O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

30 DE JUNHO DE 1971 2303

ciocínio, tenho ouvido dizer que, nesse caso, não valia a pena ter-se mantido a mesma situação, por outras palavras.
Ora a verdade é que o raciocínio peca redondamente por defeito.
A estrutura político-administrativa é, de facto, idêntica à actual, mas quanto à constituição, atribuições e competência dos seus órgãos, as modificações foram profundas e do mais vasto alcance. Aqui, deu-se ou aconteceu, como agora se diz, renovação na continuidade.
Nem de outra maneira se explicariam as preocupações que têm provocado em alguns espíritos. Pois se tudo continuasse na mesma, como justificar ou a que propósito vinham essas apreensões? Não quero acreditar em fantasmas, mas também não posso recusar a evidência.
Ainda com base em reflexões deste género, falou-se e escreveu-se bastante sobre palavras inúteis, mas perigosas para uns, inofensivas para outros, significativas para tantos.
Houve também os que se alarmaram com novidades importadas, lastimando o esquecimento do rico espólio da tradição nacional.
Critérios próprios devem pautar e pautam a nossa vida pública, mas é evidente que seria suicida a posição de enterrar a cabeça na areia para nos subtrairmos às influências do mundo exterior, ao contacto das culturas e das civilizações, negando uma das mais excelsas características da nossa acção, que tem sido sempre ecuménica e universalista.
Melhor juízo será aproveitarmos da própria e alheia experiência aquilo que reputarmos conveniente e útil. Nem torres de marfim, nem provinciano encantamento pelo que vem de fora.
E quanto às palavras inúteis?
Tomemos as que foram apontadas como exemplo: designação honorífica de Estado às províncias ultramarinas.
Em primeiro lugar, trata-se de uma qualificação que vem de longe e ainda hoje é mantida, embora nada adiantando ao real conteúdo dos sistemas de Governo que as regem.
Mas, nesse caso, o que significarão?
Pois, quanto a mim, na genuína tradição nacional, para além de representarem uma distinção, respondem, sobretudo, a interrogações ou a expectativas, proliferando principalmente nos meios internacionais onde se pretende traçar a política africana de países como o nosso, que ali têm interesses legítimos e seculares, em suma, países também africanos. Respondem e esclarecem, interna e externamente, mais uma vez, que, em perfeita comunhão com as populações da comunidade, temos concebido regimes de organização político-administrativa em que a designação de Estado se apresenta, nesse contexto, com um significado específico, próprio, tradicional, e só esse.
Nada autoriza emprestar-lhe agora outro, como nunca ninguém se lembrou de o fazer relativamente ao actual Estado da índia.
Podemos, assim, continuar a falar em formas de descentralização de um Estado unitário, nenhuma delas comportando, em si, germes de desagregação da unidade nacional que, acima de tudo, temos de preservar.
Ainda que alguns transponham o problema para outros domínios diferentes, isto é, mesmo que se não possa falar, hoje, de soluções puramente políticas ou puramente administrativas: se, em última análise, é a vontade das pessoas ou dos grupos quem dita a última palavra na conformação orgânica de uma sociedade, pois então nós podemos gritar ao mundo, sem qualquer espécie de dúvidas ou hesitações, que desejamos e queremos esta nossa esplêndida comunidade portuguesa, pela qual nos batemos todos há mais de dez anos, que digo eu, há mais de quatro séculos, e pela qual continuaremos a combater até que nos seja concedido o bem inestimável da paz.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - Queria, ainda, acrescentar umas palavras acerca do artigo 134.º da Constituição, na redacção da Lei n.º 2100.
Ao entendimento daquele preceito, conforme foi sublinhado no parecer da Câmara Corporativa, não pode dar-se o sentido de que só pela integração se realiza melhor a unidade nacional.
A ser assim, estaria a própria Constituição vigente a afirmar por um lado o que contrariava por outro, ao conceder já lata descentralização às províncias ultramarinas, o que é inadmissível.
E não se diga também que a autonomia e a especialidade das leis tinham carácter transitório até se realizar a integração e que esta consente a descentralização e a desconcentração.
Nesse caso, afigura-se-nos muito difícil distinguir as subtis diferenças entre os dois sistemas e entender as críticas que se não fizeram àquele que a Constituição consagra, mas que se fazem agora ao que a revisão mantém, ou seja, precisamente, o que identifica e já identificava um Estado unitário descentralizado.
E quanto à especialidade das leis e consequente autonomia, julgamos poder adiantar que se praticou, não apenas recentemente, mas desde há muito, pois já em alguns Regimentos do Reino e nas Cartas das Donatárias aparece nítido o espírito da descentralização, único que permitia, dada a dificuldade e morosidade das comunicações e dos transportes, regular convenientemente as relações que se iam estabelecendo com os habitantes das terras descobertas e a ocupação que delas se ia fazendo.
Esta tem sido a orientação predominante no decurso da nossa história, só interrompida nos princípios do século XIX por influências, desta vez, sim, ditadas do exterior e de que não se colheram bons frutos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vai terminar a discussão na generalidade dos textos submetidos à Assembleia Nacional com o objectivo de rever e alterar a Constituição Política da República Portuguesa.
Discussão ampla, como raramente se terá visto nos nossos dias em parlamentos de qualquer país, já que a existência de partidos na maior parte deles restringe ao porta-voz de cada um a intervenção nos debates.
Discussão libérrima, como é das tradições desta Casa, e na qual o facto de os Srs. Deputados haverem sido eleitos em lista com o patrocínio de uma organização política de apoio ao Governo e ao Regime, não inibiu alguns de se manifestarem em desacordo com a natural disciplina resultante de haver uma proposta de lei governamental e mesmo em oposição ao próprio Regime.
Discussão que em muitos casos se afastou da generalidade para se deter em problemas concretos que o Regimento reserva à discussão na especialidade.

O Sr. Júlio Evangelista: - Muito bem!

O Orador: - E, não o esqueçamos, discussão pública que se seguiu ao exame detido e minucioso feito pela comissão eventual, na qual estavam representados os signatários dos projectos de lei e em cujos trabalhos, decorridos sobre a presidência esclarecida do Sr. Deputado Albino dos Reis, reinou sempre a mais franca abertura e a mais cordial franqueza.