19 DE NOVEMBRO DE 1982 463
Daí que já não surpreenda o apuramento contabilístico que hoje é possível fazer de tal actividade e a quanto monta o seu contributo para o défice da balança de transacções correntes. Diz-se que é de uns largos milhões de dólares!
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se vai lá.
Hoje trago aqui mais um exemplo de como a política deste Governo não serve, arruina o país e nos vai legar uma herança de custos de recuperação incalculáveis.
Refiro-me, neste caso, à política que tem sido seguida pelo MACP. com incidência muito especial na sua Secretaria de Estado do Comércio, que depois das célebres importações de bananas e do bacalhau, chegou agora à do arroz, a ver qual das operações levanta maior escândalo e levava às maiores suposições.
Daí que não espante o défice da nossa balança agrícola, que de 1970 a 1980, passasse de 580 000 contos, par 52 milhões de contos, isto é, 90 vezes mais e do quantitativo global da nossa importação de bens alimentares, que passou de 33 milhões, em 1977, para 81 milhões, em 1981. E isto tudo perante a impávida atitude de um Ministério que em termos de aumento e protecção à produção nacional se limita a retirar as terras à gestão do colectivo dos trabalhadores na zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA), mesmo quando bem geridas, e a fazer publicar 3 volumes que dão pelo nome de Plano de Mudança da Agricultura* onde é, e quase apenas, caracterizado, até à exaustão, um sector que de há muito está mais que caracterizado.
Sabendo-se, como se sabe, que existe uma necessidade imperiosa e urgente de acelerar o ritmo da produção interna e que isso é possível, até porque as nossas produções unitárias são das mais baixas do mundo e que até existe um país - a Grécia - com dimensão e características mesológicas semelhantes às nossas, que o conseguiu, podendo nós hoje afirmar que quando atingirmos os níveis de produtividade física (por hectare ou por cabeça de gado) das principais produções vegetais e animais desse país. a nossa balança comercial agrícola quase não acusará défice deparamo-nos com um Ministério cuja vocação principal é a importação. Veja-se o caso da cebola, veja-se o caso da cónica, veja-se agora o caso do arroz.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: É precisamente a propósito das importações de arroz, que ninguém explica como se fizeram, em que quantidades e qual o relacionamento das mesmas com a não afectação da produção nacional, que sou obrigado a levantar hoje aqui, estas questões e a pugnar pelo esclarecimento transparente deste importante acto da Administração Pública.
É que, se nem em toda a zona produtiva a afectação atingiu o mesmo grau de preocupação, fala a experiência, e os acontecimentos aí estão a prová-lo, na «zona norte» e mais propriamente no Vale do Mondego, tem-se como certo que o factor importação está a ser determinante na falta de procura por pane dos industriais quanto à oferta por parte dos agricultores da região.
Isto tudo dada a tal obsessão da libertação da sociedade civil que de vez em quando, a pretexto da entrada na CEE, lá vem mais uma vez com a liberalização do comércio dos cereais. Daí que, no ano transacto se tenha feito constar que a importação de arroz também se iria liberalizar, atribuindo as cotas de importação aos industriais, de acordo com a sua intervenção no mercado interno. Foi, como se deve compreender, a corrida desenfreada e especulativa à colheita de 1981, por parte dos mais poderosos (perder hoje, se for caso disso, para o
ganhar todo amanhã). 13 industriais adquiriram 80 % da produção nacional. Consequência disso: os restantes industriais, através da sua associação (ANIA), onde predomina a Arrozeira do Norte, pressionaram o Governo, através da administração da EPAC, para a importação.
Entretanto, segundo o Sr. Secretário de Estado do Comércio, o Governo, depois de Janeiro, vai rever o preço de venda e como a laboração do arroz nacional da companha de 1982, antes dessa data, originaria mais encargos para o Fundo de Abastecimento, foi determinado pelo Despacho n.º 20/82, da sua autoria, «que o abastecimento ao país se efectue com base em arroz importado».
Daí que os agricultores de uma vasta zona como é o Vale do Mondego, onde a cultura do arroz foi a única alternativa a que as condições de encharcamento do Vale os obrigou a recorrer e que, por isso mesmo, os levou a beneficiar do subsídio de compensação em relação aos seus colegas do sul, já este ano fixado pelo Governo nos insuficientes 14 400$ por há, estejam a viver a situação não menos dramática do escoamento da sua produção para um mercado que não procura, enquanto o Governo se limita a fixar um preço de garantia nos 20S70 (com entrega à EPAC), quando no ano transacto ninguém vendeu a um preço inferior aos 25$/kg.
Não se pretende que o Estado seja patrão ou seja pai. exige-se, sim. que regulamente as relações entre as partes (onde está uma lei da concorrência?) e que accione os mecanismos necessários à defesa e fomento da produção nacional.
As contas de cultura apresentadas tanto pela EPAC. como pelos serviços regionais do MACP, são até superiores àquelas apresentadas pelas organizações dos agricultores do Baixo Mondego; como se compreende então que, reivindicando estas 26S50 como preço de garantia, vá o Governo fixar 20S70, sabendo este de antemão que o mercado, pelas razões atrás expostas, não iria ter a mesma agressividade do ano transacto?
Já não chegava a estas gentes do Baixo Mondego a adversidade do meio físico, onde o desleixo e a incúria de outras gentes deixou que o basófias do Mondego por tanto tempo desvastasse uma das várzeas mais do país. senão mesmo do mundo, a que apenas terá valido o engenho e a arte dos agricultores que souberam romper com ancestrais hábitos de cultivo, para inventarem outros métodos e adaptarem outras tecnologias para, a partir de uma estrutura predial de. em média. 0,32 ha por prédio para cada proprietário tudo, em média, 5 prédios para uma média de 1,6 ha de área por exploração, passarem a fazer o arroz como única alternativa possível em tal meio, ainda que sujeitando-se às 3,6 t em média de produção, dadas as também desfavoráveis condições climatéricas (temperaturas médias inferiores aos 18º-22º na época de floração e o grande número de dias de nevoeiro matinal).
Se a juntar a tudo isto tivermos em consideração os inevitáveis contratempos e prejuízos ocasionados com as obras de regularização do Vale que ali decorrem e a opção governativa quanto ao futuro próximo de tal zona (ver p. 26, volume 1, do Plano de Mudança da Agricultura: «[...] O arroz, apesar das condições climatéricas não permitirem elevados rendimentos unitários, é a única alternativa cultural nos solos mal drenados e salinos do Baixo Mondego e do Baixo Vouga [...]»).
Aquelas gentes estão revoltadas e ninguém as pode acusar de, com a sua luta, pretenderem atingir quaisquer objectivos políticos, já que a indignação é geral e o suporte económico de toda aquela comunidade assenta