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21 DE JANEIRO DE 1983 1297

Acontece ainda que o regime de actualização das rendas permite, no seu todo, uma certa fluidez interpretativa; isto não obstante alguns preceitos serem de aplaudir, como, por exemplo, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio (aplicabilidade do regime «a todos os arrendamentos urbanos destinados a fins diferentes de habitação»).
3 - Foi já salientado que o «pacote locatício» constituído pelos Decretos-Leis n.ºs 328/81, 329/81 e 330/81, de 4 de Dezembro, promanou, todo ele, do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes; quis-se, com isso, visivelmente, reprovar o não terem sido participados pelo Ministério da Justiça (Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 2.» ed., adenda, p. 810). A observação terá certa pertinência, sobretudo no que toca ao primeiro desses diplomas, que directamente alterou disposições do Código Civil. Mas tem de ser entendida numa adequada perspectiva.
É que, realmente, na área dos grandes institutos de direito privado (a área dos chamados «grandes códigos») o Ministério da Justiça deverá ser especialmente responsável pelas actuações de reforma legislativa. E isto por várias razões, a principal das quais será a de ser nele que se concentram os meios de trabalho mais especificamente vocacionados para o efeito. Mas o pensar-se assim não poderá levar ao ponto de reclamar para o Ministério da Justiça o exclusivo da preparação legislativa, como, por exemplo, pretendeu, em França, o então Ministro Alain Peyreffite - o Ministério da Justiça como lê ministère de la loi. O tema viria a ser glosado por Bruno Oppetit («La décodification du droit commercial français», em Études Offertes à René Rodière, 1981, maxime, p. 201), a partir de casos próximos do agora em exame.
A questão será relevante, mas não essencial. O que fundamentalmente importa é que o Governo, no seu todo, funcione solidária e coerentemente; como sublinhou Cavaco Silva, em Outubro de 1981: «O Governo não pode ser um somatório desarticulado e desunido de Ministros e Secretários de Estado, com liderança frouxa, nem pode ser ambíguo, hesitante ou oscilante na sua acção.» (em A Política Económica do Governo de Sá Carneiro, 1982, p. 67). É óbvio que o Prof. Cavaco Silva não se referia ao Governo de que foi um dos elementos basilares; o vi Governo Constitucional é, na realidade, lembrado como uma marcante expressão de coerência, de articulação e de solidariedade, ao serviço de um projecto de Estado e de sociedade e sob uma clara e inesquecível liderança.
Aliás, como eu próprio acentuei então, as acções de reforma legislativa mais directamente a cargo do Ministério da Justiça deveriam ser vistas, quando fosse caso disso, numa perspectiva interdisciplinar e interministerial e sempre integradas «na política geral do Governo» (Boletim do Ministério da Justiça, 300, p. 7).
4 - Aliás, o que estará em causa será a forma como se exerce a função legislativa. A forma e o ânimo. Nenhuma reforma legislativa poderá partir de impulsos de momento e o ser oriunda do Ministério da Justiça não lhe outorgará uma especial autoridade ou dignidade institucional, se as não contiver em si mesma.
Foi por isso que se tivesse ontem podido estar presente no debate sobre o Decreto-Lei n.º 224/82 não deixaria de, em declaração de voto, registar a minha inconformidade quanto ao modo como o processo legislativo surgiu e se desenrolou. O que não me teria impedido de votar no sentido que prevaleceu, dado que as alterações introduzidas em sede parlamentar tiveram o inquestionável mérito
de comedir as arestas negativamente mais vivas do diploma.
Considero útil deixar aqui reproduzida tal declaração de voto, que, repito, só por razões de imprevista impossibilidade não foi tempestivamente apresentada. É que ela, para além do caso concreto e específico das alterações aos Códigos de Processo Civil e das Custas Judiciais, esboça uma problemática que terá aplicação à atitude de base perante qualquer reforma legislativa.
5 - Passo, pois, a reproduzir essa declaração de voto:
Creio que o percurso legislativo encetado pelo Decreto-Lei n.º 224/82 e que agora teve, nesta Assembleia, o seu remate, não foi dos mais felizes e não deverá servir de padrão aos vindouros. Perante o coro de reacções que se abateram sobre o diploma do Governo, deveria ter sido melhor reflectida a reforma que nele se propunha, até porque grande parte dessas críticas eram pertinentes.
A opção de prudência não foi assumida pelo Governo. Entretanto, e não obstante a rejeição prevalente que nesta Assembleia visivelmente se formou quanto às soluções de base do diploma, relutou-se em encarar frontalmente todo ele e ingressou-se numa solução compromissória que, com o muito respeito que merecem todos os juristas envolvidos no árduo labor legiferante, nem ficou a ser «carne nem peixe».
Ora é tempo de reconhecer que as reformas legislativas terão de ser pensadas e prosseguidas em ordem a beneficiar o sistema jurídico e a sua unidade, e não a dar vazão a arroubos doutrinários de circunstância. Assim, como as coisas se passaram, está-se a criar uma situação como a que no editorial do ano 51.º (1918-1919) já a Revista de Legislação e de Jurisprudência lamentava: «[...] a lei, só depois de publicada na folha oficial é que constitui verdadeiramente um projecto de lei, porque é sobre ela que se clama, protesta e representa e depois se fazem novas publicações da lei e, quando já ninguém a compreende, começa-se de novo - é então revogada a lei [...]».
Tudo isto é dito com a noção bem clara de que melhor foi aprovar as alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 224/82 em sede parlamentar do que deixar incólume a traça inicial deste.
Parto ainda do princípio de que preocupações de celeridade e simplificação processual deverão determinar um eficaz repensar da estrutura do processo civil português. Mas não será, por certo, através de pequenas reformas sectoriais e extravagantes (no sentido técnico-jurídico, escusado seria precisar, de avulsar) que tão decisivo objectivo se alcançará.
E nem se argumente que, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 457/80, transgrediu tão inarredável regra. É que os seus propósitos nem se inseriam na reforma global que então se programava nem com ele mais se visou do que dar resposta imediata a manifestas deficiências, geralmente reconhecidas, de alguns preceitos do Código. Foi um diploma inteiramente desprovido de ambições; a mais firme das audácias é, às vezes, a de se saber ser intelectualmente humilde, numa acepção dignificada da expressão.
A problemática sumariamente posta suscita uma segunda ordem de considerações, também necessariamente breves. Têm elas a ver com o exercício efectivo da função legislativa, por vezes encarado com demasiada