O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE NOVEMBRO DE 1982 305

um reaccionário. Mas terá de responder-me concretamente a esta matéria.

Ainda um outro ponto: como V. Ex.ª sabe, há em todas as legislações o instituto da legítima defesa - e mesmo o próprio direito natural que não apenas o direito positivo -, que admite que em certos casos, naturalmente limitados, é lícito tirar uma vida para salvar outra.
No caso do aborto, V. Ex.ª não admite, nem ao menos num caso extremo, a necessidade, com certeza em condições especiais - porque eu sou a favor do aborto, mas do aborto em casos específicos -, em que está em causa a vida da mãe de se poder proceder à interrupção voluntária da gravidez para se salvar essa vida?
É em relação a estes pontos concretos que me permitia solicitar a V. EX.ª uma resposta igualmente clara e concreta.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Deputado Oliveira Dias e meu excelentíssimo colega, vou ser breve até porque muito do que tinha pensado dizer-lhe já foi dito.
No entanto, não posso deixar de lhe dizer que o Sr. Deputado Oliveira Dias trouxe para a abordagem deste assunto uma pretensa discussão científica.
Peço desculpa pela palavra «pretensa» porque, de facto, estamos nesta Assembleia a discutir assuntos que, entre médicos, teriam outro teor e outra forma de discussão.
E faço esta afirmação dizendo-lhe o seguinte: ouvi atentamente a sua exposição, compreendi não totalmente alguma pane porque não sou especialista de genética, mas, tal como V. Ex.ª, sou formado em Medicina pelo que entendi o suficiente do que quis dizer.
No fundo, estamos a falar de métodos de contracepção, de planeamento familiar que, como todos os métodos em medicina, como todos os métodos científicos, têm indicações e contra-indicações.
Para simplificar, direi que é do conhecimento de nós, médicos, e de muitos que o não são, que, por exemplo, um simples comprimido de aspirina pode provocar uma hemorragia gástrica, uma hemorragia digestiva, e matar ou pôr em sério risco o doente. Todavia a aspirina toma-se largamente.
Quando o Sr. Deputado traz para aqui uma descrição pormenorizada da acção de determinados métodos contraceptivos desloca completamente a discussão deste problema.
Não quero dizer que o tivesse feito intencionalmente, mas é bom que esta Assembleia o reponha no seu devido lugar e denuncie abertamente este facto.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da UEDS.

Para terminar, recordo um facto passado comigo, quando eu era ainda um jovem interno iniciando a minha carreira hospitalar, facto que me marcou profundamente e que espero não volte a acontecer a nenhum dos meus jovens colegas que iniciam a sua vida hospitalar.
Quando um dia ouvia a história de um doente - um camponês - que se encontrava na cama de um hospital, perguntei-lhe, como é habitual, quantos filhos tinha, como era a sua família. E ele disse-me: «A minha mulher teve 14 filhos, mas agora só tenho S porque isto de filhos morre muito.»
É preciso que isto se não volte a ouvir!

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP, da UEDS e da deputada Natália Correia, do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, não ponho, de forma nenhuma, em causa a sinceridade das opiniões que exprimiu.
Simplesmente a questão que se me põe em relação a essas opiniões é a seguinte: em que medida é que as opiniões de V. Ex.ª, por mais respeitáveis que sejam, se devem tornar regra geral universal de vida, se devem transformar em instituto penal tutelado com penas criminais pelo Estado?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É isso mesmo!

O Orador: - Esta é a questão fundamental.
Não vou discutir um único dos pontos que V. Ex.ª tratou. No plano científico, não tenho nenhuma capacidade para os discutir, embora os conheça com a superficialidade que me dá a minha formação essencialmente jurídica.
A única questão é esta: ninguém obriga - e seria uma violência intolerável se assim fosse - à contracepção. O que se dá é o direito à contracepção!
Ninguém obriga ao divórcio! O que se dá é o direito ao divórcio!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ninguém obrigará à interrupção voluntária da gravidez! O que se dá. em certos casos, é a capacidade do exercício desse direito!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com que à-vontade é que eu poderia impor as minhas próprias convicções e dizer: o Estado deve punir criminalmente aqueles que em determinados momentos não pensam como nós?
Este é um ponto da sua intervenção que me merece crítica!

Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Um outro ponto da intervenção do Sr. Deputado que me merece crítica - e aí já falo com alguma autoridade - é o seguinte: posso assegurar-lhe a si e à Câmara que entre dizer certas coisas e fazê-las vai um passo muito longínquo.
A minha actividade nos tribunais e o conhecimento que tenho da maneira como se exerce a justiça em Portugal leva-me a dizer-lhe com franqueza que nesses aspectos, que não noutros, antes e depois do 25 de Abril, os nosso tribunais, que conhecem bem a realidade, são, de um modo geral - há excepções, e más excepções - bons e compassivos.
E a proibição da interrupção voluntária da gravidez ou a proibição de métodos anticoncepcionais seria uma lei que desprestigiaria o Estado porque este não conseguia fazê-la cumprir.