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10 DE NOVEMBRO DE 1982 277

centra-se no campo da sociologia, sexologia e até na religião.
Pergunto: Se uma consulta de planeamento familiar bem orientada não iria diminuir considerável mente o número de abortos e gravidezes não desejadas?
Por outro lado sabe-se que a mortalidade materna é ligeiramente mais elevada na 1.º gestação que na 2.ª ou 3.a. e que os riscos aumentam a partir da 6.» gestação, principalmente devido a placenta prévia, procedência do cordão, rotura uterina e hemorragias post-parto por atonia.
Sabemos, também, que quando a mulher engravida com intervalos muito curtos a mortalidade intra-uterina tardia e neo-natal é mais elevada do que quando o intervalo é de 2 a 3 anos.
Por outro lado convém acentuar que na consulta de planeamento familiar, ninguém obriga a seguir este ou aquele método, apenas se orienta e se aconselha, ficando a mulher ou o casal com inteira liberdade para escolher se deseja ou não ter filhos, quantos e quando.
Julgamos, pois que uma consulta deste tipo bem feita e bem orientada pode conduzir a população portuguesa a ser mais feliz, evitando situações bastante graves, e estou convicto que seria o maior passo para a diminuição dos abortos.
E para terminar este tema. desejo que seja imediatamente revogada a circular normativa n.º 15/81, da Direcção-Geral de Saúde, que impede os menores de 18 anos de idade de frequentarem as consultas do planeamento familiar.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Como se pode impedir que uma mãe solteira de 16 anos vá a essa consulta?

Quanto ao projecto de lei n.º 309/II - Interrupção voluntária de gravidez é, como todos sabem, um projecto controverso.
Como disse no início da minha intervenção, não desejo entrar aqui em polémica, pois ela envolve problemas de ordem moral, política, social e religiosa e depende muito da formação e consciência de cada um.
Como técnico, não posso deixar de dizer aqui aquilo que todos sabem: o aborto existe no nosso país, em número difícil de determinar - 100 a 200000 por ano do comércio do aborto deriva forte rendimento para muitos, que nem sequer pagam impostos, todos sabem onde se fazem e quem os faz. Enfim é praticamente tolerado...
Mas não tem havido coragem política para enfrentar o assunto. Não digo que seja possível resolvê-lo totalmente, pois estou certo que o aborto clandestino, haja o que houver continuará a existir em Portugal como existirá sempre em todo o mundo.
Mas conhecendo nós as grandes razões do aborto, porque não se tenta modificá-las? Será apenas com o Código Penal o remédio para tal situação?
Julgamos que não. pois enquanto não forem resolvidas as graves condições económicas, a falta de habitação condigna, um planeamento familiar eficiente, um Serviço Nacional de Saúde para todos, uma educação cultural e sexual, não iremos, com certeza, ultrapassar o problema.
Julgo que todos somos genericamente contra o aborto. Não há por certo ninguém, deliberadamente a favor, mas só quando se sente o problema real, é que talvez se pense a sério nele.
Que dizer de uma senhora católica praticante, toda devota e que é frontalmente contra o aborto, apresentando todos os argumentos possíveis, - que nos devemos sacrificar, que é injusto sacrificar um ser a quem demos vida, etc.. etc., etc., e que por ter 3 filhos, já fez 2 abortos?!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Essa vai para o inferno!

O Orador: - Quanta hipocrisia há. quando se é contra o aborto com o pretexto de não destruir uma vida e se deixam morrer diariamente milhares de seres humanos com fome, se matam milhares de indivíduos numa guerra ou por simples razões políticas ou religiosas?

Aplausos do PS. do PCP e do MDP/CDE.

Pensemos que somos seres humanos, que somos fracos, e todos, mas todos sem excepção, num momento de desespero, podemos cometer um erro.
Mas haverá alguma mulher que faz o aborto por prazer?
Quanta angústia, quanto desespero, quanto sofrimento, quanto medo e vergonha não sente uma mulher que se dispõe a fazê-lo?
Como médico, já fiz milhares de raspagens uterinas por abortos espontâneos e provocados, já tratei as consequências desses mesmos abortos e tenho sentido bem, todo o sofrimento, o medo e a angústia dessas mulheres.
Será que alguma mulher irá por prazer entregar-se a uma curiosa que lhe introduz pés de salsa na vagina e no colo. ou a uma parteira que lhe introduz uma laminaria, uma sonda metálica ou de borracha, lhe injecta formol ou produtos salinos no útero, ou ainda quando se é mais sofisticado, se sujeita a uma perfuração uterina com uma sonda para aspiração?
Tudo isto já encontrei na minha vida profissional, e por isso sei bem o que custa todo este sofrimento.
E as consequências? Quantas não morrem por hemorragias, por peritonites e pelviperitonites?
Quantas não ficam estéreis e com traumas psíquicos?!
Já fiz uma histerectomia total e recessão de cerca de 1 em de intestino a uma mulher a quem tinham injectado formol no útero.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito haveria para dizer mas se me permitem vou ler o depoimento de 5 mulheres que já fizeram abortos, tendo escolhido estes, por ser cada um uma situação diferente:

1.º caso - Fiz um aborto já há alguns anos. Era solteira e tive o azar de engravidar. Meus pais nada sabiam e eu quando tive a certeza fiquei doida... Não sabia o que fazer. O meu namorado abandonou-me. Perguntei a uma amiga que me aconselhou a ir a uma parteira. Estava grávida de 4 meses. Sofri muito, tive muito medo e muita vergonha. Só eu sei o que sofri quando me dirigi àquela casa.
Felizmente tudo correu bem, embora tenha sofrido muito. Depois de tudo passar senti um grande alívio e voltei a encarar a vida. Confesso que ainda hoje não estou arrependida de o ter feito. Estou casada tenho dois filhos e sou feliz.

2.º caso - Sou divorciada e engravidei. Já tinha 2 filhos e não tinha condições para ter outro. Recorri a uma parteira amiga que me fez o aborto. Senti medo e vergonha mas não tinha outra alternativa. Confesso que às vezes me arrependo, mas outras julgo que fiz o que devia.