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21 DE FEVEREIRO DE 1973 4609

Condição que também se defende no apoio a esta lei, mas sem esquecer que só as normas morais completam quanto fica fora do raio de acção das normas judiciais.

O Sr. Teixeira Canedo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos proporemos fazer, nesta intervenção, nem a análise histórica nem a justificação ontológica exaustiva da necessidade da tutela criminal do direito à defesa da intimidade da vida privada, pois, para não comermos o risco da desvirtuação, teríamos de reproduzir o que brilhantemente aqui foi dito pelo Sr. Deputado Duarte de Oliveira e o que, com não menos relevância e interesse, é afirmado no douto parecer da Câmara Corporativa e na comunicação feita pelo ilustre advogado Dr. Mário Raposo ao I Congresso da Ordem dos Advogados.
De acordo com Ligi e Musatti, a intimidade é a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, resguardada da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos. (Paulo José da Costa Júnior, O Direito de Estar Só, p. 2.)
O seu valor está precisamente no facto de gerar a independência que, tornando-nos espiritualmente diferentes do nosso semelhante, nos permite valorar as relações sociais.
"Nas actividades em que estamos continuamente expostos a contactos sociais e onde tem lugar um incessante intercâmbio de ideias, tendemos a ficar parecidos uns com os outros graças ao ajustamento mútuo. Este processo de socializar as nossas experiências é salutar desde que seja equilibrado por uma esfera de privaticidade. Sem esta não resta força no 'eu' para resistir à contínua mudança e o indivíduo converte-se numa pilha de padrões descoordenados." (Mannheim, Diagnóstico do Nosso Tempo, citado por Paulo José da Costa Júnior a p. 23 da obra já referida.)
Com excepção para os países totalitários, reconhece-se hoje por toda a parte que a intimidade da vida privada deve ser tutelada no foro criminal fundamentalmente porque, de um lado, a evolução da técnica facilitou extraordinariamente o seu desrespeito e, de outro, porque o homem é cada vez mais o centro e o escopo último do direito contemporâneo.
"O processo de corrosão das fronteiras da intimidade, o devassamento da vida privada, tornou-se mais agudo e inquietante com o advento da era tecnológica. As conquistas desta era destinar-se-iam em tese a enriquecer a personalidade, ampliando-lhe a capacidade de domínio sobre a natureza, aprofundando o conhecimento, multiplicando e disseminando a riqueza, revelando e promovendo novos rumos de acesso ao conforto.
Concretamente, todavia, o que se verifica é que o Propósito dos inventores, cientistas e pesquisadores sofre um desvirtuamento quando se converte de ideia beneficente em produto de consumo. A revolução tecnológica, sempre mais acentuadamente, ganha um dinamismo próprio, desprovido de directrizes morais, conduzido por um cientificismo ao qual são estranhas e mesmo desprezíveis quaisquer preocupações éticas, metafísicas, humanísticas. Torna-se cega e desordenada, subtraindo-se ao contrôle até mesmo dos sábios, que a desencadeiam." (Paulo José da Costa Júnior, O Direito de Estar Só - Tutela Penal da Intimidade, p. 14.)
Pela narco-análise, pelas projecções subliminais e através de ordenadores electrónicos de dados ou de diminutos e perfeitíssimos aparelhos de captação de sons e imagens, a técnica conseguiu abolir a liberdade do pensamento, a inviolabilidade da intimidade da vida privada e do domicílio, o isolamento moral e físico, o sigilo das comunicações e da correspondência, enfim, qualquer segredo mais íntimo dos indivíduos.
A sua evolução e aplicação descontrolada puseram, decisivamente, em crise os direitos de personalidade, nomeadamente o direito à intimidade da vida privada que, não obstante seja para nós o mais importante, até há pouco tempo a quase generalidade dos ordenamentos jurídicos reputavam satisfatoriamente defendido através da defesa dos demais.
É certo, porém, que para este estado de coisas contribuíam a sua difícil conceitualização e as reduzidas hipóteses da sua agressão por processos naturais.
Prevendo já as largas possibilidades negativas da técnica, a Declaração dos Direitos do Homem, proclamava em 1948, no seu artigo 12.°:

Ninguém poderá ser objecto de intervenções arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados à sua honra e à sua reputação. Toda a pessoa tem direito à protecção da lei contra tais atentados.

Outras organizações internacionais, nomeadamente a Comissão Internacional de Juristas e a União Internacional dos Advogados, têm vindo a proclamar princípios perfeitamente coincidentes com aquele artigo 12.°
Todo este movimento de opinião tem vindo a influenciar os ordenamentos jurídicos internos de grande número de países ocidentais, os quais, com maior ou menor largueza, têm procurado dar protecção criminal ao direito à intimidade da vida privada.
Situa-se na linha dessa mesma orientação o projecto de lei que, por iniciativa feliz do Sr. Ministro da Justiça, ora estamos a discutir. Para tutela jurídica do direito à intimidade dia vida privada são nele objectivamente consideradas: as conversas ou comunicações particulares, a imagem e a tranquilidade das pessoas.
De salientar é, desde já, que, concordando com o parecer da Câmara Corporativa, se tenha eliminado, e bem, a exigência, que se verificava no projecto inicial, do dolo específico como elemento típico dos crimes que enunciava; adoptou-se a melhor e mais corrente técnica legislativa e acabou por se propor um projecto de lei com possibilidade de aplicação prática e não apenas teórica.
A conceitualização perfeita do direito à intimidade da vida privada era e continua a ser tarefa difícil, não só pela grande amplitude do conteúdo possível da intimidade das pessoas, mas também da complexidade da delimitação do que seja a sua vida privada perante os valores contrapostos dos direitos de e à informação e de liberdade de acção.