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3390 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 196

Vamos já no quinto ano de «más águas» e não lia memória de uma sequência tão prolongada, sendo certo que este ano ainda é pior do que os quatro já decorridos, pois «as águas» nem sequer foram más. Praticamente não choveu uma gota. As terras estão ressequidas e se na última sessão Legislativa ainda pude apontar um ou outro oásis a dar uma vaga esperança de colheita que não se efectivou -, a verdade é que este ano percorri uma paisagem lunar, será nenhuma perspectiva para os que mourejam nas ilhas.
Alas não há motivos para alarmes nem para previsão de situações catastróficas. Há que acentuar este aspecto, porque a seca em Cubo Verde significou, em tempos idos, fome, e a fome, a morte por munição.
Criou-se este raciocínio, que ainda se mantém entre os que desconhecem o arquipélago, ou que naturais das ilhas se afastaram há longos anos apegando-se a uma espécie de tradição inteiramente ultrapassada.
Por isso, a primeira pergunta, ao Deputado que regressa a Lisboa é uma afirmativa em interrogação displicente, como que a chamar a atenção para a necessidade de clamar por providências.
Pois. Sr. Presidente., com riscos da incompreensão de alguns -bem poucos, estou certo-, o Deputado nada tem a reclamar ou a criticar e entendo que seria de extrema indignidade e desonesto deixar pairar as interrogações afirmativas de uma situação que não corresponde à realidade.
Acredito na boa fé de alguns, mas não posso deixar de lamentar apelos intempestivos, numa precipitação em que se confundem acontecimentos diferentes na sua origem e nus nas consequências, provocando porventura especulações a descreditar todo o enorme esforço e sacrifício do País numa solidariedade atenta e operante para evitar, como se tem evitado até agora, que ua seca tenha efeitos sobre a população.
É preciso, portanto, acentuar mas de forma peremptório: Não há fome em, Cabo Verde. Não ao obstante cinco anos consecutivos de seca, a situação está controlada, com subsídios substanciais da metrópole e com uma actuação eficiente das autoridades locais, sob a orientação dinâmica e persistente do Governador da província, brigadeiro Lopes dos Santos.
Não faço esta afirmação por ouvir dizer ou para repetir o que já foi dito. Eu cative lá. Mais: sou de lá e por lá tenho vivido há corça de trinta anos. Aliás, Cabo Verde entergou-me um mandato de forma tão expressiva e dispensa-me um respeito tão afectuoso, que seria atraiçoar os meus próprios conterrâneos se, havendo motivos para apontar defeitos ou actuações menos atentas, as não denunciasse, à procura de soluções mais eficientes.
Mas seria pura especulação ou demagogia inventar razões para provocar escândalos ou sensacionalismos. Em presença de factos iniludíveis, tenho até a certeza de que tanto só contribuiria para me desacreditar perante os que em mim confiaram.
Falei, com efeito, sem constrangimentos - e sei falar crioulo -, com quem quis. Observei o que me pareceu de observar. Provoquei reclamações e nem mesmo dos descrentes, que contra tudo resmungam para denegrir, não ouvi mais do que ma «pois sim, lá mais para diante veremos ...», o que envolve o reconhecimento implícito de que nada tinha a dizer, embora atravessemos já o quinto ano da maior seca de Cabo Verde, aguentando-a sem motivos pura reticências, antes com a certeza de a vencer.
A máquina está, na verdade, montada de modo a evitar surpresas. O Governo local não descansa. O da metrópole, alertado e com conhecimento directo da situação
pela presença inédita do próprio Presidente do Conselho, não se tem limitado a promessas. Os subsídios são efectivamente concedidos em tempo e com suficiência, numa fraternidade nacional que nunca é de mais salientar.
Eu já assisti a chias secas em Cubo Verde. Nenhuma delas foi tão prolongada como esta. No entanto, as suas consequências foram bem diferentes.
Estou em condições de poder comparar, e é-me grato poder afirmar que a população faz uma vida pràticamente normal, sob os condicionamentos que lhe são impostos pela Natureza e aceitando o ordenamento de trabalhos equitativamente distribuídos, sem a deprimir com esmolas. Os salários são assim atribuídos, de modo que nos agregados familiares não falte o necessário. Os velhos, as crianças, os fisicamente diminuídos são assistidos.
Todos conseguem uma alimentação, que até me parecem mais eficiente que a normal, bancada tradicionalmente no milho, cujas, carências, são bem conhecidas.
Terá sido por isso que não vi as chagas purulentas, de aparência incurável, nas populações com que contactei.
Terá sido por isso que vi trabalhar nas estradas- homens e mulheres - com vigor o entusiasmo, sem aquela languidez de uma subalimentação e em tarefas que não são as suas.
Observei crianças saídas que logo de manhãzinha iam para a escola com a sua garrafinha de leite e o sem pão -numa alegria que não pode oferecer dúvidas acerca do processo de as manter, gratuitamente, com uma alimentação racional.
Os próprios animais domésticos apresentam aspecto que não engana acerca do passadio dos seus donos. O «badise» - o rural de Santiago - continua a manter o seu cão, o seu porco, a sua galinha, sinal de que se mantém a si próprio e que lha sobra.
Afirmar que há fome em Cabo Verde ó uma aleivosia
Claro que a situação não é de euforia, mas o povo não sente a seca.
Os serviços, de saúde estão atentos, fazendo deslocar médicos especializados em nutrição para distribuir nos locais mais atingidos os complementos necessários capazes de suprir as deficiências de uma alimentação impositivamente e carência.
As obras públicas, distribuem, como já disse, trabalhos úteis, amparando os rurais, mas preparando o futuro sem esbanjamento de dinheiros em pura perda material. Há um plano que se cumpre na construção de estradas, de edifícios e até em reconstruções ou manutenções do que só estava a perder, como sucede com a antiga capital - hoje chamada cidade velha - , para onde se rusga uma magnífica estrada a servir de apoio no turismo.
Enfim, Sr. Presidente, o essencial também está previsto: os alimentos necessariamente têm de ser importados, pois se Cabo Verde não se pode bastar em tempos normais agora muito menos. Esse apoio indispensável para se continuar a luta está programado e garantido pela nossa marinha mercante e pelos centros abastecedores, para espaços de tempo devidamente controlados, e até agora nada faltou. Estou certo de que assim continuará a suceder.
Voltando atrás, repetirei, pois: não há razoes paru desespero, nem para alarme. Cabo Verde trabalha e confia - confia hoje e sempre - na solidariedade da Nação em que se integra e que tão generosamente, tão prontamente, a tem amparado numa das situações mais difíceis e que podia ser a mais dramática de toda a sua história.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!