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4610 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 227

Esta evolução, este risco, é tanto mais grave quanto é certo estar a tecnologia, melhor dizendo, a sua filosofia, a degradar o homem, a desvalorizá-lo, reduzindo-o a mera peça da engrenagem industrial.
O facto, porém, de não dispormos ainda de um conceito devidamente afinado, segundo nos parece, não tem relevância de maior, visto que o projecto indica especificadamente as actividades ou acções concretas que são passíveis de punição, e o artigo 80.° do Código Civil manda aferir a reserva da intimidade da vida privada, que a todos reconhece, por duas bases objectivas: a natureza do caso e a condição das pessoas.
Salvo melhor opinião em contrário, parece-nos, ainda, que a "reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem" pode cindir-se e ser agredida em dois momentos diferentes: o da intromissão não consentida e o da divulgação. A expressão "guardar reserva" daquele artigo 80.° pode perfeitamente ter dois significados: "não intromissão" e "não divulgação".
São duas realidades a que correspondem diversas intensidades de dolo e com interesse, portanto, para a graduação da punição.
O conflito que atrás admitimos entre o direito à intimidade da vida privada e os direitos de informação e à informação só existirá para quem entenda que a mera narração de factos é manifestação de pensamento, ou seja, que existe um direito de crónica.
Para nós, decididamente, não o é.
Demais, como afirma Goldschmidt (La protección jurídica de la vida privada, p. 238):

Confundem-se com facilidade causa e efeito. Não são tanto os desejos do público que originam as publicações relativas à vida privada, senão uma imprensa inescrupulosa que disputa e alimenta tais apetites do público.

Na generalidade, o projecto de lei merece-nos apenas os seguintes reparos:
a) A pena máxima prevista não tem, parece-nos, a elasticidade suficiente para que dentro dela se possam estabelecer penas justas para as diferentes realidades previstas.
Será, assim, necessário, segundo também nos parece, cominar pena com o limite máximo mais alto para alguns dos ilícitos previstos na base I.
De facto, como se acentua no parecer da Câmara Corporativa, é uma verdade - mas ilógica e até imoral, dizemos nós - que o direito se mostre mais preocupado em garantir eficazmente a protecção e defesa do homem naquilo que ele tem do que naquilo que ele é, nos seus bens patrimoniais do que nos seus bens pessoais.
Se um homem, tantas vezes por necessidade, furta a outro mais que 10 000$ e menos que 40 000$, fica sujeito a uma pena de dois anos de prisão correccional; na moldura da proposta, a pena mais alta é de um ano de prisão! É manifesta a disparidade;
b) Comina penas com a mesma moldura para ilícitos de gravidade muito diferentes, situação que não se compreende, sobretudo quando os crimes sejam cometidos com instrumentos especialmente adequados a facilitar e dissimular a sua prática ou como publicidade, e deixar de considerar como crime a captação, registo e divulgação da imagem dos bens de outrem, facto este tantas vezes susceptível de ferir a intimidade privada;
c) Não prevê a incriminação da divulgação, sem justa causa, de factos da intimidade da vida privada do agente, que o sejam, simultaneamente, da intimidade da vida privada de outro ou outros sem o consentimento destes.
A presente lei representa, sem dúvida, uma iniciativa de vulto e aponta-nos um Ministro inteiramente atento às realidades da vida hodierna. Motivo há, pois, para felicitarmos calorosamente o Sr. Ministro da Justiça.
Os homens do foro, e sobretudo os Srs. Juizes, terão possibilidades de a completarem e melhorarem através das suas decisões, pois ela, creio, virá a ter uma estrutura e redacção final que permitirá larga elaboração jurisprudencial e a aplicação em grande medida do critério do julgador.
Tenho dito.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Proponho-me fazer umas considerações muito breves acerca da proposta de lei n.° 27/X, que o Governo, na esteira do movimento internacional que vem procurando dar expressão legal à tutela penal da intimidade da vida privada, acaba de submeter à apreciação desta Assembleia, acompanhada do douto parecer da Câmara Corporativa.
A protecção legal que, autónoma e vigorosamente, se deseja dar com a presente proposta de lei à intimidade da vida privada dos indivíduos resulta de um evoluir da sociedade tecnológica, que, não obstante, os seus rápidos e enormes progressos, nem sempre tem levado na devida e correcta linha de conta os direitos da personalidade humana. Quer isto dizer que ao avanço da técnica em todos es domínios não tem correspondido correlativamente um progresso de ordem moral, ou, melhor, um tão necessário acatamento aos princípios e valores morais e espirituais, que umas vezes são esquecidos quando não frontalmente ameaçados e até violados. Na verdade, o progresso tecnológico, a técnica, parece arrastar consigo a acção corrosiva do desregramento dos costumes ou, pelo menos, condicioná-la. Também neste sector as vitórias do homem sobre a Natureza através da técnica têm o seu reverso, sobretudo quando falta a esse progresso técnico aquele "suplemento de alma" de que nos falava Bergson e que leva a torná-la dura, implacável, desumana e violadora daqueles mais sagrados direitos do homem.
E tal actuação baseia-se numa moral materialista e numa filosofia da história que só tem como principal escopo o êxito e o escândalo obtidos para contestar e até para desprezar as noções do justo e injusto, do verdadeiro e do falso, da moralidade e imoralidade, em suma, do bem e do mal.
Nesta sociedade em que vivemos e que cada vez mais lesta a tornar-se permissiva no capítulo dos costumes e dos desregramentos sexuais, que tende a aceitar com a maior indiferença moral muito do que, ainda há bem pouco tempo, condenava severamente ou se esforçava por dissimular, em que a pornografia, a droga e o erotismo foram alçapremados a um lugar de relevo tristemente corruptor, resultou uma degradação de valores e um sintoma de declínio que não admira merecer especial atenção por parte dos res-