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6 DE DEZEMBRO DE 1984

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ra ano reduzem se em termos reais os gastos com a educação. As verbas previstas no Orçamento do Estado, os investimentos no sector, nomeadamente nas construções escolares. Isto significa, Srs. Deputados, que está a ser hipotecado o futuro do País numa perspectiva de desenvolvimento e até de bem estar cultural (só Salazar consideraria um bem inestimável a ignorância e disse-o). Mas a redução das despesas reais com a educação acarreta e arrasta novas despesas. A criança que vive a quilómetros da escola, que está armazenada num edifício, que não tem cantina onde comer, está condenada ao insucesso escolar, e arrasta-se ao longo de anos para conseguir cumprir (se não desistir antes) a escolaridade obrigatória. Face a isto o Governo reduz ainda mais as verbas com a educação (em vez de as aumentar) e faz, assim, um decreto-lei isentando crianças do cumprimento da escolaridade obrigatória, o que abre a porta a verdadeiros crimes.
Basta que uma autoridade sanitária (um bombeiro, chega, Sr. ministro?!) ou escolar a considere deficiente e o Estado lava as mãos.

O Sr. Presidente: - Dá me licença, Sr.ª Deputada?
Apelo aos Srs. Deputados que haja silêncio.

A Oradora: - Tanto aos Srs. Deputados como aos Srs. Membros do Governo. E talvez fosse bom lembrar lhes que não estamos no recreio, apesar de estarmos a falar de ensino.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Penso que os Srs. Membros do Governo não terão culpa de os Srs. Deputados andarem, constantemente, junto da bancada governamental.

A Oradora: - Ainda gostava de saber que "cunhas" é que estarão a meter. Se ainda for para as escolas...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, penso que o seu comentário é inoportuno e inadequado. Faça favor de prosseguir.

A Oradora: - Sr. Presidente, eu dizia "cunhas" no bom sentido, tendo dito mesmo que se fossem para umas escolas lá no distrito, não era mau.
Como eu ia dizendo, basta que uma autoridade sanitária ou a escola a considere deficiente para o Estado lavar as suas mãos.
Este decreto-lei envergonha o País, causa uma justa indignação com largo eco aqui na Assembleia (e o Ministro silenciou a questão). É uma conclusão essencial deste debate. A necessidade de urgente
revogação do diploma e nesse sentido apresentaremos hoje mesmo o correspondente projecto de lei. Ele é porém o espelho das linhas orientadoras da política educativa do Governo e traduz exemplarmente uma das questões fulcrais evidenciadas por esta interpelação: a política do Governo em vez de assegurar a igualdade de oportunidades e de êxito escolar -
sublinho êxito escolar - como estabelece a Constituição, faz o inverso. Mas a Constituição da República diz mais: "O ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais."
A política seguida é o inverso disso: exclui, selecciona, afasta do sistema as crianças e jovens oriundos das classes e camadas trabalhadoras. Diga o ministro - se é capaz -, uma única medida tomada inserida na perspectiva de democratização da educação. Para este Governo os trabalhadores estudantes não existem, não existem oficialmente e não mereceram nenhuma referência durante este debate. Nem contam para as verbas distribuídas às escolas (que as recebem em função dos estudantes diurnos). As escolas não têm
cantinas a funcionar à noite. "Comemos sandes" explicam-nos os trabalhadores estudantes que chegam às 18 horas e partem à meia noite. Estudam por livros de meninos pequenos, têm os mesmos programas e menos horas lectivas, não têm quotas de entrada na universidade e, por exemplo, nunca conseguem a nota para concorrer aos "numerus clausus" com os do ensino diurno.

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Não têm material pedagógico de apoio. Têm no fundo e apenas uma enorme força de vontade para nesta situação ainda persistirem!
Na lógica inconstitucional e antipopular do Governo "o ensino é para quem o puder pagar", e tudo começa logo no infantil.
A interpelação do PCP trouxe para o Plenário da Assembleia da República esse escândalo que é a existência de 1000 jardins escola construídos e equipados que aguardam há num ano a assinatura de uma portaria de colocação de educadores que estão entretanto no desemprego. Não somos só nós a colocar a questão, mas o Governo não respondeu. O ministro Seabra não só não se indigna pelo facto de o ministro das Finanças não assinar a portaria como até fez logo teoria proclamando a vantagem de as mães ficarem ocupadas com os filhos, que há muito desemprego feminino.
A acção social escolar está reduzida a uma insignificância. No ensino obrigatório foi transferida juntamente com os transportes para as autarquias sem os devidos meios e com resultados gravíssimos Basta referir que milhares de crianças ficaram sem nenhum transporte porque a escola que serve a sua aldeia está no concelho vizinho do local de residência, nenhum dos municípios assumindo o encargo!
Há um ano, o ministro chamado à Assembleia para discutir com os deputados o aumento do preço das refeições nas cantinas universitárias justificava esse aumento com a necessidade de aumentar as verbas da acção social escolar do ensino básico!
Um ano depois volta a fazer o mesmo, com a mesma justificação, e no entanto as verbas da acção social escolar do básico baixaram também!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Felizmente que a luta estudantil forçou o ministro a um enorme recuo e à suspensão da malfadada portaria!
No entanto, nas visitas que realizámos pelo País os professores colocaram nos a situação de crianças subalimentadas, com fome, sem rendimento escolar. Crianças que se deslocam das aldeias de manhã cedo e ficam sem comer horas a fio quando bem necessitavam de um suplemento alimentar a meio das aulas.