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19 DE NOVEMBRO DE 1982 465

lhau, produziu uma operação do mesmo género, lembra-me o ditado, que se costuma dizer na minha terra: «Cesteiro que faz um cesto faz um cento.» De facto, a vocação dele é esta. «Amanha-se», - é a expressão que se utiliza na minha terra- e, se ninguém lhe contraria esta vocação, vai continuar a proceder sempre da mesma maneira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Moniz tinha feito sinal à Mesa para usar da palavra. Para que efeito é, Sr. Deputado?

O Sr. António Moniz (PPM): - Era para fazer um protesto em relação às palavras proferidas pelo Sr. Deputado Guilherme dos Santos, mas prescindo.

Vozes do PS: - Estão caladinhos que nem ratos!

O Sr. António Moniz (PPM): - Não. É que o que eu queria dizer é que os senhores não ouviram a intervenção que fiz há alguns dias e que foi construtiva e não demagógica!

Vozes do CDS: - Exacto!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passa hoje o 1.º centenário do nascimento de Jacques Maritain. O Grupo Parlamentar do PPM considera justo dedicar-lhe algumas palavras, sob a forma de declaração política, tal é a importância do pensamento e da obra de Maritain para a política contemporânea.
Antes de mais oferecerei a VV. Ex.ªs alguns indícios externos do que representa o lugar excepcional de Jacques Maritain na cultura moderna:

As Edições Universitárias de Friburgo (Suíça), estão neste momento a lançar a edição das Obras Completas de Jacques Maritain, juntamente (como foi desejo do escritor), com as de sua mulher, Raïssa; serão 15 volumes de 1000 2000 páginas, cada um:
Do comité de patronage dessa edição fazem parte, entre muitos outros nomes ilustres, Léopold Senghor. Rafael Caldera, Maurice Shumann, Jean Guitton, os cardeais Kõnig, Garrone e Hume, os reitores da Universidade Gregoriana e do Instituto Católico de Paris;
Existe, já há anos, além do Círculo de Estudos Jacques e Raïssa Maritain. o Instituto Internacional Jacques Maritain, com sede em Roma, e em ligação com o qual vai ser fundado, por estes dias, entre nós. o Instituto Português, aberto a todos os estudiosos da obra do grande filósofo;
Foi Maritain um dos raríssimos leigos a participar nos trabalhos do Concílio Vaticano II (por escolha pessoal do papa Paulo VI), sabe-se que o mesmo Pontífice chegou a pensar fazê-lo cardeal, o que teria constituído caso único nos anais da Igreja dos últimos séculos.

Se trago hoje aqui diante de VV. Ex.ªs a memória deste homem, não é simplesmente. Srs. Deputados, por um gosto mais ou menos discutível de assinalar efemérides. É porque julgo que Jacques Maritain, foi um dos filósofos deste século que mais funda marca pessoal deixaram nas Ciências Humanas, e muito especialmente nas Ciências Políticas e Jurídicas - e até na prática política de que todos participamos.
Étienne Gilson - porventura o maior historiador da filosofia do nosso tempo - chamou a Maritain «um grande aventureiro do espírito».
Essa aventura existencial, que durou 90 anos, e, por 60, teve expressão pública, começou, no dealbar do século XX, por fervorosa adesão ao intuicionismo de Henri Bergson, que por momentos lhe pareceu dar resposta ao vazio interior que trazia do agnosticismo dominante na sua geração e nas imediatamente anteriores. A abertura ao problema religioso, em parte devida à fé judaica de Raïssa, culminou, para ambos, numa clamorosa e profunda conversão ao cristianismo, início de um catolicismo militante, e simultânea com a descoberta do tomismo, que, curiosamente, havia de levar Maritain, por algum tempo apenas, a aceitar as teses monárquicas, então identificadas, em França, com Charles Maurras, um Maurras provisoriamente triunfante numa grande parcela da inteligência. Foi a condenação da «Action Française» pelo papa Pio XI, que, afastando definitivamente Maritain do magistério de raiz pagã e positivista de Maurras, lhe abriria os seus próprios caminhos, numa consciencialização e vivência muito pessoal da filosofia tomista. que cada vez lhe aparecia como a mais perfeita e acabada expressão da Filosofia Perene iniciada por Aristóteles.
Inteiramente tomista, Maritain não se ocupava - como ele próprio escreveu - «com um tomismo arqueológico, mas sim com um tomismo vivo». A paixão que punha em todas as suas atitudes, ainda, e sobretudo, as mais fundadas em razão, levava-o a dizer: «O que do tomismo esperamos, na ordem especulativa, é a salvação actual dos valores da inteligência; e, na ordem prática, a salvação também actual (na medida em que pode depender da filosofia) dos valores humanos.»
De posse do instrumento adequado à compreensão do real, Maritain julgava-se preparado para traçar as vias naturais da intervenção do homem contemporâneo nos domínios da história, que são, antes de tudo, os domínios da política. Toda a possibilidade de transformação das situações históricas, todo o progresso do homem, dependeria da equação intelectual entre as coisas e as inteligências: as coisas, com seu mistério ontológico; as inteligências, lançadas no sempre renovado ensaio de exprimir esse mistério.
Pensador profunda e sistematicamente metafísico (e foi André Malraux. quem anunciou o advento de uma nova idade metafísica, como única saída para a civilização ...), nada aproxima a filosofia de Jacques Maritain das correntes existencialistas que marcaram a Europa do após-guerra. Nem por isso. porém, é menos verdadeiro o que dele escreveu Olivier Lacombe, um dos seus últimos companheiros sobreviventes: «A obra de Jacques Maritain é um fruto de vida.» E ninguém poderia explicar em termos mais claros e concretos o significado desta afirmação do que a própria mulher do pensador: eis o que Raïssa anotou no seu diário:

Tudo o que pertence à obra de Jacques foi primeiramente por nós ambos vivido em estado de dificuldade vital, em estado de experiência - as questões da arte e da moral, da filosofia, da fé, da oração, da contemplação. Tudo isso começou por nos ser dado