1296 I SÉRIE - NÚMERO 37
dade. São isso tudo e muito mais, mas mesmo assim os deputados da AD votaram a favor.
A AD está em coma, putrefacta. É como um monstro, ferido de morte, que se mantém vivo ligado a uma máquina e que no seu estertor continua a sua política destruidora do País.
É urgente desligar a máquina!
O debate terminou com a votação de três propostas de resolução tendo em vista a suspensão dos dois decretos em discussão. Duas (do PCP e da UEDS), visavam apenas a suspensão total. A terceira, do PS, visava apenas a suspensão das avaliações fiscais extraordinárias.
O Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente as três propostas. Os partidos da AD, confirmando plenamente a sua hipocrisia e farisaísmo e revelando um total desprezo pelos interesses de centenas de milhares de comerciantes e industriais, votaram contra. Confirmam aquilo que já sabíamos.
Já a votação do PS se revelou estranha e contraditória, tendo votado pela não ratificação dos dois decretos, quando os mais elementares princípios de lógica e de coerência deveriam naturalmente tê-lo levado a votar favoravelmente a suspensão total dos decretos. Mas não fez. Ficou-se por uma ambígua abstenção.
O PCP manteve-se coerente em todo o debate e nas votações: primeiro, votámos contra a ratificação dos decretos; depois, votámos pela suspensão total dos mesmos diplomas e, finalmente, votámos a suspensão das avaliações fiscais extraordinárias.
Declaração de voto do deputado Mário Raposo, nos termos do n.º 3 do artigo 100.º do Regimento da Assembleia da República.
l - A actualização periódica das rendas dos prédios urbanos, seja qual for o fim a que eles se destinam, é postulada por razões de equilíbrio social; acresce que apenas assim se viabilizará a afectação das pequenas ou médias poupanças ao investimento imobiliário.
Referi a este propósito, em Fevereiro de 1977: «Afigura-se-me de estabelecer um justo balancear entre a eventual carência de meios dos inquilinos e a não menos possível carência de meios dos senhorios. Estes não serão (necessariamente) pessoas de maior capacidade económica do que aqueles. [...] Não há uma classe caracterizável como a dos senhorios e outra como a dos inquilinos. Tais posições são intermutáveis e, em muitos casos, cumuláveis. A sociedade de hoje já não obedece à compartimentação figurável no século XIX e se fosse feito um rastreio das situações de carência talvez se encontrasse um maior número delas nos pequenos senhorios do que nos inquilinos. A poupança e o consequente investimento - funciona ainda em Portugal como uma segurança social supletiva para grande número de pessoas, dessa indefinida mancha populacional que é a classe média. [...] O momento decisivo da pequena ou média propriedade privada não é ela, em si mesma, como fonte de sucessão e de perpetuação de riqueza (o leque dos sucessíveis, em caso de morte, deverá ser restringido, numa perspectiva saudavelmente socializante), mas a segurança no futuro que representa. [...] O direito à habitação deve ser encarado como um consumo social, por via de iniciativas a cargo do Estado, e pela promoção equilibrada e sensata da aplicação das poupanças privadas na construção, tendencialmente em regime de propriedade horizontal.» (Revista da Ordem
dos Advogados, ano 37.º, p. 237.) Sublinhei então que o que assim ponderava não o era «para defender os inquilinos ou para defender os senhorios, o que é a moeda corrente nas argumentações usualmente expendidas, mas para ajudar a construir um país possível e normalizado, com responsabilidades assumidas e projectos definidos». Viria depois a explicitar que outras soluções, que não a do congelamento das rendas, «serão encontráveis no sentido de possibilitar que seja o Estado a suprir as carências das áreas humanas realmente mais desfavorecidas, através de mecanismos que corrijam, gradual, mas firmemente, as assimetrias injustificadas na detenção de bens patrimoniais» (cit. Revista, p. 240).
Penso agora como pensava e creio que terá de existir a vontade e a capacidade política para promover o equilíbrio entre todos os protagonistas da vida social. Isto muito embora no que respeita à actualização das rendas eles tendam para um tratamento diversificado: os arrendamentos para habitação e os arrendamentos para outros fins não poderão estar sujeitos a um sistema uniforme, atentos os condicionalismos socioeconómicos subjacentes.
2 - Quanto aos arrendamentos comerciais (em sentido amplo, ou seja, para outros fins que não a habitação), consigna o Decreto-Lei n.º 330/81, no preâmbulo, uma regra inteiramente acertada: a de que o recurso a avaliações fiscais, morosas e aleatórias, deve ceder o passo a uma actualização objectiva, através de índices anualmente fixados. Com efeito, as avaliações fiscais serão sempre fonte de situações de injustiça relativa, de insegurança para os agentes económicos envolvidos e de uma indesejável sobrecarga burocrática.
Entretanto, prevenindo-se o caso de rendas antigas desactualizadas à data em que o arrendamento passe a estar abrangido pela actualização tabelada anual, faculta-se uma avaliação fiscal extraordinária. Ora foi precisamente aqui que o regime proposto abriu flanco a uma maior contestação, por via do critério estabelecido no Despacho Normativo n.º 75/82, de 22 de Abril, oriundo do Ministro da Justiça e do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes. E não resta dúvida que o seu n.º 3 («nas avaliações fiscais extraordinárias deveria ter-se em conta unicamente o valor locativo dos imóveis resultante do livre funcionamento do mercado, sendo irrelevante a renda praticada à data do pedido») conduziria, virtualmente, a resultados justificativos de reparo.
No sentido de obviar a tais situações, viria depois a ser publicado o Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, que refreou os excessos latentes no regime do despacho normativo. A questão será a de saber se os actuais n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, na redacção daquele Decreto-Lei n.º 392/82, atingiram, realmente, o proposto objectivo. Estou em crer que sim, pelo menos até certo ponto. Mas também penso que o n.º 4 deveria ter fixado um limite para o aumento resultante da avaliação, como dispositivo de segurança para o arrendatário. A redacção desse n.º 4 é, aliás, confusa; e, num caso destes, a lei, que sempre deverá ser clara e unívoca, devê-lo-ia ser muito especialmente.
O problema é o de que as rendas agora estipuladas em mercado livre tendem a ser especulativas; o legislador deveria ter acautelado que, pelo canal dos mecanismos de actualização, esse pendor especulativo se propagasse às rendas já em vigor, até porque elas nunca deixaram de poder ser quinzenalmente actualizadas, nos termos da legislação anterior.