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3 DE MAIO DE 1985

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Não será de facto em vão que nasceram da nossa descolonização cinco novos países no continente africano e também não será em vão que num pais multirracial com experiência multicontinental, se procuram novos esquemas de participação e de dignificação da vida do homem.
Onze anos passados é importante reflectir, entender, aculturar os acontecimentos para podermos cumprir o futuro, assumindo a história que criámos. Desta forma se constrói a identidade de um povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste sentido foi dado grande contributo pelo seminário promovido pela Associação 25 de Abril, instituição que reúne aqueles que dignificaram esta Casa, permitindo-nos aqui a nossa presença livre, eleitos, pela livre escolha do povo.
O seminário a que nos referimos teve como tema «a Sociedade e as Forças Armadas», dividido em três subtemas importantes: as Forças Armadas como instituição; relacionamento civil militar; defesa nacional e defesa militar.
A colaboração de brasileiros, espanhóis, dinamarqueses, alemães, para além da colaboração de organizações políticas representativas da nossa juventude, testemunham a universalidade do tema.
Considerando que tal seminário é de interesse nacional, o MDP/CDE quis trazer a esta Assembleia, dignificando-a com isso, a notícia da sua realização, limitando-se por falta de tempo, porém, a um ponto de reflexão que lhe pareceu mais adequado à realidade imediata. Assim, entendemos especialmente importante a intervenção do professor da Universidade Católica do Rio de Janeiro, doutorado em política pela Universidade de Boston nos Estados Unidos da América, com obra escrita e grande actividade académica - Prof. Rangel Bandeira. Distanciado dos nossos problemas como estrangeiro, não está ausente da sua problemática, já que se refugiou, entre nós, como exilado político. Habilitado teórica e tecnicamente para a análise científica das sociedades e das suas instituições, trouxe-nos a vantagem de uma teoria que ajuda a análise de situações que nós vivemos de forma envolvente e que ainda hoje é difícil perspectivar porque nos vincaram profundamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A doutrina ou mesmo ao fetichismo da segurança interna, como condicionante de uma política global foi tema abordado pelo professor a que nos referimos em relação às Forças Armadas do Brasil e da Argentina. Permitimo-nos citar:

«Essa doutrina», por se considerar o conflito externo entre as duas superpotências inevitável, associou o inimigo interno ao externo, e estabeleceu como prioritária a segurança interna. Negando a autonomia da sociedade em determinar o seu destino, preestabeleceu a hegemonia do Estado sobre a sociedade, do militar sobre o civil, o seu papel tutelar sobre uma sociedade civil tomada por indefesa e infantilizada. Seu catecismo estabeleceu a necessidade de estágios de desenvolvimento excludentes, em que à democratização económica, seguiria a social e, só então, a política. Primeiro, fazer crescer o bolo económico, para redistribuí-lo no momento seguinte. Chega-se assim ao paradoxo de se defender a concentração da riqueza na convicção de que, a longo prazo, se beneficiará as amplas massas marginalizadas dos benefícios do progresso.

E finalizaria esta citação, dizendo:

O regime terá de ser autorizado, admitem, já que será mister reprimir a demanda social considerada prematura e também a crítica, tomada como desmoralizadora do Governo; isto é, a crítica estimularia demagogicamente a reivindicação popular que ainda não podia ser atendida, tornando-se vulnerável o País frente ao inimigo, o regime se reconhece autoritário, mas não totalitário, porque lutaria contra o totalitarismo soviético e, portanto, necessariamente caminharia no
sentido de uma democracia futura, sempre adiada.

Esta seria a situação portuguesa pós-salazarismo, era a situação portuguesa antes do 25 de Abril que a todos nós marcou. Todos conhecemos de um passado bem recente esta proposta de organização social e em alguns sobreviverá ainda a esperança de que qualquer réstea de verdade possa ainda permanecer, admitindo, porém, que, para que ela surja, seja necessário alterar os fios de ligação com a realidade que se lhes impõe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É altura no entanto de recordarmos que no pós-guerra, quando a Europa arrancava para o futuro, nós atolavamo-nos, mercê dessa organização e dessa doutrina, nas maiores taxas de mortalidade infantil, nos maiores índices de analfabetismo, no menor rendimento per capita.
Foram de facto 48 anos de «estabilidade social» e «de continuidade governativa», que o movimento dos capitães veio interromper.
Nesta Assembleia ninguém duvidará do benefício dessa rotura.
O MDP/CDE não aceitou, antes do 25 de Abril, como válido o esquema citado, e hoje luta pela grandeza, pela limpidez, pelo fortalecimento dos mecanismos democráticos e pela dignificação das suas instituições, na convicção de que, e citamos de novo:

A crítica democrática não reconhece como possível a construção democrática sem o concurso de partidos políticos democráticos fortes, que prefigurem na sua acção quotidiana a futura sociedade, pois os meios determinam os fins, e porque toda democracia é democracia de partidos. Enquanto a certeza autoritária concebe a sociedade como corpo harmónico, sem conflitos, unânime, pasteurizado, pré-concebido segundo modelo fictício, a convicção democrática se alimenta da dúvida, e sabemos que a tolerância nasce da dúvida.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE não queria terminar, limitados pelo tempo, sem um agradecimento à Associação 25 de Abril por este seminário e pelo livro 25 de Abril 10 Anos depois agora editado e contendo as intervenções feitas no seminário promovido pela Associação no ano anterior.
Para o MDP/CDE, assumir a imagem do passado e reflectir sobre o presente é assegurar o futuro. Em consequência, o MDP/CDE não aceita a dúbia expressão «mudança de regime», slogan de vários políticos e de vários candidatos à Presidência da República. O MDP/CDE aceita, sim, o crítico empenhamento na democracia, porque aceita as responsabilidades históricas.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.