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940 I SÉRIE - NÚMERO 26

Face a este condicionalismo constitucional, o Governo podia, assim, escolher uma de duas vias legislativas: apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei ou pedir a necessária autorização para legislar sobre a matéria.
Foi este último o processo adoptado e por forma, a nosso ver, pouco feliz. De facto, a proposta de lei n.º 106/II, na usura dos seus dois únicos amigos, nem sequer preenche os requisitos constitucionais, por falta de uma clara definição do objecto, sentido e extensão da solicitada autorização legislativa.
Pedir «autorização para legislar sobre o património cultural português», sem mais explicitações ou detalhes, sem bússola de orientação nem marco; que balizem a extensão do pedido, constitui o que poderíamos chamar um acto de mendicidade à Assembleia, ou a passagem de uma espécie de «passe cultural» ao Governo.
É o menos que se poderá dizer face à pobreza franciscana da proposta de lei n.º 106/II.
E é pena. É pena sobretudo porque, em matérias como as que respeitam ao património cultural, em regra se encontram todos os bons espirituais: em regra ainda os confrontos de ideias não se dão para apuramento de vencidos e vencedores, porque na batalha da cultura há um único inimigo comum a abater que é o obscurantismo e uma única bandeira a erguer que e a da libertação do homem, nunca possível nem manu militari, nem mesmo pelo braço da economia, mas sempre e sobretudo através do espírito em movimento, da cultura em acto.
Esta nossa maneira de ver as coisas, apontaria para um debate alargado sobre o tema em causa. O Ministério da Cultura e Coordenação Científica funcionaria, então, na proporá longínqua do seu titular, como o «pivô de uma acção conjunta».
Haveria participação, logo co-responsabilização.
Por fás e por nefas, tal não foi querido. Teremos, naturalmente, que tirar daí as necessárias consequências políticas.
Dir-se-á que a secura da proposta de lei n.º 106/II, se acha temperada com um anexo através do qual o Ministério da Cultura e Cordenação Cientifica nos dá conta da forma, e conteúdo que pretende dar a uma futura lei sobre a defesa do património cultural português na sua dupla expressão de património construído e de património natural, documento de trabalho que se expõe tanto aos cómodos «assim veja» como às incómodas criticas ou às suaves podas de formação.
Só que os ouvidos de mercador são sempre de recear e se não nos tememos muito de um ministério aberto e à altura de honrar compromissos assumidos como o Ministério da Cultura e Coordenação Científica, a verdade é que os decretos-leis não são éditos de um ministro, mas actos legislativos de um Governo em relação ao qual é risco sério «vender» fiado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar das reservas que entendemos dever fazer sobre e processo legislativo em curso, a nossa atitude não é sinónimo de rendição e a prova disso é que estamos presentes no debate: não só interessados e atentos, mas também intervenientes.
A nossa primeira chamada do atenção vai para o conteúdo do Despacho n.º 16/82, de 8 de Fevereiro, subscrito pelo Sr. Ministro da Cultura e Cordenação Científica.
Nele se reconhece a urgência da organização sistemática da legislação sobre o património.
De facto, desde o Decreto de 19 de Novembro de 1910 - e iítc1 para apenas falarmos da legislação republicana - contam-se por muitas dezenas os diplomas que ao património cultural e à sua defesa se referem o que, por si só, justificaria o esforço de coordenação de tão numerosa legislação avulsa, parte da qual se acha revogada ou simplesmente ultrapassada nos seus conceitos e condições de aplicação.
Têm razão as associações de defesa do património cultural e natural quando, no seu segundo encontro nacional, em Braga, afirmam que o regime legal vigente se caracteriza pela «dispersão, descoordenação, insuficiência e inadequação de grande parte dos seus conceitos e disposições, não passando de um conjunto informe e desajeitado de diplomas que, actualmente, têm mais valor histórico que propriamente jurídico.
Assim, começar por uma lei de bases do património a regulamentar posteriormente, seria o mais indicado e foi isso que se ordenou através do citado despacho n.º 16.
Iniciativas legislativas neste domínio e com idênticas objectivos tinham sido já desencadeadas nesta Assembleia. Refiro-me ao projecto de lei n.º 442/I, sobre o Regime Jurídico do Património Arquitectónico, Histórico, Artístico e Cultural, de deputados do COS, e ao projecto de lei n.º 452, sobre Protecção do Património Cultural e Natural, de deputados do agrupamento parlamentar de Reformadores.
Independentemente do juízo de valor que o conteúdo desses projectos nos pudesse merecer, apraz-nos registar que o intuito assinalado pelos seus subscritores era o da elaboração, a partir deles, de uma lei de bases sobre o sistema de defesa e protecção do património cultural, desenvolvendo os respectivos articulados os princípios orientadores para posterior regulamentação, ao longo de 19 artigos no projecto do CDS e de XIV bases no projecto dos Reformadores.
Voltando ao Despacho n.º 16 do Sr. Ministro da Cultura e Cordenação Científica, verifica-se que nele se contém os princípios orientadores enunciados sintética mas densamente, ao longo das suas 7 alíneas, a ter em conta no projecto de lei de bases a elaborar.
Só que o projecto de decreto-lei que nos é apresentado em anexo à proposta de lei n.º 106/II, em discussão, nos seus numerosos 52 artigos, não pode reclamar-se de um projecto de lei de bases, por ter caído em excelsos de regulamentação, por um lado, e não cobre também, por outro lado, todas as situações que em desenvolvimento de uma lei de bases se mostraram carecidas de regulamentação.
Pecou-se, assim, por excelso, à luz do despacho que o orientou e por deficiência, face às realidades carecidas de adequada regulamentação.
Esta é um primeira nota crítica que sublinhamos em relação ao projecto do decreto-lei em apreciação.
Uma sumária leitura do seu articulado é suficiente para que possam respigar-se dele a pectos positivos, que inegavelmente contém, mas também muitos outros carecidos de aclaração ou de complementarização do nosso ponto de vista, naturalmente.