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3232 I SÉRIE - NÚMERO 96

vista à sua enérgica e efectiva repressão. Ora, onde o projecto previa um agravamento da penalização - em consonância, aliás, com a tendência geral das legislações mais recentes doutros países - o Código não só divergiu dessa orientação como até reduziu as sanções aplicáveis, indo ao ponto de excluir a possibilidade de apreensão das máquinas e equipamentos utilizados no fabrico ilícito de fonogramas e videogramas, encorajando assim a actividade criminosa dos infractores! É por esta forma que o Governo, tão excitado com a admissão de Portugal na Comunidade Económica Europeia, atende às recomendações do Conselho da Europa, no sentido de se tomarem «sem tardar medidas apropriadas, prevendo sanções eficazes que permitam agir de maneira rápida e dissuasória contra todos os actos de pirataria»?!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, e porventura pior. O n.º 2 do artigo 63.º, inexistente no projecto submetido ao Governo, permite que se façam modificações na obra «na medida exigida pelo fim a que o seu uso se destina» isto depois de se reconhecer ao autor o direito de se «opor a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação» da sua obra! É assim que se respeita o direito moral do autor, direito que o próprio Código declara ser «inalienável, irrenunciável e imprescritível» e que subsiste mesmo nos casos em que a utilização da obra é lícita sem o consentimento do autor?!
Continuemos. Sabe-se que a facilidade de reprodução das obras, possibilitada por processos técnicos que o avanço da ciência coloca hoje ao alcance de todos, constitui um sério handicap para os autores e os artistas (e não só para estes, mas também para os editores e os produtores que difundem as suas obras); daí que a Convenção de Berna - a que Portugal aderiu - só permita a livre reprodução «em certos casos especiais, contanto que essa reprodução não afecte a exploração normal da obra nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor».
Porém, o artigo 82.º (que também não figurava no projecto) admite a reprodução para uso privado, não apenas «em certos casos especiais» como prescreve a Convenção de Berna, mas sem qualquer sorte de limitações, infringindo assim o princípio constitucional do artigo 8.º da lei fundamental, que considera integradas na ordem interna «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas após a sua publicação oficial e enquanto vincularem o Estado Português».
Também não é essa, Srs. Deputados, a única disposição do Código que viola preceitos constitucionais e, assim, cai sob a alçada do n.º 1 do artigo 277.º da Constituição da República. O artigo 72.º, que tão acesa controvérsia tem suscitado, diz que «os direitos reconhecidos ao autor não tolhem aos poderes constituídos a faculdade de permitir, restringir ou proibir, nos termos legais, a circulação, a representação ou a exposição de qualquer obra quando o interesse público o exigir». E isto, apesar de a Constituição garantir, no seu artigo 37.º, a liberdade de expressão do pensamento e assegurar que o seu exercício não poderá ser «impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura»!
Os defensores - que os há - deste insólito preceito sustentam que ele não institui a censura, e se limita a remeter para os «termos legais», de onde a sua inocuidade. Não institui, de facto, mas pressupõe-na ou, o que é pior, anuncia-a. E, se assim é, de duas uma: ou os poderes constituídos não têm em mente a publicação de leis que restrinjam ou proíbam a difusão de obras intelectuais, e nesse caso o preceito é inteiramente desnecessário: ou têm, e então ele é extremamente perigoso como índice ou anúncio do que nos espera...

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Ora, como a lei não contém em princípio disposições inúteis, nem rege para situações inexistentes ou improváveis, só a segunda destas hipóteses nos resta como plausível. O que está longe de poder tranquilizar-nos, sobretudo quando se perfila no horizonte a sinistra ameaça da lei dita de segurança interna.
Argumenta-se também com o artigo 17.º da Convenção de Berna, que este preceito praticamente reproduz. Mas nada obrigava o legislador a transcrevê-lo - e tanto assim que, figurando ele no texto primitivo da Convenção, que remonta a 1886, nenhuma das leis portuguesas posteriores à nossa adesão, excepto esta, incluiu disposição semelhante. E se se atentar em que aquele artigo se destina a permitir - mas não, obviamente, a impor! - o exercício da censura pelos Estados membros da Convenção no seu território nacional, não se entende o que vem ele fazer na legislação de um país cuja Constituição a proíbe expressamente. O mais elementar respeito pela nossa lei fundamental obriga, pois, à sua eliminação.
Tal como em relação a outras normas aberrantes deste diploma já dissemos, nenhuma destas disposições constava do projecto aprovado pelo Conselho de Ministros em Maio de 1984 na generalidade nem sequer do texto que lhe foi submetido em 10 de Janeiro deste mês. De onde surgiram elas então?

O Sr. João Amaral! (PCP): - Boa pergunta.

O Orador: - Sem dúvida, as três disposições mais graves são as que prevêem a possibilidade de modificar a obra sem o consentimento do autor, a liberdade de reprodução para uso privado e a possibilidade de restringir ou proibir a difusão da obra. Ora acontece que todas elas figuravam - as duas primeiras até com uma amplitude menor - no projecto de Código do Direito de Autor apresentado pelo Governo de Marcelo Caetano à Câmara Corporativa em 1973, a qual chegou a emitir parecer negativo em relação a algumas das referidas disposições. Não permitiu a queda do fascismo que esse projecto fosse por diante. E eis que um Governo posterior a 25 de Abril veio recuperar as normas mais retrógradas que nele se continham, ao mesmo tempo que recusou guarida a vários preceitos reguladores de situações novas, como fossem as que diziam respeito à informática, à transmissão por satélite e à distribuição por cabo. Têm, assim, plena razão os produtores fonográficos e videográficos no seu comentário a este diploma: «Tinha-se em projecto um Código para o futuro. Fez-se um Código do passado.»
Seria interessante apurar quem - no Governo - trocou a folha do calendário, fazendo substituir a da actualidade por uma de um tempo que não queremos ver repetido. Por isso, recusamos este Código tal como está.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A contestação que este desastrado diploma tem suscitado é geral. Auto-