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29 DE MAIO DE 1985 3237

Mas a pergunta que hoje fazemos com igual direito e muito maior angústia é esta: porque decidiu o Governo legislar agora, ao abrigo de uma disposição que apenas se destina a não pôr obstáculos à legislação já existente em países de repressão organizada?
O artigo 72.º é de facto muito grave e não é infelizmente um caso isolado nas tentativas legislativas deste Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para além do que ficou dito e amplamente justificam o nosso pedido de ratificação, outras razões concretizam-se em muitas das propostas de alteração entregues a este Plenário. Elas pretendem contribuir para uma maior clareza ou visam um maior realismo segundo situações concretas. Muitas delas são comuns a outros partidos, fruto que foram de áreas de acordo tornados possíveis em Comissão, através de um trabalho tolerante, eficaz e competente, no qual é justo realçar a colaboração do deputado Luís Francisco Rebelo que abriu o caminho ao equacionar de problemas que melhor do que ninguém domina.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, a intervenção que acaba de produzir é, sob vários aspectos, extremamente clara e teve, pelo menos, o mérito de chamar a atenção para os perigos que, em toda a extensão, estão contidos no artigo 72.º do Código do Direito de Autor, que nenhuma desculpa tem e que não pode sequer ser branqueável com a ideia de que é inútil.
O que está dito, dito está. A opinião pública portuguesa, designadamente a dos autores, lato sensu entendidos, foi de tal maneira vibrante que se tornou possível a esta Câmara fazê-lo cair.
Mas eu gostaria de chamar à colação o seu testemunho pessoal relativamente a um outro aspecto deste Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, que se me afigura de extrema gravidade e que tem sido, não obstante, menos analisado pela generalidade dos comentadores. É o que se prende com a possibilidade aberta por uma das normas de modificar a obra de um autor sem o seu prévio e expresso consentimento. Suponho que está na calha, a menos que venha a ser alterado o dispositivo, o abrir de porta a práticas de uma intolerabilidade que não pode deixar de referenciar-se desde já e para a qual poderá inclusivamente trazer preciosas ilustrações com exemplos que a nossa história literária nem sequer muito remota, fornece de forma abundante e significativa. Era um pouco esse depoimento que lhe pedia porque talvez possa ser pertinente lembrar de imediato, ao Plenário e ao País, os perigos para que se aponta com preceitos aparentemente tão inofensivos como este.

O Sr. Presidente: - Se desejar responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - De facto, penso que é inerente aos direitos do homem o direito à imperturbabilidade da sua criação.
São muitos os exemplos de deturpação na nossa história do século XIX. Por exemplo, toda a obra de Eça de Queirós foi deturpada porque, após a sua morte, foi criada a República e a família entendeu que as ideias republicanas não poderiam coincidir com a obra de Eça de Queirós.
Enfim, é necessário que tudo aquilo que se é temporário seja suficientemente respeitado na altura própria, isto é, que se crie a mentalidade de que a propriedade - não os direitos morais, refiro a «propriedade» no sentido de propriedade do espírito -, aquilo que o homem criou, está absoluta e integralmente ligado ao respeito que se deve a qualquer homem. É que a criação de um homem não é diferente dele próprio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados e, se me permitem, uma saudação especial para muitos autores, artistas e músicos que vieram aqui assistir a este debate e que - penso - certamente lucrarão com isso porque aproveitarão também para ser esclarecidos acerca de alguns aspectos relacionados com o diploma.
A recente publicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos corresponde a um acto legislativo importante para todos aqueles que fazem do trabalho intelectual e artístico a sua forma de estar na vida e de a ganhar, comunicando aos outros a expressão do seu pensamento e da sua criatividade.
Aconteceu que o novo Código, para além das importantes inovações que contém e devem ser sublinhados, para além das actualizações que comporta, para além das boas intenções que estiveram na base da sua elaboração, não corresponde, de facto, àquilo que dele legitimamente se esperaria.
E, por isso, frustrou algumas expectativas, desencadeou reacções e emoções, muitas delas fruto do desconhecimento, da análise superficial das coisas ou, até, da simples manipulação.
Ao requerer a apreciação do diploma em causa por esta Câmara, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista visou três objectivos essenciais:
Em primeiro lugar, aprofundar a análise e a discussão do Código no sentido de lhe introduzir as alterações que resultassem da apreciação que dele fez e dos contributos do debate (designadamente no que respeita à eliminação de preceitos deformadores das intenções do legislador) e, ainda, colmatar omissões que retirariam ao diploma eficácia na aplicação prática e na própria interpretação;
Em segundo lugar, clarificar, esclarecer, identificar e desmontar, por via deste público debate, alguns aspectos que por exagerados, contraditórios ou simplesmente fantasmáticos, alimentaram nos últimos tempos todo um conjunto de análises, especulações - e mesmo manipulações - que envolveram e confundiram a discussão sobre o novo Código numa cortina de fumo quase sem fogo à vista;
Finalmente, acentuar que o simples facto de, no Parlamento, um partido do Governo se propor corrigir e melhorar um decreto do seu Executivo é, não só uma prova de pedagogia democrática, mas, na sua essência e significado,