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3 DE ABRIL DE 1985 2719

ciamentos não pode merecer o nosso apoio. Quanto à proposta sobre radiodifusão, abster-nos-emos. Sobre os projectos, votaremos a favor. O reduzido tempo que nos foi atribuído para este debate, através de uma interpretação extremamente restritiva do novo Regimento por parte dos representantes dos Grupos Socialista e do PSD, impede o Grupo Parlamentar do MDP/CDE de fazer uma análise circunstanciada aos projectos de lei, principalmente às propostas de lei que necessitam de alterações profundas.
Bater-nos-emos por isso na respectiva comissão parlamentar. Veremos o que nos reserva o futuro. No entanto, temos dúvidas sobre se a aprovação de legislação sobre esta matéria virá concorrer para o desanuviamento do ambiente repressivo que se vive, nomeadamente na RDP, para que os noticiários e a programação passem a ser mais independentes do poder político, uma vez que os dois partidos da coligação governamental, a exemplo do que fazem na televisão, sabem escolher e impor pessoas da sua confiança nos principais cargos, garantindo, assim, um direito de antena suplementar, diário, constante e opressivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não interviria neste debate se não houvesse um aspecto que me parece relevante e que subjaz a muitas das preocupações do povo português acerca dos meios de comunicação social. É que, passada a fase em que tivemos de defender o pluralismo, estamos agora, penso eu, num momento de viragem em que o que é mais importante é a qualidade da informação. E essa qualidade, antes de mais, advir-lhe-á do respeito pêlos valores essenciais da nossa comunidade nacional. É preciso que os Portugueses não se sintam agredidos por uma comunicação, quer oral, quer pela imagem, quer pela escrita que: vai contra aquilo que é a sua maneira de ser e a sua maneira de estar no mundo.
É preciso também que, por exemplo, no que respeita à informação oral radiofónica, a língua portuguesa seja, efectivamente, salvaguardada, e, mais do que salvaguardada, enriquecida.
Quero lembrar uma intervenção feita nesta Assembleia, em 1981, pelo Sr. Deputado Jorge Miranda em que chamou a atenção para a necessidade de preservar a língua portuguesa. Felizmente, vejo que no artigo 10.° da proposta de n.° 73/III, apresentada pelo Governo, figura essa preocupação de salvaguarda da língua portuguesa, como aliás também acontece no artigo 3.° do projecto de lei n.° 192/III, apresentado pela UEDS, e no artigo 9.° do projecto de lei n.° 79/III, apresentado pelo PCP.
Retomando o que foi dito há pouco por um Sr. Deputado a propósito da criação da Ordem de Camões, isto é sinal de que, pelo menos aqui, há possibilidade de consenso.
Mas a verdade é que a defesa da língua não consiste apenas em proclamar a importância dessa defesa. Consiste, sim, em exigir um rigor a todos aqueles que se exprimem através da rádio para que não aconteça que a nossa língua seja estropiada e seja, a cada passo, vítima de ofensas graves.
Gostaria de citar, por exemplo, o que diz João de Araújo Correia num texto interessantíssimo em defesa da nossa fala:
Bem é que ensinemos os nossos filhos a pronunciar com energia as sílabas átonas de cada vocábulo. Essas delicadas sílabas, para que não esmoreçam, necessitam de auxílio. Se lho negarmos, mal se ouvem. Mas não é necessário abrir vogais fechadas nem dar pontapé nas vogais mudas para que se percebam. Se tal fizermos, destruiremos a música do idioma.
Aliás, no que respeita à defesa da língua portuguesa, é importante que, como acontecerá com a música, os nossos autores clássicos, os nossos autores modernos sejam privilegiados na programação. E gostaria de salientar o que há de positivo, no que respeita aos autores modernos, no intuito de criar o museu da rádio e também de fazer da fonoteca um receptáculo daquilo que, hoje, os nossos escritores, não só escrevem, mas falam.
Gostaria ainda de lembrar que numa passagem por um congresso que teve lugar nos Estados Unidos da América, me dei conta, por exemplo de que as vozes dos grandes escritores desse país, e mesmo de outros países, são gravadas para que fiquem a constituir um testemunho. E isso acontece também relativamente aos autores da língua portuguesa enquanto que nós, para nossa vergonha, ainda não temos um arquivo que, aliás, está previsto também no Museu Nacional de Literatura, a cuja comissão instaladora presidi.
Mas este problema da língua também tem a ver com o problema da liberdade com responsabilidade. É que, de facto, defender a língua não é apenas preservar uma herança, é também permitir uma criatividade. Por isso, a assunção da liberdade no que respeita à língua deve ser uma assunção responsável.
Gostaria de citar aqui um facto, que é pouco conhecido: um dos últimos textos de Fernando Pessoa, que vai ser em breve dado à estampa, consiste no rascunho de uma carta a Adolfo Casais Monteiro, a qual não chegou a ser enviada. E o que chocou Fernando Pessoa foi o facto de Salazar, em determinado momento da política, chamada do espírito, ter passado da censura negativa à censura positiva, a exigir que os escritores escrevessem de determinada maneira e que os programas radiofónicos tivessem determinadas características. Ora, isso chocou a tal ponto Fernando Pessoa que ele disse que, daí por diante, não escreveria mais em português. E é curioso que a sua última nota escrita e, efectivamente, em inglês: I know not what tomorrow will bring.
Isso significa que Fernando Pessoa ficou chocado pelo facto de se ter procurado impor aos escritores portugueses normas de escrita. E é triste que um poeta universal, mas que é também um poeta da língua portuguesa, o poeta que disse «a minha pátria é a língua portuguesa», tenha tido que tomar essa posição.
Aliás, e já agora como nota curiosa, Fernando Pessoa diz que, justamente essa obrigatoriedade de escrever ou falar de determinada maneira é o que caracteriza, por exemplo, o bolchevismo. Como modernamente Roland Barthes escreveu, «aquilo que é mais grave na censura, não é que ela impeça de dizer mas que ela obrigue a dizer», que é também uma característica do fascismo.