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11 DE NOVEMBRO DE 1982 301

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que grande cientista!

O Orador: - As investigações científicas e uma determinada orientação da ciência podem ser utilizadas de determinada forma por V. Ex.ª e podem ter uma outra interpretação totalmente diferente quando são apreciada noutras perspectivas.
De qualquer maneira, em relação à genética, só gostaria que V. Ex.ª olhasse para os seus amigos da África do Sul.

Risos do Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só conhece a África do Sul!

O Orador: - Um outro aspecto que me deixou perplexo é o de que, sendo V. Ex.ª um defensor do personalismo, da liberdade individual, e afirmando-se como tal, queira - e vejo que agora isso é moda no CDS - a partir de questões de ordem demográfica e em nome do impedimento do envelhecimento da nossa sociedade, impor à população portuguesa, nomeadamente às pessoas que não podem ter mais filhos pois não podem sustentá-los, às pessoas que não querem ter mais filhos, que tenham filhos, negar-lhes o acesso ao planeamento familiar e ao conhecimento.
A liberdade para V. Ex.ª não é aquilo que de facto é a liberdade. A liberdade está ligada ao conhecimento da necessidade, está ligada à consciência daquilo que se faz e que se tem de fazer, está ligada ao conhecimento efectivo de tudo o que nos rodeia e daquilo que queremos ou não fazer.
Ora, V. Ex.ª quer sonegar o direito às pessoas de se informarem, de estarem devidamente esclarecidas para então serem livres em toda a plenitude do termo. Isso é claro, na medida em que V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar, bem como toda a AD, apoiarem a proibição de os jovens terem acesso ao planeamento familiar e lutarem para que se acabasse com a educação sexual nas escolas.
Isto demonstra qual é o conceito que têm de liberdade.

Vozes do PCP e do Sr. Deputado César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado Oliveira Dias veio aqui invocar a ciência para fazer o mais anticientífico dos discursos que esta Câmara vai certamente ouvir. Veio aqui. em nome da ciência, contestar exactamente aquilo que esta trouxe à vida da mulher, à vida dos casais e à vida da família...

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.

... e até, Sr. Deputado, à vida das crianças, pois tudo aquilo que a ciência trouxe neste século permite hoje que os casais, as famílias e as crianças encarem o seu futuro com felicidade.
É que antes da ciência fazer este progresso e permitir que os casais pudessem ter acesso aos métodos de planeamento familiar, era a natureza que fazia esse planeamento e as crianças ao nascer morriam ou de fome, ou de tuberculose, ou com rubéola, ou de sarampo, ou por carências económicas, enfim, morriam num planeamento natural de que a própria natureza se encarregava.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a ciência evoluiu, Sr. Deputado. Aplausos do PCP.
A ciência evoluiu e permitiu que hoje a vida da criança seja salvaguardada exactamente a partir desse avanço da ciência e particularmente, da medicina durante este século.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que é que isso tem a ver com o aborto?

A Oradora: - Mas agora vir invocar a ciência para restringir direitos fundamentais dos cidadãos que a ciência nos colocou nas mãos é extremamente grave. Sr. Deputado. Porque uma das coisas mais espantosas que neste século a ciência trouxe foi exactamente a possibilidade de os casais poderem planificar o número de filhos que desejam, de as crianças nascerem felizes e de a maternidade não ser mais uma fatalidade.
Num debate em que participei numa empresa da margem sul, a Setenave, dizia uma operária: «Quando eu nasci éramos 14 lá em casa. Cada vez que nascia mais um, a minha mãe dizia tristemente se ele for doente e não morrer é uma sorte'.» Era assim, Sr. Deputado, porque a sardinha que aquelas crianças comiam tinha de ser dividida por mais uma boca.
É este o conceito de maternidade que os Srs. Deputados querem defender?

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à questão da vida. terei oportunidade de lhe responder amanhã quando começa a vida, mas lembro-lhe que foi em nome dessa pretensa ciência que Galileu foi condenado.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UEDS e de alguns deputados do PS.

Foi nessa altura que. em nome da ciência, se pretendeu que se obrigasse a determinar que era o sol que andava à volta da terra.
A sua ciência, a que aqui trouxe, está a esse nível ainda hoje, apesar de estarmos em pleno século XX.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação ao nosso conceito de família, porque também estamos a falar de família, gostaria de lhe dizer que é o conceito constitucional. E vamos ser sérios e honestos e discutir seriamente os assuntos. Sr. Deputado Oliveira Dias: quando aqui, há uns anos. debatemos, aquando da alteração ao Código de Família, a Lei do Divórcio, os deputados do CDS deitaram as mãos à cabeça e disseram: «Ai, Jesus, que estão a dar cabo da família, estão a liquidá-la!», mas o que é certo é que aqueles Srs. Deputados do CDS que aqui falaram contra isso, passados dias. estavam divorciados.
Foram os primeiros a utilizar a lei.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP, de alguns deputados do PS e do Sr. Deputado Amadeu dos Santos, do PSD.