2920 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 144
logo em Fevereiro de 1970, um mês após a entrada da actual equipa ministerial na pasta, foi tal colaboração solicitada e por ela se 'insistiu. A iniciativa do criação de «comissões de regulamentação hospitalar» viria a ser apodada de «demagógica», na mesa-redonda de que há pouco foram transcritas algumas frases; aí se acrescentava, ainda, que os módicos «enjeitaram» a iniciativa, mas reconhecia-se que «seria de pensar nela».
Pode, pois, concluir-se que, sob a aparência de uma comunidade de interesses, no movimento acaba por descortinar-se a defesa de posições diferentes, quando não mesmo antagónicas.
14. Foi neste contexto que surgiu a decisão de entrar em greve, depois convertida numa modalidade a que se fez corresponder a designação de período de «abstenção burocrático-administrativa». Trata-se, afinal, de uma forma de embaraçar o funcionamento de serviços módicos e administrativos dos hospitais, com excepção apenas para alguns aspectos dos serviços de urgência.
A atitude assume por si mesma proporções de enorme gravidade no âmbito do exercício da medicina hospitalar. Entretanto, não deixa de ferir a atenção que hajam sido elaboradas minuciosas regras, distribuídas em reprodução por ciclostilo, para observância, pelos internos, enquanto se mantivessem na referida «abstenção». O simples facto de terem sido preparadas e os termos em que aparecem (que vão ao ponto de atribuírem duas espécies de número de código aos doentes, consoante já se encontrassem no hospital antes da «abstenção» ou nele dessem entrada depois) evidenciam, sem margem para dúvidas, quanto a «abstenção» foi, não o resultado de uma emocionalidade momentânea, mas um acto premeditado, objecto de elaboração prévia.
O movimento, embora centrado em Lisboa, abrangeu diversas unidades hospitalares. Eram evidentes as consequências que esta atitude repercutia no funcionamento dos serviços, mesmo — acentue-se — nos de urgência, pois não é difícil adivinhar os resultados dos inexperientes moldes adoptados para organização ocasional de serviços hospitalares intensivos.
Perante a anormalidade da situação, o Conselho de Ministres decide, então, conferir, no dia 23, plenos poderes ao Ministro da Saúde e Assistência para regularizar a vida dos hospitais.
Era, na verdade, grande a perturbação ali existente, arrastada dia sobre dia, com repercussões cada vez maiores — a máquina administrativa subvertida, a disciplina alterada, a actividade médica perturbada e, em alguns casos, mesmo doentes directamente afectados. Havendo, por isso, que actuar, ainda assim, não obstante poderem ter sido encaradas soluções que a referida decisão do Conselho de Ministros comportava, tentou-se apaziguar os ânimos e encontrar vias pacíficas de solução, durante os dias 24, 25 e 26.
Justamente no dia 25, em reunião conjunta das direcções hospitalares de Lisboa com o Ministro e o Secretário de Estado, procurou-se eliminar tudo quanto pudesse constituir aparente pretexto para a agitação existente.
As direcções hospitalares, com grande espírito de colaboração, pretendiam agir no sentido de, pela anulação de quaisquer pretextos, tornar mais evidente as verdadeiras razões da agitação — que, aliás, sempre condenaram na forma que revestiu —, para com mais forte poder a ela conseguir pôr cobro. Então se procedeu de novo ao exame de todas as dúvidas, equívocos ou omissões susceptíveis
de proporcionarem motivos à agitação, a fim de que, munidas com tais elementos de clarificação, as direcções pudessem actuar decidida ,e 'efectivamente para imprimir aos acontecimentos o curso que todos desejavam.
De resto, o Ministério distinguia o que se lhe afigurava essencial, na questão, do que pudesse representar simples pormenor. O essencial estava em que não era aceitável, qualquer que fosse o pretexto, a mínima alteração da vida hospitalar, cuja regularidade constitui princípio e valor acima de qualquer discussão.
Por outro lado, não seria concebível que se permitisse a não realização da prova, nos termos e data marcados, tanto mais que se sabia ter o impedimento da efectivação dos exames, na data inicialmente estabelecida, resultado de «boicote» imposto com violência. Tudo o mais era assunto susceptível de ser considerado, caso se verificasse assentar, ao menos, num mínimo de fundamentação válida.
Dispondo de todos os esclarecimentos, ais direcções hospitalares, esperançadas num rápido regresso à normalidade, ficaram de se avistar no dia seguinte (26), pelas 16 horas, com o Ministro, a fim de o inteirarem da evolução que, nessa base, se viesse a processar.
Nesse dia, pouco antes da hora indicada, informaram, porém, que nada podiam acrescentar, já que a situação se não havia modificado, não obstante o esforço apaziguador entretanto desenvolvido. Disse-se-lhes então que, em face da declarada impossibilidade de restabelecimento da normalidade', o (Ministério se via forçado a encarar o modo de recorrer aos poderes concedidos, por forma a reconduzir a vida, hospitalar à conveniente ordem.
Assim, na noite desse mesmo dia, o Ministro, através da RTP, deu conta ao País do que se passava, com o cuidado de justamente restringir os incidentes a uma «minoria activista» dos internos, pondo em relevo os esforços desenvolvidos pelos directores hospitalares e a «acção abnegada do corpo médico», que, na emergência, tomara sobre si o encargo de suprir as deficiências resultantes da greve.
Na manhã de 27, sábado, mantinha-se a anormalidade da vida hospitalar e sabia-se entretanto (pelo «comunicado n.º 5» desse dia) que a disposição afirmada era a de reclamar o adiamento do teste marcado para o dia 29 e de manter a greve de tipo «burocrático-administrativa», se certas pretensões — aliás formuladas em termos de sempre serem consideradas inatendidas — não fossem plenamente satisfeitas.
Por outro lado, dirigentes hospitalares responsáveis continuavam a dar conta da gravidade da situação existente em expressivos documentos, nos quais repudiavam as ocorrências, por contrárias a todos os princípios éticos e deontológicos — «em que os fundamentais direitos dos doentes foram esquecidos» — e diziam da necessidade de se estabelecer a ordem e terminavam por comunicar que entendiam inviável fazê-lo por si mesmos. Tudo isto apontava, pois, a necessidade de agir ràpidamente e com suficiente eficácia, para não consentir maiores agravamentos de uma anormalidade que atingira já proporções a todos os títulos inadmissíveis.
Verificada, assim, inequivocamente, após este largo período, que cobriu a semana de 22 a 27, a impossibilidade de restabelecer a normalidade da vida hospitalar como se impunha, mesmo após todas as diligências efectuadas e esclarecimentos dados, e havendo antes a ameaça de a situação se prolongar, com novo «boicote» do exame e manutenção do estado de greve, o Governo teve, finalmente, de adoptar medidas para assegurar de imediato, o retorno à completa normalidade. Antes, porém, o Minis-