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17 DE OUTUBRO DE 1986 21

este propósito. As autarquias confrontam-se diariamente com as justas reivindicações dos produtores, e eles próprios são porta-vozes dos graves inconvenientes de um sistema de abate implementado sem que estivessem reunidas condições mínimas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei tendente à resolução destes problemas. Pensamos que, mais do que reivindicar para nós a iniciativa, fomos porta-vozes das preocupações dos próprios deputados desta Assembleia em relação a este problema e também, sobretudo porta-vozes dos produtores, das autarquias locais e, no fim de contas, dos interesses económicos do pais. Julgo que será útil para este mesmo País que este Parlamento, entendendo à importância da matéria em questão, contribua para o agendamento deste projecto de lei em tempo útil, por forma a darmos resposta aos graves problemas com que a produção e a economia do País se estão debatendo em relação à situação presente que se vive.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi apresentado na Mesa um voto de pesar, subscrito por Deputados do PRD, que é do seguinte teor:
A Assembleia da República exprime o seu pesar pela morte de Ruy Cinatti.

Está em apreciação este voto de pesar.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos proceder à votação deste voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Glória Padrão.

A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morrem os poetas.
Há bem pouco foi Alexandre O'Neil, o iconoclasta, que Portugal em férias viu passar para a cova quase sem reparar quem era, num adeus tão indiferentemente português.

Agora foi Ruy Cinatti.

O PRD lembra neste momento o cidadão que serviu o País como engenheiro agrónomo, como investigador da Junta de Investigação do Ultramar, como chefe dos Serviços Agronómicos de Timor, como Secretário do Governador de Timor, como diplomado em Antropologia Social por Oxford.
Mas, sobretudo, o PRD presta homenagem ao homem de cultura que quis assegurar, à sua medida, a continuidade das exigências culturais da «aventura» poética que a Revolução de Orpheu abriu, o homem que no momento historicamente possível reagiu contra o saturado e retórico subjectivismo da Presença, que fundou e dirigiu o movimento dos «Cadernos de poesia», que escreveu a meia dúzia de títulos que deixou para que na história de sermos não houvesse hiatos.
Entre esses livros escritos de 1941 a 1970 - do poema à crónica - ficou um título profético: Nós não Somos deste Mundo. Não é nele que escreve a «Última Vontade» que é repousar ««quando vier/simbólica, cruel a que se elege/eleito de pedra, pluma/planta, gazela, olhos tranquilos líquidos». Mas é nele que deixa a clareza rigorosa do futuro quando já não for:

Quando eu partir [... ]
eu serei da minha liberdade.
[...] Nada ficará no lugar que ocupei

...]
Mas o
hei-de habitar no coração de certos que me amaram.

Morreu Alexandre O'Neill.
Morreu Ruy Cinatti.
Pesar pelos homens que morreram. Homenagem aos poetas que foram e que são.
Mas por muito respeito que nos mereçam os mortos, é tempo de tratarmos dos vivos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Frederico de Moura.

O Sr. Frederico de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o desaparecimento de Ruy Cinatti deu-se, indubitavelmente, um empobrecimento, não apenas do lirismo, mas, até, do panorama intelectual português.
Personalidade de um poliformismo cujo espectro se estendia da agronomia e da etnologia à sociologia. Teve uma existência nómada.
Apaixonado por Timor, percorreu as ilhas da Indonésia e colheu amorosa e cientificamente amostras do solo, das rochas e das madeiras de Timor, não apenas com critérios científicos, mas pondo na prospecção muito do que nele havia de, medularmente, poeta.
Ruy Cinatti inicia a sua trajectória poética em 1941 com um livro a que, significativamente, chamou Não Somos Deste Mundo, seguido de Anoitecendo a Vida Começa e a que veio a juntar O Livro do Nómada, o que significa, por assim dizer, a sua autobiografia expressa na sua própria obra.
Agora que Ruy Cinatti já não é «deste Mundo» e dado que o seu afastamento implica um empobrecimento do panorama cultural do Português, o Partido Socialista apoia, sem quaisquer restrições, o voto que agora foi formulado e aprovado.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de Ruy Cinatti foi acolhida com generalizado e sincero pesar. O poeta, sempre marginal aos testemunhos colectivos, no plano estético como no político, afirmou-se, através de um percurso singular, uma presença significativa na literatura portuguesa do nosso tempo. Integrando os eventos quotidianos, ainda os mais anódinos, numa tecidura de matriz concreta, buscando os referentes culturais e a sua associação com o fluir da vida tumultuaria ou questionada, o autor de Memória Descritiva privilegiou a reflexividade, a problematização, sem se despir, todavia, em absoluto dos enunciados sensíveis.
Os anónimos protagonistas do dia-a-dia, o descaramento das experiências afectivas, o registo de uma religiosidade entre o mítico e o herético, tendente à humanização dos símbolos e dos signos, a torturada