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2180 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

O Orador: - Então porque é que V. Ex.ª diz que sofreu mais do que eu?

O Sr. Barreto de Lara: - Eu estou a dizer que sofri.

O Orador: - E eu também.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas eu sofro há quatro gerações, como dizia ontem.

O Orador: - V. Ex.ª sofre há quatro gerações? Quer dizer, sofreu por antecipação.

O Sr. Barreto de Lara: - Exactamente, por antecipação.

O Orador: - Eu por antecipação não sofri.

O Sr. Barreto de Lara: - Vou herdando isso.
Até já fui considerado português de segunda linha, calcule V. Ex.ª, já foram fechadas as escolas militares P naval aos homens do ultramar.

O Orador: - E o Sr. Deputado não se considerou sempre português da primeira linha?

O Sr. Barreto de Lara: - Eu gostava de lhe responder, mas prefiro não o fazer.
Que sou portuguesão sou. Agora o resto deixá-lo-ei para outra oportunidade.

O Orador: - Aguardemos a oportunidade que o Sr. Deputado Barreto de Lara dê a sua opinião sobre se é português de 1.ª, 2.ª ou 3.ª linha.

O Sr. Barreto de Lara: - Com certeza, mas não é V. Ex.ª que me julga.

O Orador: - Eu? Nem sou juiz.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª tem julgado aqui o portuguesismo de muita gente segundo uma matriz muito particular que às vezes me tem impressionado embora me tenha calado.

O Orador: - Em todo o caso, sem o portuguesismo dos portugueses da metrópole, onde estaria V. Ex.ª e as suas quatro gerações?

O Sr. Barreto de Lara: - Onde? Eu lhe digo Sr. Deputado Casal-Ribeiro, estávamos ...

O Orador: - Pronto! Eu já não lhe dou mais a palavra, já não o deixo interromper mais, porque nesta altura já não sou liberal. As vezes não o têm sido para comigo, porque é que eu o hei-de ser.

O Sr. Barreto de Lara: - E o defeito de se variar consoante os ventos.

O Orador: - Ah! Eu é que ando ao sabor do vento? V. Ex.ª tem a coragem de me dizer que ando ao sabor do vento, sobretudo ao sabor do vento político. Olhe que esta tem graça.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu refiro-me ...

O Orador: - Pronto. Sr. Deputado, acabou-se.

O Sr. Barreto de Lara: - Acabou-se o liberalismo.

O Orador: - Justamente, acabou-se o liberalismo. Já acabou há muito tempo felizmente e espero que não volte.
Sentiria até a maior mágoa e teria a maior decepção da minha vida política se as minhas palavras tivessem uma interpretação diferente daquilo que vem apenas do meu coração, da minha inteligência, da minha fé e da minha vontade de ser útil à terra que foi meu berço.
Não pensem, Srs. Deputados, que falo apenas sensibilizado pelo enorme e incurável traumatismo que sofri com a perda de um filho na defesa de ultramar. Eu amo de facto o ultramar e, como todos VV. Ex.ªs, eu amo a minha Pátria. Quero o seu bem e a sua grandeza, tal como VV. Ex.ªs o querem.
Nem os mais jovens ou liberais que no seu idealismo - e às vezes ingenuidade - são portadores de novas ideias, nem os mais tradicionalistas ou conservadores, acusados tantas vezes injustamente de imobilismo, que têm assento nesta Câmara, serão menos ou mais portugueses uns do que os outros.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O Orador: - Pensaremos, por vezes, de forma diferente, teremos ideais ou desejaremos trilhar caminhos nem sempre convergentes, mas a noção do dever é a mesma: honrar o nosso mandato, servir a nossa Pátria.
Comecei, e já lá vão quinze anos, a viajar, em trabalho, às vezes bem duro, pelo ultramar português. Ali desenvolvi algum esforço, no sentido de servir e de ampliar as actividades das empresas onde ganho o pão nosso de cada dia. Nunca tive porém interesses directos a defender; defendi simplesmente interesses gerais, legítimos e concordantes com o desenvolvimento das províncias que conheci e aprendi a amar.
Por isso sou um apaixonado da África portuguesa, parte integrante de uma nacionalidade que jamais se poderá amputar.
Um dia, em viagem de trabalho, deparei, em Quissala, em Angola, em pleno território bailundo, com um pequeno monumento - o antigo Forte Cabral Moncada - que tem o nome do meu avô materno, conselheiro Francisco Cabral Moncada, governador-geral daquela província de 1900 a 1904, quer dizer, aquando do levantamento que ficou na história como «Companha do Bailundo». Doente, já muito doente, acompanhou - com a rara noção do dever que possuía - as tropas que lutaram e venceram essa luta, imposta pela tribo então revoltada. Regressado à metrópole, no fim do seu mandato, morreu com quarenta e poucos anos, por razões ligadas à doença que em Angola contraíra e de que não se quisera curar, para estar sempre presente em momento crucial da história da província que lhe fora confiada.
Esse pequeno monumento e a medalha de ouro da rainha D. Amélia atestam a sua dedicação e a sua vontade de servir. É um exemplo que, naturalmente, guardo dentro do meu coração.
O outro exemplo, o mais doloroso e o mais triste, aquele que permanentemente me acompanha conhecem-no já VV. Ex.ªs
Tenho, portanto, em África algum esforço, muitos lagrimais, o meu próprio sangue e o exemplo de um venerado!
Talvez estes factos, não o nego, influam na minha intransigência e na minha emoção quando se fala do ultramar, da sua defesa e da necessidade, para continuidade da Pátria, de que ele esteja tal como o ambiciono: cada vez mais integrado na comunidade que constituímos