sua autoridade. Não admira, pois, que um número cada vez maior de «quartéis-generais» tenda a refugiar-se na Presidência do Conselho ...; que vários Ministros coordenem as funções de mais do que um Ministério . . .; que se multipliquem os grupos de trabalho interministeriais. E não é naturalmente por acaso que o Sr. Presidente do Conselho tem junto de si, como colaborador directo, o principal responsável por tudo o que diz respeito ao planeamento. A coordenação de esforços é a palavra de ordem e o trabalho em equipa uma obrigação de princípio.