28 DE JULHO DE 1971 2585
É evidente, todavia, que a ampliação da liberdade deve ter como consequência um aumento de responsabilidade, quer civil, quer criminal. Aliás ainda: neste aspecto se adoptaram para a imprensa as normas penais comuns e a legislação processual ordinária, orientação cujo significado, por altamente expressivo, me dispenso de salientar.
Suponho que a Assembleia acompanhará o Governo no seu esforço liberalizador e que considerará esta primeira fase como preliminar de novos desenvolvimentos. Não pode reputar-se encorajante a tradição nacional de liberdade de imprensa. Paixões desencadeadas, extremismos sem medida, formação de climas insurreccionais, deturpação da verdade, incitamento à violência, provocação da desordem, caracterizaram lamentavelmente um período triste da história do País.
Mas a imprensa atingiu hoje um grau de maturidade e um nível deontológico que justificam todas as esperanças e tornam impossível um regresso ao passado. Reafirmo-lhe o meu apreço e testemunho-lhe a minha confiança, em solidariedade com o Governo e em consonância com as suas intenções. O que interessa é andar em frente, caminhar no sentido do progresso, marchar decididamente para a liberdade, evitando, todavia, desvios e procurando a harmonia de todos os interesses.
Como anteriormente salientei, há limites que não podem ser transpostos, imperativos que não é legítimo iludir: a defesa da Pátria e da sua integridade; a salvaguarda da moral, que é o cimento de todas as sociedades; a prevenção do crime, que é condição da sua sobrevivência; a preservação de segurança externa e interna do Estado, que constitui exigência que não pode ignorar-se. A autoridade e a autonomia dos tribunais, que são os garantes dos princípios da ordem, da justiça e do direito.
Vivemos um momento histórico, está em crise a nossa civilização. Os valores tradicionais são postos em causa e assistimos à gestação de um mundo novo ainda impreciso nos seus contornos e indefinido nas suas características. É necessário termos fé e acreditar num amanhecer da humanidade com metas mais justas, melhores e mais humanas.
Novos valores vão surgindo das aspirações das massas, formulam-se novas concepções, esboçam-se novas doutrinas, mais receptivas ao que é útil e construtivo, mas sempre harmónicas com os princípios a que não renunciamos.
A imprensa é detentora das orientações já expostas e o Estado deve ser o seu defensor inflexível e vigilante. Não esquecemos que vivemos um mundo varrido pelos ventos da desorientação e que carece de ser restituído ao culto das suas verdades e à solidez dos seus fundamentos.
A liberdade é também ideia que professo, mas o carácter verídico e objectivo da informação é igualmente para mim conceito irrenunciável. Para cumprimento deste princípio reconhece-se à imprensa o livre acesso às fontes de informação, respeita-se o sigilo profissional, mas confere-se também ao Governo e ao conjunto dos cidadãos o direito de repor a verdade quando deformada e de promover os esclarecimentos úteis a fim de evitar equívocos, de defender a honra, o bom nome e a dignidade, que são os elementos mais respeitáveis do seu património moral.
Estas as razões por que dou a minha aprovação à proposta do Governo, que considero oportuna, conveniente e justificada na linha substancial dos seus preceitos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A um eminente homem público, já lá vão uns bons seis anos, ouvi um dia num discurso esta afirmação: «Eu, que sempre fui antiliberal ...»
Esta asserção, dita como quem se liberta da sombra funesta de um sentimento reprovável ou se exime pressuroso da culpa de um crime, ainda hoje a sua lembrança me fere no mais íntimo da minha sensibilidade, pois reflecte o índice de intolerância a que um espírito, na sua cegueira deliberada, pode chegar!
Por outro lado, é da sabedoria das mações, e ainda que paradoxalmente, que na condescendência e no respeito pelo confronto das ideias consentidas pelo espírito liberal reside o germe da sua própria destruição.
Como aquelas drogas altamente eficientes, cuja margem de segurança entre a vida e a morte é preciso considerar e ter sempre presente, a liberdade sem medida, isto é, sem respeito pela sua margem de segurança, pode ser letal para aquelas liberdades que o espírito cristão e a bondade inata deste povo ardentemente deseja preservar e manter.
É que a liberdade de uns numa sociedade equilibrada, moderna e mais justa como aquela que o Estado social anuncia terá de ter fatalmente por limites a liberdade como o bem-estar dos outros, cuja medida há-de ser dada pelo interesse geral, e é naturalmente o Governo que a tem de definir como superior guardião e juiz.
Trágica fatalidade esta de ter de exprimir posição entre estes dois parâmetros a delimitarem o que o espírito nos seus voos de emancipação e ânsia de perfeição desejaria alcançar e o realismo de uma vida que se efectiva todos os dias com as mais nobres e torpes intenções, materializada no barro de que todos somos feitos!
Trágica fatalidade para quem como eu que, perfilhando o primado do espírito, tem constantemente de firmar os pés na terra sob pena de me considerarem avia rara ou algum novo Messias.
É, por consequência, à luz da razão que dimana deste preâmbulo que vou também emitir o meu juízo, do qual se pode inferir desde já, lícita e logicamente, a cautela que se deve ter no uso das liberdades, nomeadamente da informação, ou, se quisermos, na descompressão rápida da censura, posto que este fenómeno tem em política, como na patologia humana, os seus graves inconvenientes.
Assim, o que o povo, que somos todos nós, pretende é essencialmente uma informação clara que equacione os prós e os contras, os méritos e os deméritos dos processos e até quanto possível as consequências, para se inteirar das razões e dos porquês das soluções.
Esta informação, isenta de interesses quantas vezes inconfessáveis, só o Governo a pode fornecer directamente ou então facultando aos órgãos de informação, aberta e francamente, as fontes de inspiração.
O que interessa ainda ao cidadão vulgar, para além do que vai pelo Mundo e do fenómeno sócio-político que o próprio Chefe do Governo, com aplauso geral e aquela clareza cristalina própria de um mestre, expõe periodicamente ao País, é o conhecimento do processo de desenvolvimento material e espiritual da Nação de uma maneira geral e muito particularmente do desenvolvimento e progresso da sua província ou do seu concelho e os motivos por que se facilitam ou rejeitam oportunidades.
E neste capítulo, se deve ser vedada a apreciação pública dos responsáveis com base na sua vida privada, não poderá, sob pena de se reflectir malèficamente na própria governação e nos seus titulares, deixar de ser passível de crítica o exercício das suas funções, pois não será justo também, nem inteligente, assistir-se pacificamente à actuação de quem não esteja a interpretar o