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466 I SÉRIE -NÚMERO 14

a viver a cada um consoante a sua natureza e a graça de Deus.

Esta vivência interior do pensar - uma das mais belas provas contemporâneas da força existencial e da fecundidade espiritual do casamento - manifestou-se de mil maneiras, como para demonstrar a verdade da palavra de Gilson ao chamar a Maritain um «aventureiro».
Nenhum aventureiro se preparou tão bem (ou pelo menos melhor do que ele) para a sua aventura. Nenhum pensador contemporâneo - pelo menos entre aqueles que consagraram boa parte da existência à vida ao conviver, levou tão longe como Maritain o cuidado de preparar o equipamento para a viagem: antes de tudo. conhecer exactamente o terreno de onde partia - não fosse acontecer-lhe o que Chesterton dizia da sua própria aventura: «descobrir o que sempre estivera descoberto ...».
Maritain acreditava na consistência do real: não apenas do real absoluto, do ser perfeito, fonte soberana de todo o ser e de toda a lei: mas do real contingente, todos esses objectos individuais, em que a inteligência encontra alimento e desejo.
Mas acreditava também na própria capacidade do ser humano para conhecer o existente e o possível, e encontrar nas relações espacio-temporais sinais de uma inteligência eterna.
Político, Mantain foi-o por ser filósofo. Porque via na política a forma histórica entre todas adequada ao existir humano.
Porque entendia que a vida política tinha de ser racionalizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou permitir-me reunir a seguir alguns pequenos passos de Jacques Maritain para provar o que acabo de dizer.
Escrevia Maritain em Lhomme et l'état»: Há duas maneiras opostas de compreender a racionalização da vida política. A mais fácil, que não conduz a nada de bom, é a maneira técnica ou artística.» A mais exigente, mas com valor construtivo e progressivo, é a maneira moral. Racionalização técnica, por meios exteriores ao homem; ou racionalização moral, por meios que são o homem em si mesmo, a sua liberdade e a sua virtude, tal é o drama em que a história do homem se envolveu.
O verdadeiro livre-arbítrio é a consciência no acto de aplicar os princípios, e não quaisquer noções abstractas residentes num céu platónico ou num dicionário de casos jurídicos.
A Declaração Internacional dos Direitos, publicada em 1948, pelas Nações Unidas, claramente mostrou que não é fácil mas é possível estabelecer uma formulação comum das conclusões práticas, ou, por outras palavras, dos diversos direitos que o homem possui na sua existência individual e social. Seria, porém, demasiado fútil tentar achar uma comum justificação racional dessas conclusões práticas e desses direitos.
Embora um cristão e um racionalista acreditem ambos na carta da democracia, justificá-la-ão de modos entre si incompatíveis, e nessas justificações empenharão a alma, o espírito e o sangue - e por causa disso se hão-de bater. E Deus me livre de dizer, que não interessa saber qual dos 2 tem razão! Interessa essencialmente, apesar de tudo, sobre a afirmação prática dessa carta ambos estão de acordo, e podem formular em conjunto princípios comuns de acção.
A única racionalização autêntica da vida política, ou, por outras palavras, a mais alta realização terrestre de que o animal racional é capaz neste mundo é a democrática.
A democracia leva em frágil barca a esperança terrestre, o que se poderia chamar a esperança biológica da humanidade. E certamente frágil essa barca e não estamos senão no começo da experiência.
E, seja como for, a verdade é que a democracia é o caminho único por onde passam as energias progressivas da história dos homens.
Do mesmo modo, podemos medir as responsabilidades que pesam sobre a democracia. Medir a importância única, dramática do problema do fim e dos meios para a democracia. No processo de racionalização moral da vida política os meios devem, necessariamente, de ser morais. Para a democracia a utilização de meios radicalmente incompatíveis com a justiça e a liberdade seria, proporcionalmente, um acto de autodestruição.
É possível que o curso presente e futuro da história humana coloque as democracias em face de temíveis provas e alternativas fatídicas. Poderiam então sofrer a tentação de perder a razão de viver, a fim de assegurar a própria vida. Como disse Henri Bergson, o sentimento e a filosofia democráticas têm no Evangelho as suas raízes mais profundas.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Que estas palavras de Jacques Maritain. que foram aqui trazidas num feixe rapidamente organizado, sejam a melhor homenagem que hoje se possa prestar ao grande filósofo no centenário do seu nascimento.

Aplausos do PPM, do PSD, do CDS e do deputado Magalhães Mota (ASDI).

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Magalhães Mota e Raul Rego.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria, antes de proferir o meu curto pedido de esclarecimento, deixar de me associar às palavras do Sr. Deputado Barrilaro Ruas.
Penso que para nós, portugueses, pelo menos para alguns de nós, a importância de uma figura como a de Jacques Maritain, não pode deixar de ser recordada nesta Assembleia. Maritain foi, aliás, um dos grandes nomes da cultura universal, objecto da censura durante pelo menos alguns anos do regime anterior ao do 25 de Abril.
Assim, gostaria de anotar 2 ou 3 aspectos. O primeiro, a importância do pensamento de Maritain como um dos pensamentos que esteve na origem da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Antes dessa discussão e da aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas da referida Declaração, Jacques Maritain foi chamado a escrever um livro precisamente sobre esta matéria, livro esse que influenciou profundamente a elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Alguns de nós foram também naturalmente influenciados por leituras, como a do Humanismo Integral ou a do O Homem e o Estado, e creio que nenhum de nós poderá esquecer, reste momento e neste lugar, que um homem como Jacques Maritain, por fidelidade à Igreja, é certo, foi capaz de se afastar do maurrasianismo e de entender como uma filosofia, que ele foi capaz de assumir integralmente, o levava a afastar-se não só das posições de Maurras como até das posições liberais e a criticar o liberalismo com toda a força de uma afirmação como esta de que a religião transformada em problema privado fez