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954 I SÉRIE-NÚMERO 27

do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, do MDP/CDE e da UEDS e com a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Prosseguindo na nossa discussão, tem a palavra o Sr. Deputado Larcher Nunes.

O Sr. Larcher Nunes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se o poder materializa a sociedade em Estado, a cultura é um dos mais vigorosos elementos de materialização da sociedade em comunidade. Esta funda-se pois naquela e ao adquirir a intemporalidade identifica-a.
Não merecerá, pois, discussão o saber do dever a fazer sobreviver, reviver, projectar e desenvolver o património cultural entendido no seu sentido mais lato.
Srs. Deputados, este dever tem sido infringido, malgrado os esforços realizados por alguns. Batida por vagas fortes de intempérie, votada ao esquecimento, essa herança que nos foi legada com o dever de transmissão tem sofrido um visível empobrecimento.
As normas positivadas desde o decreto de D. João v, que previa a salvaguarda das antiqualhas do Reino não tem sido suficiente para superar a destruição.
No presente, assumindo quer a forma passiva de incúria de impreparação e de ignorância, quer a adversidade positiva do surto demográfico e do lucro fácil, adiciona-se-lhe, por vezes, o desinteresse e mesmo a cumplicidade de certos titulares de entidades públicas facto que não pode deixar de merecer uma vigorosa reacção.
Os serviços públicos encarregados do património, ainda que contando pessoas dedicadas, são insuficientes e os primeiros a lamentarem a sua incapacidade de chegar a todos os pontos a que seria necessário.
São de todos conhecidas certas situações. Ainda há poucos dias recebi uma resposta esperançosa a um requerimento sobre a instalação do museu de Leiria de que algumas peças continuam a apodrecer no chão térreo. Mas já é decerto tarde para salvar, por exemplo, azulejos hispano-árabes que foram há uns anos no entulho, durante obras realizadas nas instalações onde se encontrava armazenado, o mobiliário apodrecido irrecoperavelmente e a pintura sobre vidro partida.
E permita-se-nos aqui referir também a título exemplificativo do património arquitectónico, a antiga igreja, do convertido em moagem, Convento de S. Francisco, em Leiria, cuja recuperação só agora se vai iniciar; a Quinta dos Marqueses de Belas, antiga residência real, cujo processo de deteriorização se vai acentuando, para não falar já do tão citado caso de Tibães ou do, transformado em aviário do exército, Convento dos Capuchos de Leiria, de que foram levantadas tampas sepulcrais nos claustros para plantar couves nos canteiros que outrora religiosamente haviam sepultado os frades.
Para alguns dos mais familiarizados com a legislação do património, a técnica tornou-se mesmo em permitir a destruição pelo mero abandono, por vezes com criminosa ajuda, para deixar de se justificar a classificação e a consequente protecção. Á política do facto consumado é hoje, neste campo, uma realidade infelizmente consagrada: depois da destruição invoca-se a inutilidade da classificação e consuma-se legalmente o que já fora preparado materialmente.
Srs. Deputados, não nos podemos iludir. Á verdade é que dez anos como estes últimos são passíveis de fazer quase desaparecer o pequeno património que faz a riqueza do nosso país.
E se referimos aqui o pequeno património, fazemo-lo porque os grandes monumentos, esses - supomos - não oferecem dúvidas na sua preservação.
Mas em Portugal o património não se consubstancia apenas nos grandes edifícios, assumam eles a grandeza dos Jerónimos, Alcobaça ou Batalha; em Portugal o património identifica-se também profundamente com a alma e a gentes, nos pelourinhos e nos cruzeiros, nos solares e nas habitações rurais, nas igrejas e nas capelas, na azulejaria e nas pedras armoriadas, nos arquivos e nas bibliotecas, no artesanato e no folclore, nos quarteirões contemporâneos e na arqueologia industrial.
Em Portugal o património é um pouco de todos nós que se vem esculpindo por formas variadas ao longo de uma demorada evolução.
Foram, aliás, situações como as supra mencionadas que vieram a traduzir-se, por forte reacção comunitária, no aparecimento de numerosos pequenos grupos de preparação assimétrica cujo objectivo é propugnar pela defesa dos valores históricos e culturais das suas regiões.
A defesa do património assume hoje, assim, por vezes, o carácter de polémica aguerrida entre quem sofre com sensibilidade a morte do irrecuperável, e indivíduos e entidades para quem outros escalões de interesse superam estes valores.
Conhecemos as dificuldades do Estado, das autarquias e dos particulares e julgamos que devemos pesá-las no equilíbrio das realidades, sendo esse também um aspecto que, a fim de evitar mais profundas fricções, qualquer lei base deve considerar e que a legislação complementar deve regulamentar, sob pena de ficarmos nos belos princípios... sabemos dos poucos recursos dos proprietários públicos ou privados e dos ónus impostos sem compensação.
Da situação a que se chegou permita-se-nos referir aqui dois casos que pela proximidade nos estão ligados. O caso já aqui falado da Torre de Tombo, cujas precárias condições são de todos conhecidas e em cujas instalações um incêndio faria desaparecer oito séculos de história sem meios de defesa adequados e para o qual só recentemente se começou a olhar em termos de eficácia, e Museu desta Assembleia, de que outro dia tive oportunidade de ver a principal estátua com os seus metros de altura, de gesso, à chuva, num depósito ao ar livre onde permanece desde que daqui foi levada.
Srs. Deputados, é neste contexto que surge o pedido de autorização legislativa acompanhado pelo projecto de decreto-lei que se propõe substituir a desordem normativa existente e o fulcro desse sistema, o Decreto n.º 20985, de 7 de Março de 1932, que prestou serviços importantes, é justo reconhecê-lo, mas cuja desactualização face às realidades se fazia, havia muito, sentir.
Ora, sendo esta uma questão em que supomos estar todos de acordo quanto ao fim, convém que observemos cautelosamente os meios.
Assim, merecem com certeza a nossa atenção e reflexão o conceito de consagrar o património e o alargamento da sua responsabilidade; a nova tipologia classificativa; as medidas de fomento e preservação e sanções adoptadas.
A primeira inovação é, com efeito, o alargamento do conceito de património cultural, no qual se englobam expressamente, pela primeira vez entre nós, os bens imateriais.
Por outro lado, a expressão «cultura portuguesa», permite que, numa lei condicionada por natureza à apli-