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2182 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

o candidato do Governo. A alteração não tinha sido reclamada- pela Nação e- fora anunciada quando esta acabava de «manifestar acentuado interesse pela participação na eleição do Chefe do Estado. Voltemos, pois, ao sufrágio directo, porque o processo actual, além do pecado original que o vicia, não oferece quaisquer garantias de autenticidade nacional.
O sufrágio indirecto pode ser válido, mas nunca pela forma como o colégio eleitoral se constitui entre nós.
Se até este momento concedi às razões ideológicas o favor da prioridade, não considero menos importantes as realidades sociais em que actualmente vivem os destinatários das normas que pretendemos alterar.
Já aqui foi posto em evidência que a sociedade portuguesa de 1933, mesmo no espaço da metrópole, era fundamentalmente conservadora. Sem qualquer expressão industrial de relevo, voltada predominantemente para a agricultura, ancorada no analfabetismo e no tradicionalismo cristão, isolada dos granidas meios de comunicação social, não podia deixar de o ser.
O quadro está agora em vias de se alterar por completo. O despovoamento das zonas rurais, a concentração da população em áreas urbanas, a queda vertical do analfabetismo, a elevação da escolaridade mínima obrigatória, o acesso de grandes massas ao ensino secundário, o contacto do público com os grandes meios de comunicação social - tudo indica que a nossa sociedade é já, em grande parte, outra.
A estas novas condições vem juntar-se a interferência, caída vez mais actuante, do catolicismo pós-conciliar.
Depois de ter constituído um instrumento de estabilidade política, prometendo o Céu a todos e pregando aos pobres a resignação, entra agora a pregar a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais, a participação social, tornando-se uma região incómoda para os regimes pronunciadamente autoritários.
Na própria distribuição das forças políticas assiste-se a uma deslocação para oposição, embora não declarada, de certas minorias que antes apoiavam calorosamente o regime estabelecido. Não creio que o fenómeno deva ser encarado com surpresa, ou mesmo com apreensão, nem me parece que, em consequência, o Governo encontre menos apoio.
Entretanto, a partir de 1961, os grandes territórios do ultramar, primeiro Angola e, depois, Moçambique e Guiné, viram-se parcialmente assolados pela subversão baseada na táctica da guerrilha. A defesa do ultramar, pelos valores em jogo, pelos meios que mobiliza, pelos sacrifícios que implica e pela projecção que tem no futuro da Nação, converteu-se, a partir de então, no problema fundamental e condicionante da política portuguesa. A tal ponto que, em 1969, o Governo achou bem aproveitar as eleições de Outubro para, em certa forma, a plebiscitar, com o fim de que, cá dentro e lá fora, se ficasse a saber se a política do Governo era também política da Nação. Todos conhecemos o resultado.
É a concepção que inicialmente invoquei e são os factos que acabo de apontar que me fornecem as coordenadas em que procuro situar a revisão constitucional. Já indiquei em que direcção me impele a invocada concepção. Mas não estarão os factos a apontar a direcção oposta? Não faltam os que, perante a contestação, a subversão ou o terrorismo, logo acodem com a ideia de que se não pode desarmar o Estado. Esquecem-se de que a restauração de certas liberdades também reforça o Poder, na medida em que lhe aumenta a base de apoio e a força moral. E tão fácil hoje perturbar a vida pública que não vejo como poderá um governo acautelar eficientemente a ordem se não dispuser de amplo apoio nacional. Não se trata, portanto, de desarmar o Estado, mas de armá-lo por forma que se julga mais eficaz, mais de acordo com as condições da nossa sociedade.
Sr. Presidente: Deixei propositadamente para segundo lugar a apreciação da proposta do Governo na parte que reputo mais importante e mais corajosa - aquela em que se definem as grandes linhas da política a seguir no ultramar na direcção de uma autonomia progressiva das províncias ultramarinas.
O problema do ultramar é tão sério e tão grave, e compromete tão profundamente a Nação, que não há o direito de o tratar em termos que possam deixar lugar a equívocos. Sendo, embora, um problema de ontem e de hoje, logo se articula com- o futuro dos respectivos territórios e com o futuro da metrópole. Porque o ultramar é objecto de ataqueis armados, organizados por movimentos emancipalistas, parece que todos os seus problemas e os respectivas soluções se devem subordinar à ideia da sua defesa e que esta só pode ser eficaz e coerente se repelir qualquer transigência ou coincidência com objectivos anunciados pelos adversários de Portugal.
Não há dúvida de que o problema básico da (política ultramarina é o da defesa, mas a justificação dessa política tem de formar um todo com ela. Uma justificação meramente idealista, que se alheie da fatalidade geográfica, das realidades de hoje e das inevitáveis realidades de amanhã, por mais patriótica e generosa que seja, não serve necessariamente os interesses da Nação.
Creio que todos estamos de acordo em reconhecer que as colónias europeias na África Negra se constituíram fundamentalmente no século XIX, em função dos interesses e da competição das grandes potências. As suas fronteiras, traçadas muitas vezes por quem desconhecia totalmente as regiões, demarcaram territórios que normalmente não constituíam nem unidades étnicas nem verdadeiras unidades regionais.
A conversão desses territórios em Estados em consequência da chamada descolonização criou na África Negra a geografia política1 mais artificial do Munido, porque, além de os novos Estados não terem sido precedidos pela formação de nações, as suas fronteiras, filhas do acaso colonial, separaram quase sempre os povos da mesma etnia. Para ajustar a geografia política africana à realidade física e humana do continente seria necessário refazê-la totalmente de novo. Mais não é esse o caminho que os dirigentes africanos pretendem seguir. E quando, como no caso do Biafra, surgem movimentos muito afins a uma reacção de base nacional, ninguém se interessou por proteger o que trazia marcas de autenticidade africana. O Biafra teve de sucumbir perante o Estado artificial reconhecido e protegido.
Embora a origem das colónias portuguesas seja um pouco diferente, por se reconduzir à descoberta e não assentar na força ou influência de uma grande potência, a verdade é que também a Guiné, Angola e Moçambique estão longe de ser conjuntos verdadeiramente naturais. Com a difusão do português como língua comum que lhes sirva de instrumento de comunicação e cultura, ir-se-ão transformando em povo, dentro do respeito das diferenças regionais, as diversas etnias de cada um dos três grandes territórios. Como já o acentuou o Sr. Presidente do Conselho, «compreende-se que se prossiga, sem desfalecimentos, numa política de assimilação espiritual, de modo que metrópole e ultramar constituam uma unidade cada vez mais homogénea».
Na África Negra, de resto, por inviabilidade das línguas autóctones, sem cultores e sem tradições culturais, torna-se