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1506 I SÉRIE - NÚMERO 40

pesas públicas ou ao arranjo mais ou menos conseguido das suas aplicações.
Trata-se de reconsiderar a própria estrutura do Orçamento, num trabalho articulado com a reforma da administração, a reorganização do sector empresarial do Estado e a elaboração de uma programação financeira a médio prazo susceptível de fazer face aos problemas gerados pela reprodução da dívida.
E mais do que a simples estrutura do Orçamento, trata-se de reconsiderar as condições, nomeadamente políticas, de funcionamento do sistema económico.
Com efeito, demorou muito poucos anos a criação das condições políticas de destruição do sistema económico que levaram à degradação do sistema financeiro e às dificuldades acumuladas nestes últimos 10 anos; mas reconstruir e recuperar um sistema económico sadio e dinâmico e proceder ao saneamento em profundidade do sistema financeiro, designadamente do Estado, não pode ser tarefa de uma só legislatura.
Trata-se não apenas da responsabilidade dos que assumem funções executivas, mas em boa verdade da responsabilidade de toda uma classe dirigente que, no seu conjunto, saiba assumir o seu papel perante os Portugueses. Porque a crise financeira é hoje, em Portugal, um problema político de fundo, intimamente associado ao esgotamento da estrutura de um sistema incoerente, construído e alimentado através de permanentes soluções de recurso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria grosseiro pretender explicar a situação gerada no plano das finanças públicas exclusivamente através de actos de negligência ou má gestão. Na verdade, a crise financeira que começou a manifestar-se mais intensamente em 1983 não é mais do que a factura retardada do choque profundo a que a economia portuguesa foi sujeita na última década, através do cruzamento dos efeitos da crise internacional e das transformações revolucionárias internas que se seguiram ao 25 de Abril.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ainda agora!

O Orador: - Num escasso período de 5 anos, entre 1974 e 1979, concentraram-se num mesmo momento histórico os reflexos do esgotamento do padrão de crescimento dos anos 60, as consequências da descolonização, a interrupção abrupta dos fluxos migratórios mais significativos, os dois choques do petróleo e um processo político voluntarista, orientado para a radical transformação da estrutura económica e político-institucional do País.
A destruição da organização sistémica que suportou o Estado durante décadas e a consequente desagregação dos anteriores centros de coordenação e racionalidade económica, operada em particular através das nacionalizações e da desarticulação do capital financeiro, transformou os fundamentos das relações políticas, sociais e económicas, sem gerar, em paralelo, uma nova estrutura internamente coerente, com um núcleo de poder claro e estável. O confronto das estratégias que se cruzaram no desenvolvimento do processo revolucionário veio a exprimir-se num compromisso fluido e contraditório, definido pela negação, produzindo um sistema de poder híbrido e inconsistente em que nenhuma das forças políticas dominantes acabou por se reconhecer.
Esta evolução criou dificuldades duráveis à afirmação de hegemonias no conjunto do corpo social, surgindo, simultaneamente, como causa e efeito de uma instabilidade política endémica que abalou fortemente a unidade interna do Estado e transformou a sociedade civil numa congregação de poderes dispersos, estrategicamente indefinidos, perante os quais a administração central perdeu peso contratual e capacidade de arbitragem.
A crise instalou-se assim, progressivamente, nos próprios domínios organizacional e administrativo, afectando, com crescente profundidade, os instrumentos de regulação e intervenção e contribuindo, por essa via, para pôr cada vez mais em evidência o desajustamento do actual quadro institucional da vida económica e a inoperância dos mecanismos de produção das decisões da Administração.
O impacte do choque externo veio, entretanto, confrontar a economia portuguesa com um défice estrutural da balança de transacções correntes - uma realidade nova, hoje tida por duradoura e decisiva, mas infelizmente assimilada com excessiva lentidão na definição das políticas económicas globais. No contexto de indefinição estratégica que procurámos sintetizar, não surpreende que a balança de pagamentos e o agravamento dos factores de dependência externa acabassem, como acabaram, por desempenhar um papel determinante no movimento do ciclo político-eleitoral e na detonação da crise do sistema financeiro, que, perante a ausência de ajustamento da estrutura, foi obrigado a absorver, paulatinamente, o impacte do choque global que a sociedade portuguesa suportou a partir de meados da década passada, adiando a repercussão dos seus efeitos no aparelho, produtivo e no nível de vida da população.
A ilustração concreta desta imagem breve e necessariamente simplificada encontra-se concretizada na gestão da dívida externa ou na política de investimentos do sector público empresarial, administrado ao sabor das necessidades do momento, com uma permanente descoordenação entre as tutelas e num quadro de ausência de qualquer noção de planeamento estratégico. Para além dos factores de ineficiência que em si mesmas geraram, as empresas públicas - é justo reconhecê-lo - têm servido para esconder desemprego, para conter preços de forma artificial, para financiar, pela via mais fácil, o endividamento externo. É tempo de pensarmos nelas também como unidades empresariais e tirar dessa perspectiva todas as consequências, sob pena de desvirtuarmos por completo o debate importante e oportuno sobre a redução do papel do Estado na economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos agora a conhecer, com algum rigor, a expressão financeira desta permanente fuga em frente alimentada a crédito, que tornou possível esconder incapacidades e fraquezas quanto ao ajustamento real do sistema económico.

O Orçamento que hoje procuramos começar a analisar é o espelho de 10 anos de dificuldades políticas e imobilismo estrutural. Se não houver entretanto a capacidade e a vontade de preparar a mudança que a gravidade das circunstâncias exige, podemos também dizer, desde já, que ele é o prenúncio de tempos particularmente difíceis. Por isso desejo repetir, perante esta Câmara, o que já tive ocasião de afirmar noutras circunstâncias: a proposta de lei do Orçamento para 1985 só faz sentido se a sua execução for acompanhada de reformas de fundo e só nesses termos foi apresentada.