1930 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
um fim. É sempre o homem que está em causa quando se pretende ordenar o seu campo de trabalho, racionalizando a exploração dos recursos disponíveis e procurando projectar no futuro as premissas das acções a desenvolver. Neste ponto não há dúvida de que o conhecimento é escasso (os recenseamentos da população são decenais) e incapaz de acompanhar a extrema mobilidade das situações. Haverá, pois, que tornar mais adequada a recolha de um certo número de elementos estatísticos de forma a dar-se conta a tempo dos movimentos significativos de população no interior do território e especialmente dos que são orientados1 para o exterior.
A este respeito, penso que seria do maior interesse racionalizar o recurso a informática e às telecomunicações. No sector público são já várias as entidades que recorrem a computadores. E uma iniciativa que merece aplauso. Mas, se quisermos tirar das máquinas o máximo rendimento, teremos, enquanto é tempo, de evitar a multiplicação indiscriminada das pequenas unidades. Para os serviços que consideram o computador um elemento de prestígio e avanço técnico sem curarem de saber como poderão tirar dele todo o rendimento possível, eu direi que se trata de brinquedos muito caros. E porque são caros, não se podem dispersar; e porque são de utilização complexa, não se dispõe de operadores em número suficiente.
Quando na Europa se pensa instalar um único, mas gigantesco, cérebro electrónico, a que todos os países recorreriam para tratamento das informações preparadas pêlos seus. centros de cálculo, não parece despropositado sugerir que no nosso país se imagine uma estreita colaboração nesta matéria. Ainda que não pareça, este assunto está directamente ligado com o ordenamento do território. Na realidade, através de uma instalação devidamente dimensionada e ao serviço do órgão nacional de estatística, seria possível manter permanentemente actualizado o quadro da distribuição da população em todo o País.
Tudo o que se relaciona com escolaridade, mão-de-obra, assistência social, recrutamento militar, recenseamento eleitoral, emigração, depende do conhecimento preciso da mobilidade populacional. Enquanto esse conhecimento não for obtido, estaremos planeando no ar e construindo na areia.
Talvez que os resultados a obter a partir do último recenseamento, não obstante todas as limitações que se lhe conhecem, possam constituir o ponto de partida para urna frutuosa reflexão sobre este assunto. Em face da intensidade dos movimentos migratórios, é indispensável rever assiduamente todos os programas de investimentos públicos, para que se não corra o risco de construir estradas para povoações desertos, escolas para alunos que não existem, hospitais para doentes que já morreram. Estas situações, para além da caricatura que representam, surgem frequentemente no dia a dia, com inconvenientes de toda a ordem.
Atribuo ao potencial humano, como já acentuei, uma importância extrema. O arranjo das localizações e actividades que o ordenamento do território pressupõe não tem sentido se não tiver em conta as necessidades das populações. Porque as esquecemos durante muito tempo, sofremos agora a amarga sensação de abandono que nos deixa a emigração verificada no último decénio. Calculo as perdas sofridas neste período em cerca de l milhão de pessoas, correspondendo a 12 por cento da população presente em 1960. Mas, para além dessa diminuição, verificaram-se ainda intensos movimentos no interior do Pais. A atracção dos principais centros permanece como um dado importante da evolução demográfica.
Como ignorar estas tendências quando se pretende arrumar a casa e movimentar os meios necessários à fixação de uma nova sociedade rural, indispensável ao equilíbrio de qualquer esquema de desenvolvimento?
Ninguém duvida que só através da promoção das áreas deprimidas do interior será possível travar o movimento desencadeado. Mas, na verdade, no círculo vicioso em que se vive, custa a investir onde os capitais não rendem. Não é também pulverizando por todo o território pequenos benefícios sem. significado que o objectivo será atingido. Mais do que nunca temos de definir prioridade, fazer opções e aceitar sacrifícios.
Partindo do princípio, já suficientemente comprovado, de que o desenvolvimento é introduzido a partir dos centros urbanos, a que se podem ou não ajustar núcleos industriais ou áreas de agricultura intensiva, parece que é sobre eles que se deve primeiro fixar a atenção, procurando definir vocações e detectar potencialidades. E através da hierarquização da rede urbana que se torna possível ter uma visão global do ordenamento do território, uma vez que ela condiciona, em larga medida, o traçado das vias de comunicação, a implantação de unidades industriais, a localização dos centros de decisão e dos mercados, etc.
Uma vez que a nossa taxa de urbanização é ainda francamente baixa (da ordem dos 20 a 25 por cento), é de prever um crescente dinamismo na afluência das populações às cidades, o que não deixará de facilitar a indispensável concentração dos investimentos públicos. As áreas rurais disporão de centros de vária ordem a funcionar como pontos de apoio ao povoamento disperso, cada vez mais difícil de manter e justificar. E por isso que vejo com preocupação aparecer, um pouco por todo o lado, um neopovoamento disperso, resultante da aplicação de capitais por parte de emigrantes.
Dessa disciplina não poderão resultar senão dificuldades para o esforço a desenvolver na melhoria das condições dos meios rurais.
Por outro lado, o crescimento das cidades tem primado também pela anarquia, permitindo toda a sorte de especulações e injustiças. Não será necessário referir casos particulares, porque eles estão na mente de todos.
Numa tentativa para obviar aos numerosos inconvenientes resultantes das urbanizações desordenadas, com a construção de bairros em locais técnica e socialmente inapropriados, o Governo promulgou recentemente o Decreto-Lei n.° 576/70, que define a política dos solos com .vista à limitação do custo dos terrenos para construção. Será cedo ainda para apreciar a validade deste documento, mas o certo é que ele aborda apenas uma parte do magno problema da afectação dos solos para construção.
Encarando a problemática do ordenamento de uma forma muito mais global, o Governo desencadeou recentemente o estudo do assunto, abordando-o a partir das suas três facetas mais significativas: urbana, industrial e rural. Em qualquer caso deverão ser cumpridas as orientações formuladas no actual Plano de Fomento e que são as seguintes:
1) Equilíbrio da rede urbana, de forma a dotar toda a população, a distância razoável, de um mínimo de equipamento sócio-económico;
2) Expansão descentralizada da indústria e dos serviços, através da definição de pólos de crescimento;
3) Progressiva especialização da agricultura regional, tendo em conta uma melhor adaptação ecológica e a concentração dos investimentos.