2584 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Presidente: O mundo contemporâneo é dominado pelos meios de comunicação social. A transmissão das informações e dos conhecimentos é quase instantânea, mercê dos novos processos técnicos, que têm profundas implicações na vida dos povos e na própria evolução do Mundo. Esta acelerada difusão das comunicações imprime nova dimensão à vida colectiva e transforma acontecimentos locais em fenómenos de amplitude mundial, com todos os seus efeitos, não só na vida do Globo, como na existência interna dos Estados.
A informação transforma-se assim, como a qualificou alguém, «num quarto poder», de relevante importância na vida social e na orientação da opinião pública, que é para nós elemento fundamental da Administração e do Governo.
A imprensa figura em lugar de relevo entre os instrumentos que difundem as informações, as levam ao conhecimento público, lhes dão configuração própria, orientando, assim, as consciências e permitindo a estas a emissão de juízos correctos e a definição de posições fundamentadas. Permite-lhes ainda interpretações verídicas, sem deformações de preconceitos que lhes deturpem o conteúdo ou desvirtuem o seu significado.
No exercício da sua missão deve ser concedida ampla liberdade aos meios publicitários, apenas com as limitações impostas pelo seu carácter público e pela sua função social. Dentro destes princípios, a proposta de lei governamental não só dá cumprimento às disposições constitucionais, como assegura a efectividade dos princípios de liberalização que enuncia e que são exigências imperativas das colectividades modernas.
Não cabe discutir a oportunidade da proposta, tão evidente ela é em face dos preceitos constitucionais e da actualização necessária de métodos que deixaram de corresponder às exigências do nosso tempo e aos imperativos sociais de carácter mais premente.
A conveniência da proposta não suscita também observações. Nela se reconhece o direito de constituição de empresas jornalísticas, a liberdade de expressão do pensamento pela imprensa, a ampla circulação das publicações e se assegura a discussão e a crítica sem restrições dos actos da Administração em termos latos e de verdadeira liberalização.
Cria-se, assim, um clima de preparação da opinião pública, tendo em vista a efectivação das reformas necessárias, a boa execução das leis, a garantia dos direitos e liberdades cívicas, fundamentos todos inabaláveis das comunidades organizadas.
Outra das características da proposta do Governo é a sujeição da imprensa a normas de direito substantivo comum e disposições processuais de carácter não discriminatório. Estes princípios traduzem normas de transcendente alcance e concretizam não só as tendências liberalizadoras da proposta, mas a do seu respeito pela alta missão da imprensa, a que quero render homenagem pelo seu sentido das responsabilidades e pela nobreza e dignidade com que tem sabido comportar-se em todas as emergências nacionais, mesmo nas mais difíceis e delicadas.
A proposta traça, pois, um rumo e esboça uma trajectória: a da progressiva liberdade de imprensa e a da supressão de restrições e embaraços que, de algum modo, possam coarctar a sua elevada missão de esclarecimento de informação ou de doutrinação.
Imprensa livre e sociedade progressiva são expressões que se identificam, valores de significado comum, realidades que não podem dissociar-se. Neste aspecto pertenço também à ala liberal da Assembleia, que é afinal qualificativo que podem reivindicar todos os Deputados e que ao próprio Governo pode atribuir-se com plena legitimidade.
No actual momento histórico verificam-se, porém, circunstâncias que não podemos desconhecer, como as não ignoram os países mais democráticos em idêntica situação: estamos em guerra com os inimigos da integridade da Pátria, dos seus direitos históricos, da sua unidade política, da sua concepção espiritual e da sua própria missão no Mundo. Guerra sem quartel, em que estão em jogo o destino e os interesses vitais do Pais, o seu património secular, a vida das suas populações, que são e querem permanecer portuguesas. É natural, é internacionalmente admitido, é democraticamente indiscutível, que enquanto subsistir esta situação, a liberdade da imprensa seja submetida a certas formalidades, para que se não afundem os valores supremos da colectividade e se salvaguarde a consciência colectiva dos efeitos destruidores de ideologias ou de defectismos que põem em causa a própria alma da Nação, as energias morais do povo português, a justiça da nossa causa e as razões do nosso combate.
O Sr. Ulisses Cortês: - Muito bem!
O Orador: - Mas ainda neste caso o exame prévio é limitado no tempo aos períodos de estado de sítio, de emergência ou de subversão grave confirmados pela Assembleia Nacional e circunscritos, na substância, aos casos taxativamente enumerados na proposta de lei.
Em qualquer caso, subsiste na sua plenitude a liberdade intangível e soberana de crítica à Administração e de preparar as providências exigidas pelo interesse geral ou pelas imposições do progresso colectivo.
Não careço de acentuar quanto me é grato, por formação profissional, ver incluída entre os limites da liberdade da imprensa a protecção da saúde, que considero precedência das precedências e que desejaria, como médico, vê-la proclamada, não apenas em princípios, mas concretizada em realidades, em utilização racional de meios humanos, em aconselhável dotação de equipamentos técnicos, em modernização e remodelação de serviços, de forma a remediar as graves carências que se verificam neste sector e que exigem urgente remédio.
Que papel não poderá desempenhar a imprensa intervindo na ventilação dos problemas da saúde e dos assuntos sociais Intimamente vinculados a ela? Se se inspirasse nos conceitos modernos da miséria das sociedades e que destacasse desta o grave problema das pessoas idosas, a doença, o isolamento e viesse esclarecer e pôr em discussão que estas situações não derivam sómente da falta de meios materiais, mas sim do abandono dos métodos que devem ser adoptados pela Administração para combater o sofrimento humano!
Como poderia ser útil a imprensa se se debruçasse sobre inquéritos no sector da saúde, ouvindo os técnicos responsáveis e conscientes - os médicos, os elementos do seu escalão auxiliar e mesmo os próprios doentes que sofrem, para alertar assim a Administração e o País e colaborar na solução destes gravíssimos problemas? Mas a proposta não pretende apenas conferir liberdade à imprensa - procura dignificá-la; assegura-lhe independência; impede os efeitos dos grupos de pressão; regula a actividade dos jornalistas, de forma a garantir-lhes a sua autonomia, os meios de trabalho de que carecem, a sua autenticidade e a sua elevação profissional.
É este o quadro fundamental da proposta que estamos a discutir e são estas as suas grandes coordenadas orientadoras e os traços essenciais que a distinguem.