28 DE JULHO DE 1971 2587
de tutela - não desejado pela maioria dos periódicos e dos jornalistas - não está submetido a critérios de disciplina jurídica; a censura actua como entende, apenas com o fim, obviamente vago, de «impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social». Acresce que a censura tem poderes para proibir a fundação de novas publicações periódicas, decidir em que periódicos poderão os organismos oficiais e as concessionárias inserir anúncios, proibir a venda de publicações estrangeiras, aplicar sanções que vão desde a multa progressiva à supressão das publicações periódicas, etc.
Se recordarmos que regime semelhante, embora não tão apertado, vigora para as publicações unitárias ou não periódicas, fácil será concluir que a legislação reguladora da actividade da imprensa em Portugal é deficiente e anacrónica, sobretudo numa altura em que - como acentua a proposta governamental - «a importância que a imprensa assume nas largas, complexas e massificadas sociedades dos nossos dias não sofre contestação, enquanto informa, exprime e cristaliza opiniões».
O anacronismo e as deficiências são ainda mais evidentes se os analisarmos não apenas segundo um prisma jurídico, mas também à luz da realidade social.
Ao nível mundial, é inegável o processo de aceleração histórica a que todos estamos submetidos. Mais atrasados ou menos desenvolvidos, mais isolados ou menos isolados, os países e os seus habitantes não podem nem devem escapar aos efeitos de uma revolução tecnológica que principiou já a alterar profundamente os hábitos individuais e as concepções e condições de vida em comunidade.
A informação não foge às novas técnicas: a rádio furou já as barreiras nacionais; a televisão atingirá âmbito semelhante quando entrar em funcionamento a segunda fase dos satélites artificiais, e a imprensa conhece também outras dimensões, quer melhorando o produto clássico - o papel -, quer ensaiando novas formas - o jornal em cassettes, o banco de informações, etc. Beneficiando da tecnetrónica, a informação diversifica os meios de comunicação social e aumenta dia a dia a sua influência. Influência que não se circunscreve aos aspectos puramente políticos - e talvez seja esse até o campo específico onde ela mais se tenha esbatido - mas que alastra para o que devemos (e não devemos) comer e vestir, para o modo de decorarmos a nossa casa, para a forma de educarmos os nossos filhos, para a melhor maneira de jogarmos na bolsa ou de apostarmos no Totobola. Influência que, por outro lado, universaliza os problemas do homem, interessando-o pelo que se passa no Vietname ou no Sudão, em Pequim ou em Washington, comunicando-lhe quase instantaneamente. Influência que, em resumo, se exerce, temática e geogràficamente, dentro de conceitos cada vez mais globais e permanentes.
Aumenta, assim, a força dos chamados órgãos de informação, e este fortalecimento obriga a dois tipos de reflexão.
Por outro lado, deve observar-se que os resultados não são obrigatoriamente favoráveis à comunidade. Podem ser bons ou maus, positivos ou negativos, causa de desenvolvimento ou causa de subdesenvolvimento. Tudo depende de quem manipula os mas* media, de quem traça a respectiva política informativa, de quem decide sobre o sentido em que vão influenciar os cidadãos.
Ora sucede - e esta é a segunda reflexão - que as empresas de informação não fogem à regra económica geral da concentração. Diminui o número de proprietários de jornais e de estações de rádio ou de televisão, enquanto cresce o respectivo poderio. Pode, portanto, chegar-se à situação de o aperfeiçoamento técnico da informação vir apenas servir uns poucos - cada vez mais fontes, por monopolizarem os cada vez mais caros e sofisticados meios de comunicação social - em detrimento da maioria - paradoxalmente cada vez mais preparada, por dispor de mais tempo livre e por estar mais bem apetrechada culturalmente, para informar e ser informada.
Estas considerações gerais sobre a realidade social no que toca à informação são aplicáveis a Portugal. Embora com os desfasamentos da praxe, o País não se tem alheado - nem o conseguiria - das- profundas mutações que se verificam no mundo do nosso tempo. A alfabetização, o crescimento económico e a própria tecnologia têm provocado o acesso à informação de número crescente de cidadãos e o consequente alargamento da influência das publicações, da rádio e da televisão.
Este movimento, que se afigura irreversível e que é acompanhado por sintomas de concentração ou, pelo menos, pela transferência da propriedade de títulos para grupos económicos, provocou também naturais reivindicações, quer no que respeita à liberdade de expressão do pensamento, quer no tocante ao direito a ser informado. As pessoas desejam não só transmitir o que pensam e o que sabem, mas ser informadas dos acontecimentos nacionais e internacionais e das opiniões das outras pessoas. Por isso mesmo, cada vez aceitam menos o regime vigente em matéria de imprensa, de rádio e de televisão, e anseiam pela promulgação de uma legislação que lhes permita participar na vida colectiva através de uma informação actuante e verdadeira.
Sr. Presidente: Julgo poder neste momento tirar uma primeira conclusão, que será pacificamente aceite: a legislação portuguesa actual sobre imprensa é anacrónica e deficiente em si mesma e por não corresponder as necessidades sociais de uma opinião pública que a quer ver substituída por outra permissiva da circulação de ideias e de notícias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Partindo desta primeira conclusão e sem esquecer os perigos já enunciados resultantes da concentração da propriedade dos meios de comunicação num número reduzido de grupos económicos, vejamos agora quais os princípios que deverão enformar uma lei de imprensa em Portugal em 1971. Refiro-me apenas à imprensa, pois só esta e a sua lei estão por agora em discussão; não deixarei, no entanto, de pugnar, sempre que oportuno, pela concessão à rádio e à televisão de estatutos jurídicos semelhantes.
Duas questões prévias necessitam de ser analisadas.
A primeira é a de saber se se torna indispensável uma lei de imprensa para assegurar a liberdade da imprensa. Não bastaria consagrar o princípio na Constituição e recorrer à lei geral para a definição dos direitos e das responsabilidades, das garantias e dos limites?
Em teoria, a resposta é afirmativa; desde que a lei geral crie as condições para o efectivo exercício da liberdade de imprensa, não é precisa uma lei de imprensa e evitam-se todos os inconvenientes que esta possa trazer no aspecto restritivo.
Na prática, porém, afigura-se mais realista a resposta dada à pergunta pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas nas palavras que antecedem a apresentação das suas bases fundamentais de uma lei de imprensa: «na actual conjuntura nacional parece impensável outra via». Para além da imposição do preceito constitucional (artigos 8.º,