1194 I SÉRIE - NÚMERO 35
Bem o meu partido alertou a Comissão de Administração Interna e Poder Local dos graves inconvenientes do congelamento da lei quadro da criação de autarquias, bem o meu partido solicitou a convocação de tal Comissão para que, nesta data, fosse possível discutir o problema de Vizela à luz da pretendida lei quadro.
É verdade que a existência da lei quadro não era elemento essencial para a discussão do projecto de lei de Vizela, pois em 11 de Maio tinha sido esclarecido, pelo vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Sr. Dr. Sousa Tavares, e pelo próprio Presidente da Assembleia da República, que «de qualquer maneira», dentro de 60 dias, seria novamente objecto de discussão e votação. Mas o PPM pretendia que a publicação de tal instrumento legal evitasse argumentos já mais que discutidos, que, apesar de tudo, não obstaculizaram a criação do concelho da Amadora. Apesar de tudo, o PPM pretendeu a marcação do projecto da lei quadro para este dia, tendo esse objectivo sido contrariado em sucessivas conferências de líderes parlamentares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da lonjura da província e do sofrimento das suas populações apenas chegam a Lisboa 2 ou 3 linhas dos noticiários dos jornais, que pouco incomodam a sensibilidade de quem vive nos grandes centros. Sei bem, ainda por cima, qual o modo de pensar de alguns responsáveis de todos os quadrantes políticos: é tudo muito longe, lá para cima é um outro mundo. A luta pela liberdade municipal é quase ridícula. Os cavaleiros andantes que a defendem vêm de camisolas e bonés coloridos, não têm maneiras, bebem vinho durante o dia e, aliás, perturbam a resolução de todos os problemas em que estamos empenhados; teremos que ser drásticos com esta gente, que teve a ousadia incomensurável de tomar de assalto, com as suas tropelias, as primeiras páginas dos órgãos de comunicação social durante meia dúzia de efémeros dias; teremos que, implacavelmente, fazer soar, com um gesto de desdém, a sineta que matou o mandarim queiroziano, e as aspirações eternamente inoportunas dos Vizelenses voltarão de onde vieram e ir-se-ão esfumando no esquecimento dos tempos. Durante uns anos não nos incomodarão mais!...
E essa ímpar comunidade, que não tem tido figuras políticas de peso que façam valer eficazmente os seus direitos, apesar do seu querer e da sua força colectivas mostradas durante séculos, não conseguirá fazer valer os seus direitos e ultrapassar egoísticos interesses de alguns. E as virtualidades da democracia ir-se-ão esbatendo aos olhos dos que nela acreditaram, acabando por apenas ser vista como uma máquina desumana que se exterioriza em palavras estudadas que, embora sentidas pelos destinatários, já não fazem reagir o seu centralismo esclerótico. E aqueles que longe vivem e aqueles que longe sofrem e cumprem as suas obrigações quotidianas e, sem defesa, pagam com mais rigor o tributo de todas as cíclicas crises da história continuarão marginalizados, não tendo o mesmo tratamento que outros portugueses tiveram.
Quando o diálogo entre qualquer parte do todo nacional e os seus órgãos representativos se quebra ou é deformado e escamoteado por sibilinas reservas mentais ou por jogos políticos menos claros que a frontalidade e a sinceridade do homem da província não entende, estaremos a dar o primeiro passo para a destruição da própria democracia, entrando-se por caminhos perigosos para as instituições que queremos ver fortalecidas e participadas por todos os elementos da população portuguesa. Carlos Andrés Pérez, social-democrata e ex-Presidente Venezuelano, bem avisa que «quando se fecham as vias pacíficas ao povo é legítimo o seu direito à rebelião».
Vozes do PSD e do CDS: - Que é isto?!...
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso de maneira alguma concordar com o que se tem passado em Vizela, mas não posso deixar de reconhecer a lógica da sua angustiosa revolta e de responsabilizar os causadores do desencanto do povo vizelense pelas virtualidades da democracia e de lamentar as demoras havidas na resolução do problema que aqui hoje é discutido.
Se em 11 de Maio último a intenção de algumas forças políticas era de impedir, de qualquer maneira, a criação do concelho de Vizela, então por que adiaram o problema? Por que não se ultimou, nessa altura, a execução da autonomia municipal vizelense?
Para quê fazer renascer a esperança em toda uma colectividade que já tanto sofreu por causa das suas ancestrais aspirações e que tem passado esse testemunho de pais para filhos, escondendo no trabalho e no reforço das suas identidade e solidariedade colectivas as consequências dos seus desaires reivindicativos?
Para quê arranjar desculpas atrás de desculpas para adiar uma decisão que o foro íntimo de alguns já sabia qual era?
O povo, na sua sábia intuição, teve a percepção dessa realidade. Viu perfeitamente que até poderia ser virada contra ele qualquer manifestação que aqui fosse feita, razão por que hoje não se manifestou em frente de S. Bento. Este o motivo porque não vimos à entrada do Parlamento milhares de minhotos desfraldando as suas bandeiras e clamando pela restauração do seu município; na pureza e simplicidade do seu carácter, os vizelenses não permitirão que qualquer desculpa haja para que não seja aprovada, finalmente, a criação do seu município. Sei bem que sempre se podem engendrar justificações para o voto negativo. Desde argumentos regimentais aos burocráticos, passando pela falta do documento cujos termos são passíveis de várias interpretações, sempre há a possibilidade de se criar um obstáculo após outro. No fundo é a velha fábula de La Fontaine, em que o lobo esfomeado, a montante do riacho, dizia ao cordeiro indefeso que o ia matar por este lhe estar a sujar a água que ia beber e, perante a explicação da vítima de não ser essa acusação possível, atendendo ao sentido da corrente, logo a fera bruta engendrou novo e convincente argumento, dizendo peremptório que se o inofensivo cordeiro não estava a sujar a água já o seu pai a tinha conspurcado... E assim foi feita justiça!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por diversas vezes tenho manifestado nesta Câmara que não entendo a política com a utilização de congeminações pouco claras, onde a ausência de transparência retira a possibilidade de compreensão por parte dos que em nós votaram. Neste momento Vizela não compreenderia que não tendo sido dado nenhum passo para se ultimar a lei quadro da criação de autarquias se viesse agora utilizar esse argumento para justificar a não aprovação da criação do seu conselho, principalmente quando não nos foi permitido o agendamento e a discussão anterior daquele diploma.
Em democracia, quando alguma força política não vê aprovado um seu projecto não pode sentir-se derrotado, pois qualquer decisão deve ser a expressão da vontade da maioria. Neste caso, porém, se o projecto de lei não