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24 DE JANEIRO DE 1985 1579

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parado em boa medida segundo as regras do Conde de la Villette, ou seja, de 1830, em França. Ora, como todas as técnicas orçamentais modernas não são susceptíveis ainda de serem introduzidas entre nós como, portanto, os orçamentos são cada vez mais de continuidade, em vez de serem de profunda renovação e alteração, que necessariamente deveriam ser. Para além destes condicionalismos já de si importantes, muitos outros se reflectem.
São condicionalismos de toda a ordem: por exemplo, aqueles que vêm de factos que ultrapassam o âmbito desta Assembleia e para ela são trazidos como factos consumados. Exemplificando, a contratação da função pública e um aumento fixado em uma determinada percentagem foi um facto dado, anunciado ontem em plena discussão do Orçamento do Estado na Assembleia da República. Temos um facto consumado, que nos é lançado sobre a Mesa e que, portanto, também ele dificulta a construção de alternativas.

Ainda há pouco a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica nos demonstrava a coincidência de números a que tinha chegado com a Associação de Municípios, ou seja, nos 65 milhões de contos. Estamos perante outro facto consumado, também ele a colocar em causa a possibilidade de encontrar alternativas por parte da Assembleia da República.
No entanto, creio Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o facto maior é aquele que comecei por apontar, ou seja, a parte crescente e suficientemente progressiva que a dívida pública vem assumindo no Orçamento estadual. A fim de dar uma ideia meramente quantitativa, diria que de 1980 para esta parte o pagamento de juros pelas dúvidas do Estado cresceu em 5 anos 8 vezes; os encargos com as amortizações, algumas das quais adiadas, cresceram no mesmo período 12 vezes. Esta progressão geométrica não pára de crescer e, como as receitas do Estado não podem de perto nem de longe acompanhar esta progressão, a dúvida pública cada vez mais angustiante que a todos nós sem excepção "anda a assaltar", é de saber que possibilidade vai tendo o Estado de solver os seus compromissos a curto prazo.

Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o problema de uma dívida interna e externa que em 1973 pouco excedia os 50 milhões de contos e, 10 anos mais tarde, em 1983, era da ordem dos 1300 milhões de contos, dá só por si uma ideia da dimensão do nosso problema e da sua progressão. Se considerarmos todo o peso da dívida estatal, incluindo as responsabilidades assumidas por avales e, por exemplo, pelos fundos autónomos, teremos assim uma dimensão da dívida que eu direi "pecar por defeito" se a avaliarem em mais de 2000 milhões de contos. Este número, 2000 milhões de contos, é não apenas um encargo sobre o Orçamento do Estado deste ano e sobre a nossa geração como também sobre as gerações futuras. Essa é uma responsabilidade que nos cabe assumir também.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nos aproximamos e muito perigosamente, de uma situação em que mais do que o Governo - qualquer que ele seja, quaisquer que sejam os seus méritos -, é a dívida quem nos governa.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a simples consideração destes números nos leva a uma segunda ordem de considerações.
Há cerca de um ano o Sr. Ministro das Finanças e do Plano anunciava aqui - refiro-me à sessão de apresentação do Orçamento do Estado para 1984 -, como,

o segundo dos grandes objectivos da sua política o da redução do défice orçamental de cerca de 6,1 % do produto interno bruto e do sector público administrativo para cerca de 6,3 %. E diria, desse segundo objectivo, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano as seguintes palavras que passo a citar:

Está em jogo, efectivamente, a capacidade do Estado para assegurar um certo número de operações importantes de gestão da economia. Assim, desde logo, gerir as suas próprias finanças - designadamente, no que respeita ao controle das despesas -, adoptando os mecanismos de gestão adequados e que deverão ser implementados. Está, por outro lado, em jogo a capacidade do Estado para reduzir a marcha do seu endividamento, evitando um acúmulo da dívida pública que tornaria inviável, no limite do absurdo, o próprio estabelecimento do Orçamento do Estado. Está também em jogo a capacidade do Estado para reduzir os efeitos do consumo público sobre a própria procura de empréstimos externos e de importações e, consequentemente, sobre a balança de pagamentos.

Estas palavras do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, há uma ano proferidas nesta mesma Câmara, mereceram o nosso aplauso. E porque o mereceram, dificilmente compreendemos que, numa situação com a gravidade que tem aquela que descrevi, se aumente ainda mais este ano o défice e a dívida já existente e a fraca capacidade que já tínhamos de gerir um Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se esta é a primeira e fundamental crítica que temos a dirigir ao Orçamento do Estado para 1985, tal como nos é apresentado, gostaríamos ainda de acrescentar que, precisamente porque a situação é esta, na parte restante do Orçamento do Estado - isto é, aquela que não é absorvida pela dívida - imperioso se tornaria gerir e actuar com maior sentido de economia e de eficácia.
Creio, portanto, que dificilmente se percebem quaisquer atrasos, por mínimos que sejam, em relação a actuações nesse sentido. Qualquer solução era urgente, provavelmente ontem e há 10 anos! E por isso mesmo, cada dia que passa só agrava essa urgência e torna indispensável essa actuação.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - O problema do Estado entronca aqui. Creio Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não me será levado a mal que diga que o problema do Estado vem sendo encarado em Portugal, nos últimos tempos, como algo que tem mais a ver com a relação entre o adolescente e os pais - em termos psicanalíticos - do que com a teoria política. Creio que o Estado está a funcionar, ao mesmo tempo, como objecto de todas as seduções e de todas as rejeições: dirige-se contra o Estado toda a agressividade nascida das frustações da vida social e, ao mesmo tempo, coloca-se no Estado todas as esperanças de melhoria da vida colectiva.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Creio que há também um sentimento generalizado, no mais alto grau, de que do Estado se deve aproveitar tudo quanto se puder! E creio que este sentimento colectivo generalizado não só não é salutar