2302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114
Pondo de parte outras modalidades, referir-me-ei apenas à do sufrágio que abrange, aliás, formas várias, e, daí, outro ponto delicado a examinar: sufrágio restrito, universal, igualitário, censitário, obrigatório, facultativo, directo, indirecto, corporativo?
Tratando-se de processos de escolha de pessoas, desde logo não se filiam directa e necessariamente com formas de expressão da soberania nacional.
Na verdade, segundo alguns constitucionalistas, a ligação entre o carácter representativo dos órgãos e o processo eleitoral de escolha dos seus titulares faz-se por mera convenção que procurará exprimir, como diriam Marnoco e Sousa e Oliveira Martins, a imagem da sociedade pelas maneiras menos susceptíveis de a desvirtuar.
Os critérios de escolha, independentemente das opiniões que radicalmente os afastam, não se apresentam nem simples, nem pacíficos. Há quem defenda qualquer deles com argumentos válidos, naturalmente inspirados no desenvolvimento económico e cultural, no espírito cívico do eleitorado, na organização política do Estado, na tradição, etc.
Deste modo, parece-nos que não deveria ser por aqui que conviria iniciar o impulso de politizarão, tão apregoado hoje, antes se impõe, por agora, na segurança e na legitimidade das fórmulas experimentadas, continuar a praticá-las e a caminhar pelas sendas constitucionalmente, abertas no sentido de robustecer o Estado Social e Corporativo, sem embargo da abertura de uma ampla participação dos elementos estruturais da comunidade nacional.
Estou absolutamente convicto de que o sistema eleitoral vigente para a eleição do Chefe do Estado, tendo em consideração as circunstâncias actuais e a intervenção no acto eleitoral de uma comunidade espalhada por todos os continentes, é o que melhor e mais serenamente pode recolher e interpretar a expressão do sufrágio.
E não se ponham a este respeito questões de legitimidade, porque essas, no plano jurídico, estão resolvidas pelo direito positivo constitucional e, doutrinàriamente, se as opiniões se dividem, ou todas são legítimas ou em absoluto nenhuma o será. O que importa é adoptar a solução que melhor contemple os interesses superiores do País, de cada país, quando demandam, como convém, as mais adequadas ao seu carácter, ao seu modo de ser e aos condicionalismos políticos e sociais a ter em conta.
Gostaria ainda de aludir à disposição que estabelece, sob o benefício da reciprocidade, a equiparação de Brasileiros e Portugueses para o efeito do gozo dos direitos e liberdades individuais.
E «permito-me apenas, na exaltação de um dos mais altos exemplos da nossa maneira de estabelecer contactos humanos, recordar a espantosa comunhão nascida naquele dia em que se avistaram terras de Santa Cruz, estuante e mútua dádiva de amor às coisas e às pessoas, laboratório singular de almas florescendo e crescendo fraternalmente, mercê do poderoso cadinho do sangue, da compreensão, do idioma comum, das alegrias e das tristezas da criação.
Que por todos os séculos dos séculos se mantenha, eis a nossa prece.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No que toca à administração ultramarina, principiarei por notar que nesta matéria poderíamos surpreender uma forte corrente identificada pela preocupação de abrir mais vastos horizontes à organização política e administrativa das províncias ultramarinas para que possam convenientemente acudir às necessidades de uma administração eficiente e capaz; outra, mostrando preferência por um aggiornamento que acentuasse antes o princípio da «descentralização administrativa em lugar da descentralização política»; outra, mais receosa no ensaiar de qualquer alteração, oscilando, talvez, entre a integração pura e a descentralização tímida e a prazo.
Ora, as fronteiras que marcam os limites entre a descentralização administrativa e a descentralização política não têm contornos rigorosamente definidos: quando se julga estar no âmbito da primeira, já se terá invadido o da segunda, e
vice-versa.
Para traduzir as dúvidas e incertezas em que se pode flutuar em assunto de tão pouca densidade concreta, cito, por exemplo, o caso de um dos mais aguerridos arautos do integracionismo puro ter criticado vivamente, público e raso, a existência do Ministério do Ultramar, por constituir sério obstáculo à unidade nacional e contrariar os princípios da integração.
Pois bem! Um outro eminente defensor do sistema, a quem aquele reconhecera já em letra de imprensa o valor e a clareza das atitudes, pronunciou-se agora pela manutenção desse Ministério.
De algum modo isto significa que nem todos estaremos de acordo sobre o sentido e o alcance destes sistemas e muito menos sobre as consequências do seu emprego e utilização.
Historicamente, não será exacto atribuir-lhes em exclusivo a responsabilidade do enfraquecimento ou do fortalecimento da unidade nacional.
Bastará, para tanto, recordar o movimento municapalista como factor de solidez nacional nas comunidades medievais, sem dúvida de cariz descentralizante, e os escombros dos grandes impérios, expoentes da centralização.
Embora pensemos que boa parte das inovações introduzidas pela proposta do Governo se contêm nos limites da descentralização administrativa e da desconcentração, elas não impedirão o arrastamento do processo burocrático se não se admitir que podem e devem também comportar faculdades de decisão a nível que exceda em muito as questões de mero expediente e faculdades legislativas ao nível daquelas.
Se assim não for, a Administração paralisaria naquilo que é fundamental, aguardando se pronunciem as entidades competentes. Ora, são estes poderes que convém alargar, em condições e termos que, sem prejuízo da unidade e da soberania, consintam, todavia, promover o funcionamento regular e eficiente dos organismos e instituições que, afinal, servem a Nação e o Estado em qualquer parte do território nacional.
A característica daqueles sistemas não é definida pela amplitude dos poderes, mas pela sua natureza e pela fonte donde promanam. Quando o direito vigente atribui poderes legislativos aos governadores das províncias e às suas assembleias legislativas, estará a proceder à descentralização administrativa, à desconcentrarão ou à descentralização política?
Em quase todos os países a execução administrativa do direito está descentralizada, quer dizer, partilha-se entre o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, assim como, dentro dos limites constitucionais de cada Estado, a própria função legislativa lhe não pertence em exclusivo, embora a sede do poder legislativo resida unicamente nos órgãos soberanos.
Entendamo-nos acerca de certas dúvidas que têm pairado a este respeito no decurso dos debates.
Quando se alega que as alterações nesta matéria não mudaram radicalmente a estrutura político-administrativa das províncias ultramarinas, na aparente lógica deste ra-